Lídia Serras
O único pequeno incidente a registar tem a ver com o tempo de fritura da dourada, cujos pequenos lombos se apresentavam mais para o cru do que para o cozinhado. O pormenor não escapou ao olhar de lince do professor Abel Matos, que logo instruiu Safik, o aluno investido na função de chefe de sala, para me sugerir a substituição do peixe.
Como não queria dar maçada, agradeci a gentileza mas disse-lhe que não valia a pena. Apesar desta minha declaração de boa boca, não demorou mais que uns minutos até Safik estar a proceder à delicada operação de troca de um bocado de dourada com a carne raiada de vermelho por um outro muito branquinho. Serviço é serviço!
Para nós era um almoço mas para o profe Abel Matos e o Safik foi uma aula de Técnica de Serviço de Restauração e Bebidas. Na cozinha, decorria uma aula de Técnicas de Cozinha e Pastelaria, em que os alunos do 3º ano A confeccionaram a refeição, sob a orientação do professor Vasco Alves.
“O objectivo é aprender e treinarem a servir clientes reais”, explica Lídia Serras, a directora da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa (EHTL), que escolheu almoçar em casa, no restaurante da escola, que está aberto ao público e onde se pode usufruir de um pequeno banquete (o nosso compreendeu cinco pratos e duas bebidas) a 15 euros por cabeça (dez euros para convidados).
“O tomate liga muito bem com a manga, não acham?”, perguntou Safik depois de servir a sopa fria de tomate com manga e camarão, que antecedeu a dourada e sucedeu aos secretos de porco preto – um saboroso pedacinho dos ditos, em cima de uma tosta de broa de milho barrada com uma mousse de cogumelos com molho vinagrete (“a sua acidez ajuda a equilibrar os sabores”), acompanhada por uma folha de alface carvalho. Estava delicioso!
O tomate liga bem com a manga, da mesma maneira que se revelou muito feliz o casamento do espumante com o sumo de maracujá no aperitivo que abriu o almoço com Lídia, nascida em Água das Casas (aldeia do concelho de Abrantes, que fica na margem da albufeira da barragem de Castelo de Bode) no ano em que Eusébio e os Magriços brilharam no Mundial de Inglaterra.
Filha de agricultores, que também criavam cavalos, Lídia veio para Lisboa estudar Relações Internacionais, no ISCSP, porque “tinha vontade de conhecer mundo”. Começou logo a conhecê-lo no final do curso, em 1990. O primeiro emprego, na área de cooperação internacional da AIP, deu-lhe a conhecer Tanzânia, Gabão, Angola, África do Sul, Moçambique, na preparação e acompanhamento de missões empresariais.
Apaixonou-se por Moçambique, para onde foi viver em 97, dirigindo o programa de formação da Agência Sueca de Desenvolvimento Internacional. Em Maputo apaixonou-se por um holandês, com quem casou e é o pai das suas duas filhas (Hanna, de dez anos, e Miguel, de sete). Trabalhou ainda para Banco Mundial, em África, para a Shell, em Amesterdão, e montou a área de formação do Tribunal Penal Internacional, em Haia. Há três anos, já contente com o mundo que conhecera, regressou a Lisboa e instalou-se com a família numa casa ao pé da praia, em Santo Amaro de Oeiras.
Lídia está orgulhosa das novas e magnificas instalações da EHTL, que ainda cheiram a novo, após as obras de reconversão de um edifício em Campo de Ourique outrora ocupado pela Escola Industrial Machado de Castro, que permitiram a criação de um Hotel de Aplicação (o Hotel da Estrela), concessionado ao grupo Lágrimas, onde os alunos treinam com clientes reais o que aprenderam.
“A nossa taxa de empregabilidade ronda os 90%. Ser chef é uma profissão com glamour”, diz a directora da escola, que este ano lectivo começou a leccionar totalmente em inglês um curso de Gestão e Produção de Cozinha (Culinary Arts).
Relativamente ao episódio da dourada, a coisa tem que se lhe diga. Não fiquem a pensar que foi por distracção que ela veio para a mesa disfarçada de sushi. No final do almoço, o profe Abel Matos esclareceu-nos que a opinião dominante na cozinha é a de que os alimentos devem ser cada vez menos cozinhados, para não perderem qualidades...
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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Restaurante da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa
Rua Saraiva Carvalho 41, Lisboa
Cocktail de champanhe com maracujá
Casa de Santar (Dão) branco
Secretos de porco preto
Sopa fria de tomate e manga
Dourada com compota de maçã, tomate e cenoura baby
Lombo de porco com molho de cogumelos e cerejas
Pêra bêbada gratinada com crocante de frutos silvestres
2 cafés
Total … 20,00
Curiosidades
Certificada internacionalmente pela mais prestigiada escola do mundo (a de Lausanne), a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa tem cerca de 400 alunos nos três cursos que lecciona: Gestão e Produção de Cozinha (que confere o grau de cozinheiros de 1ª), Gestão Hoteleira-Alojamento e Gestão Hoteleira- Alimentação de Bebidas
O último seminário diplomático, que reuniu no Palácio das Necessidades 150 representantes de Portugal no estrangeiro, foi servido pelos alunos da EHTL. “Esta ano espero conseguir 30% receitas com aluguer de espaços, venda de cursos, organização de sessões de team bulduing. A sustentabilidade é um valor importante”, explica Lídia, que além de formar profissionais qualificados para um dos sectores mais dinâmicos da economia também está empenhada em dar a conhecer a escola à comunidade
Lídia adorou viver em Maputo, onde tinha um casa, na avenida Friedrich Engels, com vistas para o Índico: “Foi a única vez na vida que tive cozinheiro”