Gosto da Ana Gomes e do presidente Truman
Harry Truman é aquele tipo com aspecto de avô muito porreiro que aparece com um ar de gozo, a segurar uma edição do Chicago Tribune, com a manchete "Dewey defeats Truman" a toda a largura da 1.ª página, na fotografia a preto e branco que ilustra os artigos de análise ao fracasso das sondagens, no dia a seguir às eleições.
Para o pessoal das sondagens, Truman representa o Alcácer-Quibir que obrigou a indústria a mudar de paradigma e métodos, equipando-se com rigor científico na constituição das amostras e na adopção de mecanismos de correcção das distorções que elas quase sempre contêm.
Já para os japoneses, o nome no 33.º presidente dos EUA traz-lhes imediatamente à memória as bombas atómicas despejadas em Hiroxima e Nagasáqui para liquidar a feroz resistência do Império do Sol-Nascente e pôr assim um fim dramático à II Guerra Mundial.
Para mim, Truman é o homem que ao protagonizar o episódio do economista maneta me ensinou uma lição de vida que ficou tatuada para sempre no meu carácter.
Precisado de aconselhamento em matéria económica que não dominava, Truman pediu ao chefe de gabinete que chamasse à Casa Branca alguns economistas para opinarem sobre o assunto.
"Arranje-me um economista maneta!", foi o grito que o chief of staff ouviu da boca irada do presidente no final da audiência com o último dos economistas consultados. Truman estava farto de ouvir tipos medrosos que em vez de defenderem com entusiasmo um ponto de vista, desfiando argumentos em seu favor, se escondiam cobardemente atrás de formulações cautelosas, do estilo on this hand this... but in the other hand that...
Esta vida está atulhada de militantes do "por um lado e por outro", que se os deixassem preenchiam com triplas todas as colunas do Totobola. É por essas e por outras que gosto de Ana Gomes e não gosto dos que escrevem nas entrelinhas.
Sei que é muito duro ser político num mundo atulhado de câmaras de vídeo, em que escutar um telefone é uma brincadeira de crianças - e só uma criança acredita que pode ter uma conversa privada ao telemóvel. Mas ninguém é obrigado a candidatar-se a um lugar público. E quem escolhe este caminho tem de saber que isso significa escancarar ao escrutínio público as portas da sua vida privada.
As circunstâncias em que concluiu a licenciatura, um enriquecimento súbito ou a orientação sexual deixaram de ser matérias do foro privado para quem optou por se ocupar da coisa pública. Para um político, os vícios privados passam definitivamente a ser tão públicos como as suas virtudes.
P. S. Miguel Cadilhe, uma das vítimas preferidas das travessuras do Independente (que devassou sem piedade a sua vida privada), deve ter-se divertido à ganância a defender, em entrevista à RR, a devolução dos submarinos à Alemanha...
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias