Não mexas que é pior
O caso aconteceu logo na noite de estreia da peça levada à cena por um grupo de teatro amador dos arredores do Porto. A raiz do problema esteve no improviso achado para remediar a ausência no elenco de um actor com idade suficiente para desempenhar o papel de avô da protagonista - uma jovem viçosa e muito bem apessoada.
Como quem não tem cão caça com gato, o encenador tratou de arranjar uma barba postiça e uma almofada para disfarçar no papel de avô um rapaz tão moço quanto a actriz principal.
Sucede que, na estrita observância do argumento, a atraente actriz principal passava quase todo o segundo acto aconchegada no colo do avô.
Ora um homem não é de ferro. E a cabeça do falso avô - na realidade um jovem naquela terrível idade em que as hormonas não param de saltar - mostrou-se absolutamente incapaz de controlar a manifestação física da febril excitação sexual provocada pelo contínuo e voluptuoso esfreganço na sua fábrica do quente e aconchegado traseiro da rapariga.
Quando ela saiu do seu colo e ele também teve de se levantar, foi claro para todos os espectadores que havia mais uma coisa de pé no palco para além dos dois actores.
"Não mexas que é pior", foi a recomendação gritada da plateia por um espectador, mal viu o atrapalhado rapaz a descompor a almofada que fazia de barriga ao meter a mão por dentro das calças, na vã tentativa de disfarçar o volume que despertava a risota geral.
O episódio que acabo de contar é uma anedota romanceada. Desconheço se tem ou não um fundo verídico. Mas o conselho que serve de moral da história é bom e pode ser aplicado a diferentes esferas da nossa actividade.
Devemos sempre pensar duas vezes antes de mexer, porque boa parte dos nossos actos adquirem um estado de irreversibilidade. É impossível voltar a meter dentro do tubo a pasta de dentes a mais que saltou para fora por termos pressionado com força excessiva. Quantas vezes não nos arrependemos amargamente depois de clicar na tecla enviar ou publicar, quando o destino do email que escrevemos ou do comentário que fizemos no Facebook já deixou de estar nas nossas mãos.
A decisão de Passos Coelho de iniciar uma cruzada para dotar de paredes de vidro a administração pública, ao publicitar no site do Governo os nomes, idades e vencimentos de todos os nomeados, foi manchada pela trapalhada que envolveu a quantidade de motoristas ao serviço do gabinete do primeiro-ministro - que começaram por ser 14, diminuindo depois para 11 - e a desculpa esfarrapada fornecida, que a culpa foi de Sócrates.... Às vezes, o melhor é mesmo não mexer, como aconselhou o atento espectador da anedota.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias