Espero que Passos não engonhe
Como detesto secar-me, guardo para depois do duche as outras tarefas que medeiam entre o acordar e a saída de casa, como escovar os dentes, fazer e tomar o pequeno almoço, espreitar o email e assegurar-me que levo no meu saco de carteiro, tudo quanto suspeito que vou precisar durante o dia.
Enquanto me desembrulho das pequenas obrigações quotidianas, o roupão turco vai-se encarregando de me secar, alimentando a minha preguiça.
Atendendo à impressionante quantidade de decisões que temos de tomar durante um dia de trabalho, é inteligente apetrecharmo-nos de rotinas formatadas que nos poupam a escolhas que podemos antecipar.
Sei perfeitamente que, às vezes, quando tenho em cima da mesa um assunto importante para decidir, faço batota e tento enganar-me, sobrevalorizando escolhas menores num esforço para me convencer que sou decisor impiedoso, que não hesita, recua ou adia quando lhe surge pela frente uma opção dolorosa e prenhe em consequências.
É muito mais fácil optar por almoçar uma americana no Big Ben ou um chao min de lulas e legumes no chinês do largo Tito Fontes, do que decidir se o Jornal de Notícias deve continuar a publicar diariamente a programação de todos os cinemas das regiões Norte e Centro.
A amostra de quatro meses de Governo Passos deixa-me moderadamente satisfeito. Trata-se de gente competente e bem intencionada, empenhada em tirar o país do buraco em que nos meteram e romper com uma tradição de favorecimento de interesses privados que durava desde 2º Governo Cavaco.
Só temo que Passos esteja a engonhar, enganando-se e enganando-nos com a tomada de pequenas decisões relativamente indolores, como a fusão de freguesias, quando se impõe uma grande reforma administrativa, que logo à partida exige um processo bem mais doloroso de fusão de municípios,
No caminho de regresso a casa, chegar ao semáforo da praça da Galiza, vindo da D. Manuel II, e decidir se sigo em frente até à Rotunda ou viro para o Campo Alegre, é bem mais simples de tomar do que marcar uma reunião com a troika para explicar-lhes que precisamos de mais 25 mil milhões de euros - e talvez também de aliviar um pouco o calendário do ajustamento.
O problema é que precisamos mesmo de mais dinheiro porque as empresas públicas de transportes não se conseguem financiar lá fora e estão a usar todo o crédito que a banca pode disponibilizar, o que está a asfixiar a economia e a atirar para a falência empresas com bom produto e encomendas - mas sem fundo de maneio e privadas do crédito dos fornecedores, que passaram a exigir pagamento à cabeça.
Apesar de não ser religioso, rezo para que Passos e Gaspar tenham coragem para tomar a dificil mas inadiável decisão de pedir aos credores um reforço do pacote de resgate que impeça a morte da nossa economia.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias