O Rui usa cinto e suspensórios
O aviso de que um homem tem sempre dois motivos para aquilo que faz - um bom motivo e o verdadeiro motivo - é um dos mais importantes legados à Humanidade do falecido John Pierpoint Morgan.
Estribados neste pedacinho de ouro do fundador do célebre JP Morgan,, jornalistas e comentadores desconfiam que os políticos raramente dizem o que pensam e pensam no que dizem. Marcelo protagonizou um clássico desta trampolinice quando disse que nem que Cristo descesse à Terra seria candidato à liderança do PSD, na véspera do congresso do Europarque, em 99, que o elegeu presidente.
Embora saiba que a capacidade em aldrabar o próximo, com competência, seja um dos requisitos fundamentais para quem quer progredir na coisa pública, acredito na existência de políticos honestos e bem intencionados, - apesar de não me achar um crédulo (não acredito em OVNIs).
Peguemos, por exemplo, no caso de Rui Rio, que tem preconizado com insistência a eleição directa do presidente da Área Metropolitana do Porto e o reforço dos poderes da Junta.
O bom motivo para a defesa deste sucedâneo da Regionalização seria, de acordo com Rio, beneficiar as duas grandes concentrações urbanas do país com um governo metropolitano, mais ágil e eficaz que o central.
Mas, de acordo com cínicos analistas, o verdadeiro motivo de Rio é assegurar o seu futuro imediato (está proibido por lei de se recandidatar à Câmara do Porto) ao mesmo tempo que tenta impedir o seu arqui-rival Menezes de assumir as rédeas de uma região que tem sofrido por estar órfã de liderança.
Sei que Rio não gosta de Menezes. Mas custa-me a crer que tenha apresentado aquela proposta com o duplo e maquiavélico objectivo de arranjar um emprego para ele e tramar o seu inimigo figadal.
Sei que Rio inscreveu no Orçamento da Câmara para 2012 a dotação para pagamento dos subsídios de férias e 13º mês. Custa-me crer que a explicação que ele deu (acautelar uma eventual declaração da inconstitucionalidade do Orçamento que prevê a suspensão ou redução do pagamento desses subsídios) seja tão só o bom motivo - e que o verdadeiro motivo seja demarcar-se publicamente e uma vez mais de Passos Coelho.
Sei que devemos estar sempre de pé atrás com os políticos, mas temo que uma vez mais a desconfiança seja exagerada. O Rui é mesmo assim. Cauteloso e prudente, do tipo de usar cinto e suspensórios ao mesmo tempo.
É por isso que nunca arriscou candidatar-se à liderança do partido. É por isso mesmo que seria um óptimo reforço para a equipa de Vítor Gaspar que tem em mãos a hercúlea tarefa de baixar até 0,5% o défice orçamental.
Seria uma transferência magnífica, em que todos ganhavam. Ganhava o Porto e ganhava o país. E nem oneraria muito os cofres do Estado, porque o Rui ainda não se desfez da casa que tem em Lisboa.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias