Para evitar correntes de ar
Comer devagar foi a minha mais relevante decisão de Ano Novo, tomada após ter sabido que a investigação de uma cientista portuguesa provou que quanto mais depressa ingerirmos os alimentos mais engordamos.
Usando como base o trabalho de um ano com 500 jovens obesos acompanhados pelo Hospital Pediátrico de Bristol, Júlia Galhardo ganhou um prémio internacional ao demonstrar que mais importante do que o que se come é o tempo que demoramos a mastigar os alimentos
O nó da questão está em saborear lentamente a comida gastando assim o lapso de tempo que demora entre a ingestão dos alimentos e a mensagem de saciedade ser transmitida a quem de direito. Na máquina complicada (mas quase perfeita) que é o nosso organismo, há uma data de coisas importantes relacionadas com as hormonas.
Comecei a aplicar a minha resolução de Ano Novo no almoço de ontem, comprado por 8,70 euros (atenuados por um vale de desconto de um euro usável a partir de hoje) no Wok to Walk do Via Catarina.
Correu bem. Demorei 35 minutos a esvaziar o prato de noodles de arroz com carne de vaca, cebola frita, mistura de pimentos, molho picante Hot Asia, acompanhado por limonada. Quando cheguei ao fim, já estava frio, mas soube-me pela vida. E só comi tudo porque o meu carácter judaico-cristão impede-me de desperdiçar comida.
Tenho de reconhecer que o uso de pauzinhos ajuda a comer mais devagar - e a levar à boca quantidades de alimento mais reduzidas que o binómio garfo/faca. Os orientais sabem-na toda.
Fiquei tão satisfeito que logo a seguir, já saciado e a título de sobremesa, permiti-me um pequeno luxo (a que já não me dava há um bom par de anos) e sentei-me na cadeira do senhor Araújo, o engraxador residente do Via Catarina, que a troco de dois euros (a que eu acrescentei 35 cêntimos de gorja) me deixou os meus City Walker a brilhar e ainda mais macios.
Enquanto mastigava devagar, matutei nos equívocos gerados pelos atrasos na transmissão de mensagens nestes tempos em que o fantástico desenvolvimento tecnológico nos convenceu erradamente de que tudo é instantâneo, desde a transmissão de um email, até às imagens de um jogo de futebol, passando pela capacidade de todo o nosso corpo perceber que já não precisa de mais comida.
Por muito micro que sejam, há sempre atrasos, sendo que um dos mais clássicos - a velocidade de propagação da luz ser superior à do som - leva a que algumas pessoas nos parecem inteligentes até as ouvirmos.
Enquanto o sr. Araújo me engraxava os sapatos, saltei desta primeira conclusão para uma outra, inspirada por alguns momentos de reflexão sobre a mensagem de Ano Novo de Cavaco.
Era bom se optassem por ficar caladas todas as pessoas que têm dificuldades em comunicar e/ou não sabem muito bem o que hão-de dizer. E tomei logo ali a minha segunda decisão de Ano Novo: pensar duas vezes antes de abrir a boca. Para evitar correntes de ar.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias