Está na hora de Rui sair do armário
Todos navegamos pela vida com uma carga de manias. Não ser muito dado à poesia é uma das minhas manias. A Adília, o O'Neil e o Pina são as excepções. Custa-me a perceber por que é que numa altura destas, em que é urgente poupar, a generalidade dos poetas teima em desperdiçar papel e não aproveita as linhas até ao fim.
Para não prejudicar a imagem razoavelmente lisonjeira que tenho de mim próprio, atribuo este pecadilho ao défice excessivo de sensibilidade que ataca sobretudo nos homens - e tento convencer-me de que este desinteresse se deve ao facto do poeta ser um fingidor, a acreditar num dos nossos expoentes máximos na matéria.
Não conheço em pormenor as manias do presidente da Câmara do Porto, que ontem celebrou dez anos no cargo, mas já deu para perceber que ele tem uma aversão pelo risco que lhe está a prejudicar a carreira.
Como todos os políticos, Rui Rio tem uma costela de poeta. Finge que não quer sair do Porto, mas ambiciona regressar a Lisboa e sonha ter o retrato na escadaria principal da sede do PSD, na São Caetano à Lapa, decorada com as fotos dos 16 líderes que antecederam Passos Coelho.
Apesar de nem às paredes confessar esta ambição, já todos percebemos que Rui governa o Porto obcecado com duas coisas: dourar a imagem que o resto do país laranjinha tem dele e impedir que Menezes atravesse o rio e se instale no seu gabinete.
Tenho pena de que Rio seja apenas mais um dos políticos que encaram o Porto como um trampolim - um ponto de partida e não de chegada. Mas compreendo as suas ambições.
O que não compreendo é por que é que deixa a obsessão anti-Menezes toldar-lhe o discernimento e prejudicar-lhe a carreira. O que eu não compreendo é por que é que não se cura do medo de arriscar e assume uma candidatura à liderança do PSD, já no Congresso de Março.
O Rui tem tudo a ganhar se puser um dedo no ar e der um passo em frente. Depois de Cavaco, todos os barões que ousaram candidatar-se acabaram por ter direito a retrato na sede.
Em 95, Durão perdeu para Nogueira, mas quatro anos depois chegou à liderança em Coimbra, derrotando Santana Lopes e Marques Mendes.
Santana esperou quatro anos pela sua vez. Marques Mendes teve de ser mais paciente e aguardou cinco anos pelo Congresso de Barcelos, onde derrotou Menezes - que viria a conquistar o partido uma dúzia de anos após ter abandonado o Coliseu, de madrugada e a chorar, depois de ter acusado os barrosistas de serem "sulistas, elitistas e liberais".
Até chegar onde chegou, Passos teve de engolir a derrota com Ferreira Leite e a humilhação de ser riscado da lista de deputados. Na política, como na vida, é preciso ter a coragem de perder - e assim ganhar balanço para uma vitória. A história sopra um bom conselho ao ouvido de Rui: Está na hora de saíres do armário, de deixares de ser uma mera caixa de ressonância das críticas de Belém a Passos - e assumires uma candidatura à tua cadeira de sonho.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias