Para que serve o Presidente?
Sou um escritor, um desempregado de longa duração. Era assim, com esta frase caraterística do seu peculiar sentido de humor (adjetivado de "desmanchado" por Maria João Seixas), que Alface se via ao espelho.
Autor de um imperdível quinteto de curtas histórias juvenis, que me fazem escangalhar a rir logo a começar pelos títulos - "Um pai porreiro ganha muito dinheiro", "Uma mãe porreira é para a vida inteira", "Avó não pises o cocó", "Filhos assim dão cabo de mim" e "A prima fica em cima" - Alface atravessou a vida a desafiar as convenções e morreu em conformidade, aos 58 anos, de AVC, na Culturgest, a meio de uma leitura do livro "O fim das bichas".
Adoro o Alface, mas também gosto de Chopin, prodigioso pianista e compositor polaco que se perdeu de amores pela George Sand e acabou nacionalizado pelos franceses e sepultado no Père Lachaise.
Saber que Santana Lopes está disponível para deixar de andar por aí e que passou a incluir o anafado lote de presidenciáveis desencadeou na minha cabeça uma associação de ideias aos falecidos Alface e Chopin.
Em 1995, quando presidia ao Sporting, Santana foi à televisão queixar--se de que andava a ser ameaçado, presumivelmente pelos Super Dragões, e exibiu como prova uma carta anónima que recebera e que continha o aviso: Cuidado com os rapazes!
Veio a saber-se que "Cuidado com os rapazes" é o título de um livro de Alface e a carta anónima, com a frase ameaçadora, era tão-só um convite para a apresentação da obra.
Ex-secretário de Estado da Cultura de Cavaco, Santana não brilhou quando respondeu "os concertos para violino de Chopin" à pergunta sobre as obras do repertório erudito que mais lhe agradavam.
Entre as 264 peças que nos deixou o versátil polaco contam-se sonatas, noturnos, mazurcas, valsas, estudos, improvisos, polonesas, etc., mas, lamentavelmente, nenhum concerto para violino.
A proto-candidatura de Santana engrossa uma lista já bem composta de presidenciáveis (Marcelo, Durão, Guterres, Costa, Carvalho da Silva) apesar de estarmos a quatro anos do ato e de antes ainda termos autárquicas e legislativas.
Intriga-me este entusiasmo precoce, que contrasta vivamente com a maçada e desinteresse da última campanha presidencial e o facto de, em Portugal, o PR ter muitos votos mas poucos poderes. A queixa de Cavaco de que o que ganha não lhe dá para as despesas (e ele optou por receber a pensão, maior que o salário presidencial!) não afugentou a freguesia.
Como estou intrigado com este entusiasmo, deixo à vossa consideração duas perguntinhas apenas, uma retórica (a primeira) e outra nem tanto:
Para que serve o PR?
(Não vale responder: Para torrar 17 milhões de euros/ano, que é quanto custa manter a Presidência, cujos gastos subiram 31% nos cinco
anos do 1º mandato de Cavaco)
Por que raio continuamos nas meias tintas e não optamos por um regime parlamentarista, como o alemão, ou presidencial como o francês, e poupamos uma eleição e uma data de intrigas de baixo coturno?
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias