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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

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A lenda d'el rei D. Sebastião

 

A Lenda d’el Rei D. Sebastião, do Quarteto 1111, liderado por José Cid, foi a primeira e única canção portuguesa passada pelo mítico programa Em Órbita, do Rádio Clube Português, excepção prévia e solenemente fundamentada por Cândido Mota, num texto de 860 palavras (quase o dobro das que leva esta crónica).

A história do rei D.Sebastião é curta, porque ele morreu novo (24 anos), mas também longa, porque originou um substantivo (o sebastianismo). “A morte deu-lhe vida ilimitada”, resumiu o Padre António Vieira.

Feito rei em idade de ainda usar fraldas (aos três anos), D. Sebastião deixou-se entusiasmar pelas façanhas dos seus antepassados, cantadas por Luís Vaz de Camões que, nos Lusíadas, celebra O Desejado como “maravilha fatal da nossa idade/ dada por Deus, que todo o mande/para do Mundo a Deus dar parte grande”.

O rei moço levou a sério estes versos e para cumprir o seu destino de “dar a Deus parte grande do Mundo” desatou a contratar mercenários por toda a Europa, e a endividar-se junto dos cristãos novos, para ir ao norte de África conquistar Larache.

Alertado pela sua rede de espionagem dos preparativos da expedição e temente do poderio português, o sultão Mulei Maluco enviou emissários a Lisboa oferecendo Larache. D. Sebastião recusou. Não queria receber Larache, mas sim conquistá-la.

Com a expedição já no mar, o rei cometeu um novo erro fatal, ao desembarcar em Arzila e optar por atacar Larache por terra, em campo aberto.  O desastre de Alcácer Quibir não teria existido se tivesse mantido o plano inicial e atacasse Larache por mar, usando a poderosa armada de 500 embarcações. 

D. Sebastião já estava em Arzila quando declinou uma nova e tentadora proposta do sultão, que em troca da paz, lhe oferecia as praças de Larache, Tetuão e Santa Cruz do Cabo de Guer – e disponibilidade para o confirmar como Imperador de Marrocos.

No fim desta semana, em que tomou posse o 44º presidente dos Estados Unidos e se completaram 445 anos sobre a data de nascimento do 16º rei de Portugal, ocorreu-me que a trágica e breve vida de D.Sebastião encerra ensinamentos que podem ajudar  a desembrulharmo-nos desta crise “que só se vive uma vez na vida”.

A primeira lição, é que há um desfasamento temporal entre o declínio de um império e a percepção desse mesmo declínio. Em 1578, apesar de já estar em queda livre, o Império Português ainda era temido pelo sultão que estava disposto a pagar caro pela paz.

Se os EUA ainda fossem a potência capaz de liderar o turn around do Mundo, o Manchester United não andava na Índia à procura de um patrocinador que substitua a norte-americana AIG, que Bush nacionalizou para a salvar da falência.

A segunda lição é que a crença messiânica num salvador é um erro infantil neste mundo pós-americano, em que a hora é de partilhar decisões - e não de impô-las.

Num mundo em que a chave passou a ser saber ouvir, é insensato acreditar em soluções providenciais e, nestas manhãs de nevoeiro, ir para a praia esperar um novo D. Sebastião. Já não há milagres.

Jorge Fiel

www.lavandaria.blogs.sapo.pt

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

E que tal misturar Prozac na água da torneira?

Estou a ficar deprimido. Teria preferido que o choque frontal com a crise que só se vive uma vez na vida tivesse ocorrido quando eu era bebé de berço ou (quando muito) adolescente inconsciente - e não agora no dealbar do Outono da minha existência.

Toda esta retórica da crise já começa a cheirar mal. Pior até que a fábrica de Cacia da Portucel. E só nos puxa para baixo. A mim ninguém me tira que a culpa disto tudo é dos economistas.

Como diz a velha piada, quando o nosso vizinho perde o emprego, temos um abrandamento económico. Quando somos nós a perder o emprego, temos uma recessão. Mas quando um economista perde o dele, temos uma depressão.

Para vos ser franco não estou com pena nenhuma deles. Os economistas que não souberam prever a chegada desta crise, filha de graves falhas de ética e de expectativas infundadas, bem merecem perder o emprego deles.

Estou farto de andar pela rua a tropeçar em novos Velhos do Restelo, com braços e olhos em baixo, disfarçados de cassandras catastrofistas a preverem o naufrágio iminente nas águas traiçoeiras do Cabo das Tormentas. Precisamos tanto de mais discursos derrotistas como de uma dor de dentes.

Como dizia o Zeca Afonso, o que faz falta é animar a malta. O que faz falta são lideres que nos entusiasmem e convençam de que somos capazes de comer o Adamastor ao pequeno almoço e de transformar o Cabo das Tormentas no da Boa Esperança.

“Quando se avança contra o impossível, ele recua”, disse Paulo Teixeira Pinto. Precisamos de ouvir mais frases optimistas como estas – e de aprender com o apelo à acção e inconformismo lançado por Marx na 11ª tese sobre Feuerbach: “Até agora os filósofos encarregaram-se de interpretar o mundo. Trata-se agora de o transformar”.

Não adianta dramatizar mais. É preciso ser realista e objectivo, restaurar a confiança, ajudar pessoas e empresas a viver com a incerteza e saber conduzi-las um novo ciclo de prosperidade.

Há 50 anos, as empresas eram 70% de tangíveis e 30% de intangíveis. A proporção inverteu-se e por isso a psicologia e a motivação são mais importantes do que dinheiro.

Portugal precisa de uma injecção de adrenalina e quem tem de a dar é José Sócrates.

Se eu fosse o primeiro ministro, telefonava a Artur Jorge e perguntava-lhe o que é que ele disse ao jogadores no intervalo da final da Taça dos Campeões Europeus em Viena, quando o FC Porto perdia 1-0 com o Bayern de Munique. 

Se eu fosse o primeiro ministro, ia a Washington à posse de Obama e a aproveitava para perceber como é que ele conseguiu convencer os americanos que podiam vencer.

Se eu fosse o primeiro ministro falava verdade aos portugueses, dizia-lhes que é preciso trabalhar mais e melhor, mas se o fizermos a crise não passa de um tigre de papel.

Bom, se nada disto der resultado, Sócrates pode sempre recorrer ao plano B e misturar Prozac na água da torneira.

(arrisquei esta sugestão depois de saber que Richard Branson implementou o fun como um valor corporativo da Virgin e de ler que o psicólogo espanhol Eduardo Jauregui defende que o bom humor aumenta a produtividade).

Jorge Fiel

www.lavandaria.blogs.sapo.pt

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

O cágado em cima da árvore

 

Um velho provérbio umbundo avisa-nos que se virmos um cágado em cima de uma árvore é porque alguém o pôs lá.

A chave para a compreensão do Mundo está em complementar este pedaço de sabedoria milenar africana com o ensinamento do estupendo diálogo de “O Peso da Prova”, um thriller de Scott Turow:  “Sabes por que é que os cães lambem os tomates?... Porque podem!”.

Estas duas lições de vida vieram-me logo à cabeça quando a Via Verde me tomou de ponta e expulsou.

O caso conta-se rapidamente. Eu tenho dois carros (uma carrinha Fiat Marea cinzenta de 2001 e um Mini Clubman branco de 1974) ambos equipados com identificadores comprados à Via Verde e validados pelo mesmo cartão Multibanco do Santander.

O meu amigo Luís Mergulhão, um dos gurus da publicidade em Portugal, não usa a Via Verde, argumentando que o identificador deveria ser oferecido pelos concessionários, que são quem mais lucra com o sistema, pois poupam a despesa com portageiros.

O argumento é bom, mas o conforto de não ter de parar nas portagens (acrescentado da dispensa da busca a máquina de pagamento em muitos parques de estacionamento) pesou mais na minha balança e comprei os identificadores.

A nossa relação foi feliz até que, no mês passado, a Via Verde abriu as hostilidades, sem prévia declaração de guerra, sob a forma de um telefonema e duas cartas.

Senti-me como os americanos a seguir a Pearl Harbour. Pelo telefone, alegaram que o cartão Multibanco associado aos identificadores tinha deixado de funcionar. Eu respondi que ele está vivíssimo da Silva, funciona às mil maravilhas (apesar de preso com fita-cola) e está dentro da validade.

Não acreditaram em mim e vieram as cartas. Na primeira, a advogada Maria Antonieta Ribeiro ameaça sentar-me em tribunal, acusando-me de dever 2,15 euros à Via Verde. Na segunda, o director Carlos Tavares de Carvalho gasta duas páginas A4 a comunicar que está tudo acabado entre nós, fundamentando a ruptura no facto do meu cartão Multibanco estar “em situação de inibição” – o que, repito, não é verdade.

Pensei em retaliar, imitando as famílias que despejam cimento nos esgotos antes de abandonarem as casas de que foram desalojadas pelos bancos. Abandonei a ideia, porque o pior que posso fazer à Via Verde é não comprar mais identificadores.

Pensei em imitar o Paulo Branco, que se queixou à Autoridade da Concorrência da Zon estar a dar borlas para as salas da sua concorrente Lusomundo. Ainda não abandonei esta ideia, pois a Via Verde é monopolista e abusa da posição dominante – tal como as concessionárias das auto-estradas que nos obrigam a pagar a portagem por inteiro quando há longos troços em obras.

Decidi perguntar no meu banco se eles conseguem resolver o assunto. O Santander trata bem os clientes, porque sabe que eu se me sentir mal tratado posso mudar para outro banco. A Via Verde trata-me mal porque pode - sabe que a única alternativa que eu tenho é fazer fila para pagar a portagem. A Via Verde é um cágado que o Estado pôs em cima da árvore.

Jorge Fiel  

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Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

Lipstick jungle

 

O Índice do Baton é o um dos mais fiáveis barómetros financeiros para avaliar a intensidade de uma crise.  É muito mais sexy que as curvas do PSI 20, PIB, produção industrial e confiança dos consumidores que, enfeitiçadas pela força de gravidade, não cessam de mergulhar em direcção ao centro da Terra.

Este índice , baptizado pelo presidente da Estée Lauder, baseia-se na evidência estatística de que as vendas de cosméticos aumentam em razão proporcional à queda do poder de compra dos consumidores, e mede a percepção que a metade mais instintiva da humanidade (as mulheres) têm da profundidade da crise.

Em tempos de incerteza, por prudência ou absoluta falta de fundos, em vez de comprarem umas botas ou um vestido novo, as mulheres refugiam-se em artigos mais baratos, os cosméticos, que lhes permitem sentirem-se bonitas e atraentes.

Pintar as unhas e os lábios fica muito mais barato do que comprar um casaco Max Mara - e não deixa de produzir o seu efeito.

Nos meses a seguir ao 11 de Setembro de 2001, as vendas de cosméticos duplicaram. Foi a definitiva prova dos nove da fiabilidade do Índice Baton, que passou ser usado por jornais como o Financial Times, que acaba de agravar o pânico ao revelar que as vendas de cosméticos dispararam 40% nos últimos meses.

O Índice Baton encerra uma lição de importância fulcral: em momentos de crise temos de manter um bom aspecto exterior e aparentar que tudo nos corre às mil maravilhas.

Senão vejamos. Encontra, na rua, um amigo com um ar desmazelado. Pergunta-lhe pela vida e apanha na volta com um dramalhão: a mulher está a fazer quimio no IPO, o filho abandonou os estudos, a sogra mudou-se lá para casa, e, como se tudo isto não bastasse, ele ficou desempregado porque o sacana do chefe…  É fatal como o destino que nunca mais vai atender o telemóvel deste chato, com medo que lhe vá pedir dinheiro ou um emprego.

Como a generalidade das pessoas fogem da desgraça e miséria, faz todo o sentido camuflá-las. É neste sentido prático de sobrevivência que se baseia a infalibilidade do Índice do Baton.

Não acho, por isso, pertinentes as críticas ao cheque prenda de 2550 euros, para gastar na Fashion Clinic (representada pela Paula Amorim, a filha de Américo), que os membros do Governo ofereceram a Sócrates pelo Natal.

Nestes tempos de crise e incerteza, temos toda a vantagem em que o nosso primeiro ministro ande bem ataviado nos seus périplos por Caracas, Tripoli, Luanda e Bruxelas.

Sócrates faz bem em não poupar na cosmética - vestindo bons fatos, aligeirando com palavras optimistas a retórica da crise, abonecando os relatórios dos bancos e arejando as máquinas dos empreiteiros.

O problema é tudo isso é importante, mas não passa de cosmética, de aparências que não conseguem enganar o Indice Baton.

Para a economia portuguesa ultrapassar a crise, é vital diminuirmos o alarmante défice das transacções correntes. E para isso, temos de seguir o conselho sábio de Daniel Bessa: “Precisamos como de pão para a boca de pôr dinheiro em coisas que exportem”.

Jorge Fiel

 

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