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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Ana Albuquerque

Foto Luís Pereira 

 

Quando era miúda e estava na praia da Luz com os pais, mal dava por turistas italianos, ia logo pôr a toalha ao pé deles, só para os ouvir falar. Este fascínio antigo pelo italiano só pode ter influenciado o entusiasmo que o movimento Slow Cities (ou melhor, CittaSlow) lhe despertou, ao ponto de, em 2003, ter metido os ombros à empresa de o trazer para cá.

“Hoje não se vive – corre-se. Não podemos deixar que a globalização nos uniformize e transforme em autómatos”, declara Ana Albuquerque, uma jurista de 45 anos que trabalha em S. Brás de Alportel, uma das quatro cidades portuguesas, todas algarvias (as outras são Lagos, Tavira e Silves), certificadas pelo movimento.

Preservar e melhorar as cidades onde se pode levar uma vida tranquila é, em síntese, o programa do movimento, nascido em 1999, em Orvieto (Itália), na esteira do imenso sucesso do Slow Food, o seu irmão, dez anos mais velho.

Mais de 70 pequenas cidades (está vedada a entrada a capitais e a cidades com mais de 50 mil habitantes), no seu essencial europeias (mas também as há da Austrália e Coreia do Sul), integram este movimento, após a sua candidatura ter sido passado a pente fino pelos inspectores do Citta Slow, que a analisam à luz de 55 critérios, onde constam hospitalidade, política ambiental, história e a preocupação em não deixar morrer as tradições locais.

Ana não é algarvia. Aliás não é fácil dizer de onde ela, pois nasceu em Coimbra, filha de uma açoriana, mas aos quatro meses mudou-se para Lourenço Marques, onde o pai, professor de Química, foi dar aulas. Aos seis entrou para a primária em Londres, onde o pai fazia o doutoramento. E aos dez, por obra e graça do 25 de Abril, estava de volta a Coimbra, onde se licenciou em Direito e casou com um agente imobiliário que crescera em Angola. Aos 28 anos foram para o Algarve em busca de um clima mais próximo do africano.

Agora, ao fim de 17 anos no Algarve, está a pensar trocar S. Brás de Alportel pelo Porto, por causa da sua filha. Leonor, 11 anos, é futebolista na Sociedade 1º Janeiro, mas deu nas vistas (não só no futebol mas também no atletismo, pois ganhou a Milha do Dragão) no campo de treinos do FC Porto, ao ponto de receber convites para se mudar para o Norte – hipótese que agrada à mãe, uma portista ferrenha, que está a reactivar a Casa do FC Porto do Sotavento e dá os primeiros passos como empresária, lançando colecções de vestuário feminino e puericultura (0-4 anos) licenciadas pelos três grandes.

Escolheu almoçarmos no António, em cima da praia de Porto de Mós (Lagos). Aceitamos a sugestão de ementa do empregado e ela escolheu a bebida. “Da última vez que estiveram cá os italianos, no final de um jantar na Meia Praia regado a sangria de espumante, eu já era fluente em italiano”, gracejou.

Como o Slow Cities usa o caracol como símbolo, não é de espantar que o almoço tenha demorado três horas. A salada de camarão foi servida na sala, mas entretanto vagou uma mesa na esplanada, onde comemos a corvina.

“Ser Slow City ajuda a captar turistas. Mas o objectivo é a qualidade de vida dos residentes – não é uma cidade onde seja óptimo fazer férias e tirar fotografias bonitas, mas péssima para viver”, explica.

O princípio é ser movimento de base, em que as ideias e soluções partam das comunidades. “Temos de acabar com a mentalidade do ‘isso não é connosco, é com o Estado’. O Estado somos nós!”, diz, antes de desfiar um catálogo de coisas estão a ser feitas.

Dá o exemplo da cidade italiana que tornou os horários dos serviços públicos mais amigáveis para os cidadãos que trabalham, abrindo-os aos sábados de manhã. Da que acabou com a poluição visual das antenas de televisão. E da outra que aplica uma taxa aos munícipes que produzam mais lixo que o permitido.

Fala de coisas grandes, como restaurar os centros históricos e vedá-los ao trânsito automóvel, mas também de coisas pequenas, como acabar com a poluição sonora dos sistemas de alarme ruidosos. E conta, com orgulho, que no próximo ano lectivo, as ementas das escolas de S. Brás de Alportel vão incluir, duas vezes por semana, pratos algarvios.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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O António

Praia de Porto de Mós, Lagos

Salada de camarão … 24,00 euros

0,6 kg corvina … 19,14

Sangria Murganheira 24,50

2 cafés .. 1,90

Total … 69,54 euros 

 

Passei a ver o Cavaco a preto e branco

Desatei a ler e reler romances do Maigret. O pretexto foram cinco dias em Paris, onde fiquei no Ibis Bastille, junto ao boulevard Richard Lenoir, onde o comissário habita, nos policiais de Simenon, o belga a quem os biógrafos creditam ter escrito mais de 400 livros e dormido com mais de dez mil mulheres (a primeira estatística é bem mais verificável que a segunda).

Fascina-me a maneira como o comissário resolve os mistérios usando o instinto e o conhecimento psicológico das pessoas envolvidas na intriga, e das relações entre elas - ao contrário dos seus sucessores que apanham o culpado porque o laboratório identificou o ADN de um pêlo inadvertidamente deixado no local do crime.

No mundo de Simenon, que era a cores mas nós imaginamos sempre a preto e branco, toda a gente usa chapéu, Maigret bebe vários copos de branco antes do meio dia, abusa do Calvados e fuma cachimbo no autocarro, e nem toda a gente se pode dar ao luxo de ter em casa um telefone que está agarrado à parede por um fio. O emprego e o casamento eram ambos para vida, neste mundo a que sou transportado todos os dias por um livro da colecção Vampiro.

A invenção da pílula, os fabulosos Anos 60, o Maio francês, a Internet e os telemóveis sepultaram este mundo de Simenon num lugar tão distante, em anos e valores, como a Idade Média, o que é enganador porque eu ainda me lembro de dar corda ao relógio, de haver escarradores nos cafés e barbeiros – e da festa que foi lá em casa quando o meu pai comprou pela primeira vez um televisor para vermos os jogos do Mundial de 66.

 O mundo está a mudar a uma tal velocidade, que o US Labor Department calcula que os estudantes actuais vão ter entre dez a 14 empregos diferentes antes de fazerem 38 anos.

Foi neste mundo em desvairada mudança, em que 15% das pessoas que casaram o ano passado nos EUA se conheceram na Net, que Cavaco vetou a lei das Uniões de Facto, por considerar “inoportuno” fazer alterações de fundo no final da legislatura.

JP Morgan, o fundador do banco homónimo, dizia que um homem tem sempre dois motivos para fazer o que faz – um bom motivo e o verdadeiro motivo.

Dar uma ajuda à sua amiga Manuela, ao acentuar a guerrilha com o Governo, é o bom motivo do veto. Mas o verdadeiro motivo é que Cavaco ultrapassou o prazo de validade, o que até se compreende, pois quando ele deixou de ser primeiro ministro ainda íamos a um dicionário ou à enciclopédia esclarecer as 31 biliões de dúvidas mensais que hoje são resolvidas pelo Google.

Cavaco não é do tempo das SMS e iPods, mas sim um bocado do mundo de Simenon que sobreviveu até à era do Facebook. Por isso, não estranho que agora, quando olho para ele, o vejo a preto e branco.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

Apolónia Rodrigues

Foto António Pedro Valente

A lenda de Endovélico e o santuário com a pedra onde se faziam os sacrifícios a este deus pagão, representado com cara de javali, são uma das contribuições de Terena para o programa da semana de visita a três aldeias das Terras do Grande Lago, um dos produtos que estão a ser desenhados pela Rede de Turismo de Aldeia do Alentejo, presidida e inventada por Apolónia Rodrigues.

Durante essa semana no Alqueva  (o maior lago artificial da Europa, com uma linha de margem equivalente à costa portuguesa), o turista vagabundeará entre as aldeias de Terena, Juromenha e Telheiro, dormindo em casas de turismo rural e alimentando barriga e espírito com gastronomia e tradições locais. Poderá, ainda, andar a cavalo, frequentar work-shops de ervas aromáticas, iniciar-se nos mistérios dos monumentos megalíticos, ouvir os pássaros, ver as estrelas e dar passeios de barco ao luar.

“Não estamos a fazer mais do mesmo, mas a criar elementos diferenciadores. A nossa oferta está nos antípodas do sol/praia/discotecas e dirige-se aos culture criatives, gente com 35 a 45 anos e grande poder de compra, que procura a Natureza e quer uma oferta de serviços de alta qualidade em destinos não poluídos”, explica Apolónia, 36 anos. licenciada em Gestão e Planeamento de Turismo pela Universidade de Aveiro.

As palavras parece que têm pressa em sair da boca desta nortenha, que há onze anos se mudou para o Alentejo (mora em Borba e trabalha em Évora) e de cuja cabeça saiu este projecto coqueluche – ganhou o Prémio Ulisses, da Organização Mundial de Turismo, e é case study para a OCDE, como exemplo de turismo cultural, e para o Ministério da Agricultura, como exemplo de turismo rural  - e lhe valeu a eleição para a Comissão Executiva da rede do programa Eureka Tourism.

O prolongamento inesperado da sua estadia na Palestina, onde esteve a convite da Autoridade Palestiniana, interessada em importar o conceito de turismo de aldeia e sustentabilidade que ela criou, levou ao adiamento do nosso almoço por uma semana.

Apolónia escolheu o Dom Joaquim, restaurante que não podia estar mais na moda, pois a nossa conversa está foi sobressaltada pelo bruá da chegada de Sócrates e comitiva, que na 3ª feira desceram ao Alentejo no âmbito do programa de requalificação dos edifícios escolares.

Preferiu água (“hoje à tarde vou ter de guiar”, disse) para acompanhar o bacalhau à lagareiro, mas disponibilizou-se para escolher a marca do copo de vinho tinto que bebi. À sobremesa, hesitou antes de encomendar o doce de abóbora - temia que ele estivesse muito doce, mas o receio acabou por revelar-se infundado. Não bebeu café, o que se compreende, pois é daquelas pessoas que parecem possuídas por bichinhos carpinteiros.

Aproveitar o turismo para evitar a morte das aldeias e desenvolvê-las é a base deste projecto, que reúne 15 aldeias alentejanas e foi a barriga da gestação da rede europeia com o mesmo espírito (de que ela é também é fundadora e presidente, que agrupa 50 aldeias romenas, italianas, polacas e finlandeses, sob a marca Genuineland - a que acabam de aderir a Toscânia, Piemonte, um região grega e outra eslovena.

“Nós temos o know how e dominamos o conceito. Cada aldeia é um mini-destino a desenvolver. O essencial é a sustentabilidade – cultural, social, ambiental e económica. Não se pode cometer o erro de arranjar as pedras e esquecer as pessoas”, afirma Apolónia. 

Logo que manifesta interesse em aderir à rede, a aldeia é submetida a uma espécie de TAC, que permite fazer o diagnóstico, identificando lacunas e  pontos a valorizar (tradições, espiritualidade, paisagem, história, edificado, etc). Se não há restaurante ou alojamento, a rede encarrega-se de arranjar investidores..

“O turista é cada vez mais exigente. O território e a paisagem que vendemos têm de estar preservados, não podem ter lixo e devem estar habitados por comunidades felizes e com qualidade de vida”, remata Apolónia, que tanto se preocupa com as férias dos outros que acaba por não ter tempo para ela própria ir de férias.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

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Dom Joaquim

Rua dos Penedos 6, Évora

Cesto de pão … 1,60 euros

Torresmos rissol … 3,20

Azeitonas … 1,00

Bacalhau à lagareiro …12,50

Polvo assado … 12,50

2 águas 0,75l … 3,00

1 copo tinto Herdade Sobreira … 4,50

1 doce de abóbora … 3,20

1 café 0,90

Total … 44,40 euros

E se chove? O que é vamos fazer se chover?

Nunca fui às Caraíbas, mas creio não mentir se vos disser que nos últimos dias o Zavial até parece as Caraíbas – sem ponta de vento e com a água do mar claramente acima dos 20º.  Um paraíso!

 

O Zavial é a praia onde tenho o hábito de passar 15 dias de férias. Na minha contabilidade, os tradicionais contras da costa vicentina (água fria e vento) são superados por estar numa casa a 200 metros da praia, num percurso perfumado pelas figueiras -  e todas as noites perceber o porquê da expressão Via Láctea.

 

Não haver urbanizações à vista do alpendre onde leio, converso, como e jogo king, tendo como banda sonora o coaxar dos sapos, o zurrar dos burros e o cri-cri dos grilos, ajuda a suportar que a Natureza também nos tenha dado moscas, melgas e mosquitos.

 

Esta doce vida foi perturbada pela notícia de que hoje pode chover. Um drama, porque tudo o que de bom o Algarve tem desaparece com a chuva, que até os golfistas afecta.

 

Há três anos, andei dez dias em reportagem a apurar qual dos dois lados do Guadiana era o melhor destino de férias. Na qualidade das praias, o Algarve derrota a Costa del Sol por KO, logo ao primeiro assalto. Mas no resto, os espanhóis ganham-nos aos pontos, a começar pelo preço e acabar na qualidade de serviço, passando por aquilo que acho essencial: o que fazer quando chove.

 

Na Costa del Sol, os pontos de interesses cultural e histórico multiplicam-se como cogumelos depois de chuva. Há Gibraltar, um pedaço de Inglaterra, enxertado no sul de Espanha, com o atractivo suplementar dos macacos que habitam no topo do Rochedo. Há Ronda, a uns 50 km do litoral, uma pequena jóia com a sua ponte Nueva, que une as duas partes da cidade separadas por uma fantástica garganta. Há Málaga e o seu Museu Picasso, com 200 obras do mais importante artista plástico do século XX.

 

Do lado de cá do Guadiana, a programação Allgarve, os Abba Gold em Vilamoura e os veleiros da Audi Cup ao largo de Portimão, sabem a pouco. No Algarve, quando chove ficamos todos a olhar uns para os outros sem saber o que fazer, senão ir entupir a 125 e desesperar a procurar estacionamento junto a um centro comercial.

 

Ora isso é mau porque o turismo é um sector vital da nossa economia, que vale  11% do PIB e 10% do emprego  - e só o Algarve representa 1/3 destas receitas.

 

Por isso, das duas uma. Ou equipamos muito rapidamente o Algarve de uma oferta permanente de pontos de interesse histórico e cultural. Ou então teremos de garantir aos turistas a cobertura do risco de aguaceiros - como a Lufthansa que se comprometeu a pagar 20 euros/ dia em que chova nos destinos que vende com o atractivo de serem solarengos.

 

Jorge Fiel

 

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

Joana Pascoal

 

Joana é daquelas mulheres tesas, grandes e duras, que nunca desarmam e têm sempre pronta, na ponta da língua, a resposta para tudo.

Confrontada com o aviso do bastonário para que os jovens fujam dos cursos de Direito, porque o mercado está encharcado de advogados (há 27 mil), a presidente da ANJAP (Associação Nacional dos Jovens Advogados Portugueses) responde: “Enquanto houver trabalho de advogado a ser feito por contabilistas, mediadores imobiliários e agentes funerários não há advogados a mais”.

Marinho Pinto escorou as duras críticas ao aumento das vagas nos cursos de Direito (de 1 190, em 2008, para 1 230, em 2009) nas estatísticas: em Portugal há um advogado por cada 350 habitantes, enquanto na França há um por 1 800, na Áustria um por 4 200 e na Finlândia um por 6 000.

“Numa sociedade ideal toda a gente devia ser licenciada em Direito para saber os seus direitos”, responde, com aquela cara fechada dos jogadores de poker, acrescentando que as saídas para os licenciados em Direito não se esgotam na advocacia: “Há notários, juízes, Ministério Público…”

Joana Pascoal, 31 anos, é de Sintra mas licenciou-se em Coimbra. Filha de um empresário da construção civil, a sua primeira ideia era ser diplomata, mas desistiu pois quando chegou a altura de concorrer já estava apaixonada pela advocacia.

Agora tem um escritório, que sobrevive com base num punhado de avenças. Pelo sim, pelo não, para alargar o leque de opções ao seu dispor, está a fazer uma pós graduação em Gestão na Católica.

Não faz Penal mas vai à barra. O seu primeiro caso foi complicado – um processo de interdição envolvendo pai e filho. Começou no Centro de Meios Alternativos, o que a deixou fã das soluções arbitrais e da conciliação.

“Sou totalmente a favor dos meios alternativos. Não só ajudam a desentupir os tribunais, como ainda por cima são mais baratos. A justiça é muito cara e quem sofre com isso é a classe média. O ideal é que fosse gratuita, tal como o ensino”, preconiza.

Escolheu experimentarmos o conceito de cozinha sofisticada low cost inventado por José Avillez (o chef do Tavares) e corporizado no JA à Mesa, um restaurante recém inaugurado num pequeno e simpático pátio escondido, em Santos.

Como no dia seguinte ia ser madrinha do casamento, em Águeda, de uma antigo colega de curso, dispensou a sobremesa e acompanhou o frango thai com água do Luso.

Ajudar a inserir na profissão os jovens advogados, é a missão da ANJAP, fundada em 2001 e que reúne 2 700 jovens advogados (conceito móvel que abrange todos os que têm dez ou menos anos de prática), mas “a miséria é tanta” que apenas entre 20% ou 30% pagam regularmente as quotas, cujo montante não é exorbitante -  25 euros/ano para os advogados, 15 euros para os estagiários.

As relações com a Ordem são conflituosas. Pouco tempo depois dela ter tomado posse, há ano e meio, o bastonário cortou relações com a associação, após esta ter requerido ao Ministério Público a verificação da legalidade do regulamento que afasta os estagiários das defesas oficiosas.

Estágios e estagiários são o grande ponto de fricção. “Sou a favor de um exame exigente de admissão à Ordem. Mas quando se exige dez anos de prática para se poder ser patrono e se quer limitar o número de estagiários por patrono está-se, efectivamente, a introduzir numerus clausus de uma forma encapotada. O ingresso deve ser feito por mérito, mas não pode ser vedado o acesso a uma profissão liberal”, afirma.

Joana não perdoa ainda ao bastonário a ausência de apoio na cruzada legal para estabelecer a existência de vínculo na relação laboral entre as grandes sociedades de advogados e os jovens advogados com contrato de prestação de serviços.

“As nossas críticas ao bastonário não têm a ver com o seu estilo, mas com o conteúdo das suas posições”, esclarece Joana, que se declara insatisfeita com a morosidade da justiça (“gostava de saber porque é que demora tanto tempo”), a falta de transparência, o excesso de corporativismo, e o facto dela não estar organizada em função dos interesses dos cidadãos.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no DN

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JA à Mesa

Largo Moreira Rato 14, Santos, Lisboa

Frango thai

Bacalhau à biscainha

Àgua do Luso

Cola light

2 cafés

Total … 17,00 euros

Usar a Sainte-Chapelle para elogiar a vigarice

O pessoal quando vai a Paris não falha a Torre Eiffel, espreita a Notre Dâme e o Beaubourg, não dispensa o passeiozinho de bateau mouche, tira uma fotografia junto ao Arco do Triunfo, desce os Champs Elysées a assobiar a canção homónima do Joe Dassin, vagabundeia pelo Marais, inveja as montras da rue de la Paix, opina sobre as pirâmides do Louvre – e até pode arriscar um raide à ala Denon para ver a Mona Lisa e a Virgem dos Rochedos, redouradas com novo banho de popularidade por Dan Brown.

Faz isto tudo e faz lindamente, sendo mesmo de aplaudir os estóicos que não se importam de pagar duas horas e meia na bicha e oito euros para admirarem no Museu de Orsay a mais rica colecção de pintura impressionista e expressionista do Mundo.

Fazem bem em devorar tudo isto, mais o Quartier Latin, o Sacré Coeur, a Concórdia... Mas fazem mal em não reservarem uma hora para se deixarem encantar pela irresistível beleza dos vitrais da Sainte-Chapelle.

Se nós deixarmos, a luz transparente e colorida coada para o interior da capela, o seu céu estrelado, transportam-nos para sensações irreais, próximas das obtidas numa coffee shop de Amesterdão.

Apesar de não ser masoquista, custou-me que a meio da manhã de domingo, em Agosto, numa Paris habitada por mais turistas do que indígenas, tenha entrado na Sainte Chapelle dois minutos após lá ter chegado. Praticamente não havia bicha.

A Sainte Chapelle foi mandada fazer por Luís IX para servir de relicário à suposta coroa de espinhos de Jesus, comprada ao imperador de Constantinopla pela exorbitância de 135 mil libras - mais do triplo das 40 mil libras que custou a construção da capela.

Como é bom de ver, o rei beato foi enganado. A coroa era falsa. Mas se não fora a vigarice do Beduíno II, não existiria a Sainte- Chapelle.

Balzac dizia que por de trás de cada fortuna há um crime. Eu acrescento que por de trás de cada maravilha pode existir uma vigarice.

Não consegui apurar se há vigarice por detrás do Quai de Branly, o mais branché dos museus parisienses. Desconfio dos métodos usados pelos franceses para reunir a fabulosa colecção de 300 mil estátuas, roupas, máscaras, jóias, instrumentos musicais, etc, da Oceania, Ásia, África e Américas. Mas se não fosse a pilhagem, esta memória poderia ter desaparecido.

A propósito, e como contributo para a minha campanha contra a frase-fado “Isto só cá em Portugal!”, aproveito este elogio velado da vigarice para vos  informar que a Sainte-Chapelle demorou seis anos a ser construída, no século XIII, e que a edificação do Quai de Branly demorou quase o dobro (onze anos) e importou em 250 milhões de euros.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

João Espregueira Mendes

Amanhã é dia de operar. Na sua rotina, 2ª e 4ª estão reservadas para intervenções cirúrgicas, 15 por dia, no Hospital de Stª Maria (Porto), um programa que começa às 8h30 e acaba quando acabar, normalmente por volta das 22 horas.

Mas para amanhã, estão marcadas duas operações que nada têm de rotina, pois será a primeira vez que em Portugal se vão fazer transplantes de meniscos de cadáveres para seres vivos.

O cirurgião será João Espregueira Mendes, 49 anos (mas aparenta menos), internato feito com 20 valores, o mais jovem doutorado em Ortopedia e o terceiro de uma ínclita geração de ortopedistas com este nome, iniciada pelo avô e continuada pelo pai.

Aproveitou as férias escolares, para almoçarmos a uma 5ª, dia cativado para dar aulas nas universidades do Minho e Porto. Às 4ª, dá 65 consultas e joga ténis. As 6ª são multiusos.

Escolheu o Líder, nas Antas, próximo do Estádio do Dragão, onde está instalada a Clínica de Saúde Atlântica, de que é accionista. Pediu a açorda de marisco e fez uma refeição frugal (não repetiu, nem tocou nos fritos do couvert) acompanhada a água.

Além de portista, é um dos maiores especialistas mundiais em cirurgia do joelho, com duas invenções no curriculum - um procedimento cirúrgico e um aparelho -, o que só pode ter pesado na sua eleição para presidente da European Society of Knee Surgery, Sports Trauma and Arthroscopy.

O novo aparelho (Porto Knee Test Device) serve para medir o grau de lassidão das roturas de ligamentos durante o TAC. O procedimento cirúrgico (GUT) consiste em enxertar na articulação do joelho uma cartilagem retirada da cabeça do perónio. Ele já fez 52 intervenções deste tipo e está convencido que poderia resolver o caso de Mantorras.

Dantes, os problemas no menisco eram resolvidos com a sua remoção. Quando se descobriu que isso provocava artroses, num prazo de 20 anos, começaram a ensaiar-se técnicas alternativas, de reparação e transplante.

“As lesões nas cartilagens custam mais dinheiro aos sistemas de saúde do que os enfartes e cancros. As operações mais praticadas no mundo são as próteses de anca e de joelho”, afirma.

O brutal crescimento de problemas com os ligamentos é filho directo das pessoas viverem mais tempo e praticarem mais desporto, sem grandes cuidados prévios – compram um par de sapatilhas e desatam a correr.

Espregueira acha que “não cabe da cabeça de um tinhoso” não haver em Portugal um instituto público de Traumatologia Desportiva, onde os cidadãos possam fazer uma avaliação médico-desportiva antes de se meterem em cavalarias. “Um tipo chega aos 40 anos, vê a barriga a crescer, inscreve-se num health club, sem ter de apresentar atestado médico, e faz exercícios, sem saber se o coração aguenta”.

A sua visão critica alarga-se à inexistência de prevenção, que tão bons resultados tem dado noutros países, como os Estados Unidos, onde a moda das adolescentes jogarem futebol provocou uma onda de lesões graves, pois as mulheres têm seis vezes mais risco de fazerem rupturas de ligamentos.

A pedido das autoridades norte-americanas,  Espregueira ajudou a desenhar uma campanha de prevenção que em dois anos reduziu a metade (de 30 mil/ano para 15 mil) as intervenções cirúrgicas.

A campanha baseou-se na divulgação de um DVD que exemplifica exercícios simples de aquecimento (como saltar ao pé coxinho ou correr às arrecuas) a fazer duas vezes por semana e que preparam o cérebro para reagir um milésimo de segundo antes ao movimento da perna.

A mentalidade “a galinha da vizinha é mais bonita do que a minha” também é asperamente criticada. “Teimem em mandar atletas serem tratados lá fora, quando temos dos melhores especialistas mundiais nesta matéria. Tão bons que somos procurados por atletas estrangeiros”, concluiu Espregueira Mendes que amanhã vai transplantar meniscos de cadáver, oriundos de um banco internacional de órgãos, mas que, no nosso país, só pode treinar nos escassos mortos portugueses fornecidos pelo Instituto de Medicina Legal, porque a lei não permite a importação de cadáveres para ensino e prática de cirurgia.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Noticias

 

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Lider

Alameda Eça de Queiroz, 126

Couvert …4,00 euros

Açorda de marisco … 32,50

1 litro de água… 2,50

2 cafés …2,00

Total … 41,00 euros

Queremos mentiras novas!

Dantes, sempre que não conseguia escapar a um casamento ou funeral, ficava enrascado na hora de apresentar cumprimentos. Desejar felicidades ou entregar condolências sempre me pareceu um estereotipo frio – e eu sentia que tinha que dar mais. Se estava metido naquela encrenca era porque laços afectivos me ligavam aos noivos, morto, ou seus familiares.

Cheguei a ensaiar, sem sucesso, fórmulas prefabricadas para pronunciar nesse momento, que só deixou de ser, para mim, um doloroso transe quando fiz a sensacional descoberta de que afinal não é preciso dizer nada. A táctica consiste em deixar-nos ficar para o fim da fila e, chegada a nossa vez, actuar de uma das maneiras que passo a pormenorizar.

No casório, há que afivelar o ar mais feliz do Mundo, olhar, olhos nos olhos, a noiva e o noivo, e abraçá-los enquanto lhes murmuramos aos ouvidos uma frase estúpida, do estilo “Vais ver que o Ramires não vale a ponta de um corno” - dita de forma ininteligível.

No velório, há que compor um ar sombrio, baixar o olhar e aplicar um abraço, breve mas apertado, enquanto se murmura ao ouvido dos familiares do falecido uma frase a despropósito, do estilo “O barco para o Seixal apanha-se no Cais do Sodré” - pronunciada de forma arrastada.

O método está testado e é 100%  eficaz. Naquela situação, as pessoas ouvem o que querem ouvir e traduzirão as frases despropositadas por outras, adequadas à circunstância.

Pode ficar tranquilo. Não passará pela cabeça de ninguém que está a aproveitar aquele momento solene para expressar a sua opinião sobre o mais caro reforço do Benfica ou prestar informações sobre os transportes fluviais no Tejo.

Ora o que é válido para casamentos e funerais também se aplica aos programas eleitorais dos partidos. Sem tirar, nem pôr.

Manuela Ferreira Leite tem toda a razão quando diz que os programas são uma inutilidade, porque quase ninguém os lê (diz ela) – e ninguém no seu perfeito juízo acredita no que lá vem escrito (digo eu). O pessoal dana-se é por saber as maroteiras que ela faz na confecção das listas.

Eu até estou disposto a acreditar que os políticos estão a ser sinceros quando fazem as promessas. Que Durão não mentiu de propósito quando jurou não aumentar os impostos . Que Sócrates acreditava que ia mesmo lançar a Ota e o TGV.

O problema não é o que eles dizem, mas sim o que os eleitores querem ouvir – e isso depende mais da credibilidade de quem diz do que das palavras que lhe saem da boca.

O problema é que vai haver drama se os políticos não escutarem o que um eleitor exigente escreveu num muro do Campo Alegre (Porto). “Queremos mentiras novas!”. E boas, já agora – acrescento eu.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

José António Rousseau

O ano passado venderam-se em Portugal 2 170 462 computadores, três aparelhos de telex e duas máquinas de escrever. Quem sabe todos estes números, de ciência certa, não é o INE mas a sim a Associação Nacional de Registo dos Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (ANREEE).

Esta associação, de acrónimo impronunciável (dificuldade que o pessoal da rádio contorna, de forma hábil, chamando-a ANR3Es: aeneérretrêsés), foi criada para fazer cumprir a directiva comunitária que torna obrigatória a recolha e tratamento de tudo (lâmpadas incluídas) que esteja ligado à corrente ou funcione a pilhas, o que engloba praticamente todos os objectos que nos facilitam a vida, como iPods, máquinas de lavar louça, aparelhagens sonoras, micro-ondas e fogões, máquinas fotográficas e por aí adiante.

O Big Brother que regista tudo quanto é ventoinha ou varinha mágica  vendida no nosso país é José António Rousseau que. além do apelido, também tem o nariz e a testa de Jean Jacques, pelo que é provável que seja seu descendente - o inventor da teoria do Bom Selvagem tinha um irmão que veio para Portugal, fugido da Revolução Francesa, e se casou com uma moça de Viseu.

Rousseau foi advogado e uma espécie de jornalista (fundou e dirigiu a Distribuição Hoje) antes de passar três anos pela Sonae, onde, entre outras coisas, foi responsável pela abertura do Cascais Shopping.

Além de presidir à ANREEE, é também secretário geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição, o poderoso lóbi que agrupa 101 empresas, com vendas anuais de 14 mil milhões de euros (8,3% do PIB) e que representam 25 mil lojas e 87 500 trabalhadores.

O dia dele deve ter mais de 24 horas, pois além de gerir estas associações, está a escrever três romances a mesmo tempo, é um estudioso da obra de Pessoa (sobre quem escreve ensaios), dá aulas de Marketing da Distribuição no ISEG e IADE, publica regularmente obras técnicas e manteve o ar mais calmo do mundo durante as mais de duas horas que durou o nosso almoço no Luca.

Abriu com uma flute de espumante e após um rápida vista de olhos à lista escolheu os ravioli de camarão tigre, acompanhados por um Chardonnay da Quinta de Cidrô e sepultados por um Scropini (gelado de limão com vodka).

Rousseau está satisfeito com o estado das coisas no seu sector, onde, ao contrário do que acontece nas embalagens, há concorrência entre duas entidades certificadas para a recolha e tratamentos dos equipamentos.

“Atingimos antes do prazo a meta dos 4 kg per capita/ano de material recolhido”, revela. O sistema funciona de uma forma simples. Quando põe em nossa casa uma máquina de lavar roupa, a loja que a vendeu é obrigada a recolher a velha, e a enviá-la para reciclagem.

Escapam a esta malha os equipamentos mais pequenos, como torradeiras, que normalmente são atirados para o lixo comum – mas mesmo aí são separadas e recolhidas para serem decompostas.

O custo da operação é suportado pelos produtores, que o repercutem no preço de venda ao consumidor – uma quantia que pode oscilar entre os 50 cêntimos, no caso de um telemóvel, e os três euros, num frigorífico de grandes dimensões.

O programa de acção de Rousseau contempla aumentar a rede de recolha (já há pontos em todos os centros comerciais mas ele que os super e hiper também tenham) e trazer para dentro do sistema as mil pequenas empresas , valem cerca de 20% das quantidades vendidas no nosso país e ainda estão fora do sistema.

Ter uma base de dados, permite à ANREEE detectar as tendências de consumo, que estão em linha com o que sucede no resto da Europa – nos televisores por exemplo, vendem-se mais LCD do que plasmas.

“Esta crise não se está a fazer sentir nos electrodomésticos e electrónica de consumo. Há dois anos que se vem verificando um ligeiro mais continuado decréscimo nas vendas, porque o mercado está maduro e as famílias já estão equipadas. Em muitos lares há quatro a cinco televisões. Agora, a pessoas compram para retocar­ ou substituir o que se avaria”, concluiu Rousseau, que também escreve poesia e anda intrigado por em 2008 não ter sido declarada a venda de nenhuma slot machine.

Jorge Fiel

Esta matéria foi publicada hoje no Diário de Notícias

 

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Luca

Rua Santa Marta 35, Lisboa

1 Couvert …1,40 euros

1 flute Prosecco … 6,50

1 Lombo de atum… 12,30

1 Ravioli de camarão … 15,90

1 Quinta Cidrô Chardonnay … 16,00

1 Scropini … 4,00

2 Cafés …1,80

Total … 57,90 euros

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