José Nuno Amaro, 40 anos, sabe que o verdadeiro obstáculo na vida não é a falta de dinheiro, mas de ideias. Por isso, a sua empresa chama-se IdeiaBiba. Caminhou 1,75 km em cima de água, pôs os universitários do Minho a andar de bicicleta e proporcionou a sensação de estar na Lua a 160 mil crianças. Titular da baliza do Recreio de Águeda aos 17 anos, passou pelo Freamunde, Gil Vicente, Braga e Chaves até que, aos 27 anos uma saída em falso a um cruzamento da vida lhe arrumou com a carreira, quando tinha à espera um contrato milionário com o Las Palmas. Habituado, como guarda redes, a viver no balanço entre a ansiedade e a agonia, recomeçou de novo, a vender bilhetes num cinema em Rio Maior. “O passado faz parte do museu”, diz este empresário que ganha a vida a vender emoções
Zé Nuno Amaro rechaçou com os punhos a angústia do guarda-redes face ao final prematuro de uma carreira que podia ter sido ainda mais bonita se não fossem os azares em que às vezes a vida é fértil.
Vendeu bilhetes no cinema de Rio Maior que geriu com a primeira mulher, após ter pendurado as luvas com 27 anos. Para entrar no Guinness, caminhou 1 750 metros em cima da água (dentro de uma bola transparente), na ria da Aveiro. Pôs os estudantes da Universidade do Minho a andar de bicicleta, no âmbito do projecto BUTE (Bicicleta de Utilização Estudantil) que ganhou o prémio nacional de mobilidade. Finalmente proporcionou a sensação de viver uma experiência espacial e de estar na Lua a 160 mil crianças portuguesas, polacas, húngaras, checas, espanholas, italianas, etc.
“Vendo emoções. É isso que eu faço”, remata o antigo guarda redes, que após ter percebido que o verdadeiro obstáculo na vida não é a falta de dinheiro, mas sim a falta de ideias, baptizou de IdeiaBiba a sua empresa, cujo coração bate em Águeda, num enorme armazém a que ele chama fábrica de eventos, onde se acumulam vestígios das suas acções – a mais recente das quais foi a apresentação da Volkswagen no Estoril Open.
Não deixa de ser curioso ter ido parar à baliza por ser pequenino, ou seja mais fraco e por isso com menos capacidade para espingardar por ter sido chutado para o posto menos atraente. A alternativa era não jogar – o que era bem pior. Agora, do alto do seu 1m85, recorda com ironia esse argumento, usado por amigalhaços que hoje são bem mais pequenos do que ele.
“A vida é, tal como futebol, uma montanha russa em que tanto estamos em cima como em baixo. Não há vitórias antecipadas. O triunfo só está garantido quando o árbitro apita para o final do jogo”, filosofa um ex-futebolista que, como todos os guarda redes, aprendeu a viver no balanço entre a ansiedade e a agonia.
A sorte caiu-lhe em cima quando tinha ele nove anos e estava a ver o irmão (Carlos Miguel, que viria a jogar no Famalicão, Rio Ave e Belenenses e a quem uma lesão, num jogo contra o Benfica, impediu que cumprisse a promessa de ser o futuro André) no Torneio de Páscoa, em Águeda. O guarda redes aleijou-se e ele tomou conta da baliza, nunca mais a largando.
Aos 15 anos, era o dono incontestado da camisola nº1 quando uma lesão na mão a afastou na baliza. Como nunca foi homem para se atrapalhar, passou a alinhar a ponta de lança. “Nessa época, com 13 golos, fui o melhor marcador da minha equipa no Nacional de juniores. Se calhar não devia ter voltado à baliza”, recorda.
Precoce, tinha apenas 16 anos quando assinou o primeiro contrato como profissional, por três épocas pelo Recreio de Águeda, a ganhar 30 contos/mês no primeiro ano, 55 contos no segundo e 80 contos no terceiro.
Os pais (ele trabalhava nas bicicletas Órbita, ela na Comercial do Vouga, importadora das motos KTM) aceitaram, mas, como contrapartida, obrigaram-no a inscrever-se no curso nocturno na escola Marques Castilho. Ainda andou por lá três anos, mas desistiu sem trazer o curso de electromecânico.
Ele não queria saber de estudos. Apenas e só de futebol. E a carreira abria-se à sua frente, tão larga e veloz como uma auto-estrada alemã. Aos 17 anos, ainda com idade de júnior, estreou-se na equipa sénior do Recreio, que militava na Zona Centro da II Divisão Nacional..
Titular absoluto da equipa do Recreio aos 18 anos, chamou a atenção dos grandes, ao ponto de Osvaldo Silva o ter levado a prestar provas no Sporting, onde, devido às lesões de Damas e Bela Katzirz, fez um treino de conjunto em que Sousa (que viria a ser seu treinador no Beira Mar) e Pacheco (que viria a ser seu colega no Braga) se metiam com ele chamando-lhe Dasaev.
“Sempre admirei muito da agilidade e frieza do Dasaev. Dos estrangeiros também gostava muito do Zenga e do Preudhomme. Dos portugueses, nunca tive dúvidas. O melhor de todos foi o Vítor Baía” , diz, acrescentando, no entanto, que o ídolo da sua vida não é um guarda redes, nem sequer um futebolista, mas antes o empresário Richard Branson, da Virgin.
Na sua segunda época como profissional , o Recreio disputou até ao final da época a promoção à I Divisão, perdida para a Académica. Como deu nas vistas, choveram os convites (Espinho, Trofense, etc) para mudar de ares. Pediu para ser transferido, porque em Águeda não aceitaram aumentaram-lhe o ordenado mensal, de 80 para 150 contos, como ele pretendia. Foi parar ao Freamunde, trocando a Zona Centro pela Zona Norte - e saindo pela primeira vez de casa.
No Freamunde , treinado por Jorge Regadas, ele e Pedro Barbosa foram as estrelas de uma equipa sensação, que perdeu a subida para o Gil Vicente, num jogo em que foram derrotados por 1-0 pela equipa de Barcelos, sendo que o golo foi na sequência de um penalti inventado – garante Zé Nuno.
Não subiu à I com o Freamunde, mas acabou por ir lá parar. Assinou contrato pelo Gil Vicente na Confeitaria Cunha, sob o olhar protector de Reinaldo Teles, cuja presença indiciava a atenção com o FC Porto seguia a carreira deste jovem e promissor guarda redes.
Foi nesta altura que lhe apareceram pela frente as primeiras esquinas da vida. Chamado sete vezes. por Norton de Matos e António Oliveira. para as selecções sub 21 e Olímpica, não fez parte da convocatória de Carlos Queiroz para o Mundial de Riade, apesar de ser um dos três do lote de seleccionáveis (os outros eram Hélio, do Vitória de Setúbal, e Filipe, do Torreense) que já jogavam nos seniores. Na sequência da lesão de Vítor Baía, foi posto em stand by pela FPF, mas o escolhido acabou por ser o juvenil Brassard.
A sorte começou a pregar-lhe partidas, umas atrás das outras, interrompendo-lhe uma carreira sempre a subir. No Braga, para onde se transferiu após duas épocas em Barcelos, disputou a baliza com Quim (o que está no Benfica) e Rui Correia - que era quem jogava mais porque a direcção apostava em vendê-lo para um grande.
Farto de ser suplente, pediu para ser emprestado. Foi parar ao Chaves, onde foi titularíssimo e brilhou. Autuori pediu a sua contratação a Damásio, mas entretanto quer treinador quer presidente abandonaram o Benfica e a sua ida para a Luz ficou em águas de bacalhau.
Fez então uma aposta que parecia seguríssima, mas depois, vai-se a ver e perdeu tudo. Tinha 26 anos e era um futebolista livre, pois acabara de comprar o seu passe ao Braga por 350 mil euros. Era a altura de dar o grande salto em frente, mas acabou por estatelar-se ao comprido.
O Las Palmas acenou-lhe com um contrato milionário de quatro anos, para a reabertura do mercado em Janeiro. Para não ficar parado quatro meses, resolveu fazer o início da época no Beira Mar, treinado por Sousa. Mal ele adivinhava que estava a fazer uma saída em falso a um complicado cruzamento da vida.
Começou a sentir as dores que iriam transformar o sonho espanhol num incrível pesadelo. No Beira Mar diziam-lhe que não era nada, mas as dores não paravam, o braço esquerdo começava a ficar preso, e Zé Nuno resolveu ir às Antas pedir a opinião do departamento médico do FC Porto. O diagnóstico do dr Zito foi rápido: uma vértebra danificada. Tinha de ir à faca. “Em duas horas perceberam o que os médicos do Beira Mar não conseguiram detectar em dois meses”, lamenta.
O Beira Mar não tinha seguro, a operação era arriscada, mas ele não hesitou. A intervenção cirúrgica (a primeira no nosso país em que foi usada uma prótese de titânio) correu bem, mas para a pagar ele foi obrigado a atirar-se para o chão – vendeu a casa, na praia da Vagueira, e ainda ficou a dever dinheiro.
Ficou bem das costas, mas os médicos decretaram-lhe o fim da carreira. Com 27 anos, casado, um filho (Nuno, que seis anos depois teria o João um irmão mais novo), sem dinheiro e uma enorme vontade de jogar futebol, desobedeceu logo que lhe apareceu um empresário com um contrato para ir defender a baliza do Bradford.
Demorou-se apenas mês e meio por Inglaterra, o tempo necessário para perceber que fora enganado pelo empresário. Ficou farto, descalçou as luvas e fez-se à vida. Sentiu que tinha batido no fundo e fugiu a correr do mundo do futebol.
Estávamos em 1998 e recomeçou a vida com um cinema alugado em Rio Maior. Na viragem do século, apostou numa escola de guarda redes em Vagos. Mas foi através das bicicletas que emergiu do anonimato com o projecto BUTE, o que se compreende, pois nasceu e cresceu na região do país que é o berço da indústria das duas rodas - onde quer o pai quer a mãe trabalharam.
Zé Nuno sempre foi rápido a repor a bola em jogo. O pragmático mantra “o passado faz parte do museu” ajudou-o a ultrapassar a angústia do guarda redes perante o fim da carreira. Não olhar em frente é meter golos da própria baliza. Por isso, quando lhe perguntamos qual o melhor negócio da sua vida ele não hesita na resposta: “Vai ser o próximo”.
Quando viu na televisão as imagens da tentativa, patética e mal sucedida, da marinha espanhola empurrar o Prestige para as águas territoriais portuguesas, Paulo Magalhães, 42 anos, estava a pensar num diferendo no condomínio de sua casa. Uma vizinha pretendia que fossem todos a pagar o arranjo de umas janelas exteriores no seu apartamento, alegando que a obra beneficiava todo o prédio ao evitar a infiltração de águas.
Licenciado em Direito na Católica (Porto) e pós graduado em Direito Ambiental (Coimbra), Paulo relacionou, numa feliz sinapse, as imagens do petroleiro naufragado com o problema doméstico e concluiu que o seu prédio era um micro-cosmos do que se passa na Terra e que urge estabelecer regras e organizar a vizinhança global, dotando o planeta de um condomínio que impeça usos abusivos do bem comum.
Independentemente do Prestige naufragar em águas portuguesas ou espanholas, a mancha de petróleo derramado ia espalhar-se ao sabor das correntes, sem respeito pela linha de fronteira artificialmente riscada pelo Homem, e o impacto negativo desta maré negra (tal como está a acontecer no golfo do México) seriam sempre multinacionais.
“Condomínio da Terra. Das alterações climáticas a uma nova concepção jurídica do planeta” é o título do livro (já traduzido em inglês) onde Paulo expõe a teoria que deu corpo ao projecto Condomínio da Terra que lidera, com o apoio da Quercus e das 19 mil pessoas que já assinaram a Declaração de Gaia.
Almoçamos em Gaia, no Três Séculos, das Caves Taylor’s, o restaurante de onde se desfruta da mais soberba vista panorâmica do Porto. Foi aqui, que em Junho do ano passado se realizou o jantar de encerramento do conclave internacional que aprovou a Declaração de Gaia, constitutiva do Condomínio da Terra. Paulo não resistiu à piscadela de olho. Gaia é famosa por albergar as caves de Vinho do Porto mas é também o nome da deusa da Terra, que sucedeu ao Caos da confusão entre céu, águas e terra.
Ambos optamos por um lombo de bacalhau em cama de brandade de polvo (que estava delicioso teria custado 15 euros a dose, não fora a gentil teimosia da gerência em não trazer a conta e oferecer as refeições), bem acompanhado por um Evel tinto, que oleou a conversa com o único fundador da Quercus que, 25 anos depois, se mantém activo na mais conhecida organização ambientalista portuguesa e que, por influência dos documentários “O Homem e a Terra”, de Félix Rodriguez de la Fuente, se tornou militante da causa ecológica logo no início da adolescência – aos 13 anos já dirigia o Grupo de Expedições Científico-Naturais do Porto.
Paulo estudou leis (“tinha a noção que o Direito ia ser importante na questão ambiental”) e foi fotógrafo profissional (trabalhou para a Getty Images e são da sua autoria algumas das imagens de promoção do turismo em Portugal) mas nunca mais abandonou a militância na protecção e recuperação dos eco-sistemas.
“O bem e o mal que se faz à Terra circula livremente pela atmosfera, hidrosfera e biodiversidade. Não se detém nas fronteiras. A Amazónia não consegue reter, capturar, todo o serviço ambiental global que presta ao planeta. Se desflorestassem a Amazónia, em poucos anos deixaria de haver peixe, porque os oceanos são alimentados com a matéria orgânica que cai ao rio e é transportada pelo Amazonas. As árvores são muito mais valiosas para a humanidade vivas do que transformadas em madeira. O problema é que só têm valor económico quando são abatidas e convertidas em madeira. De que é que as próximas gerações precisam mais? De papel ou de árvores vivas?”, pergunta.
A declaração de Gaia propõe uma nova contabilidade mundial, que reponha a justiça ao premiar quem contribui de forma positiva e relevante para a conservação do planeta. “Caminhamos para a catástrofe se não mudarmos o paradigma de predação na Natureza”, alerta Paulo, que cita o inventor da teoria da relatividade para justificar o projecto Condomínio da Terra: “Não se acham terras novas com mapas velhos. Como nos avisou o Einstein, não podemos resolver um problema usando o mesmo nível de pensamento em que estávamos quando o criámos”.
Jorge Fiel
Esta matéria foi publicada hoje no Diário de Notícias
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Três Séculos
Rua do Choupelo 250, Gaia
Queijo e presunto
Lombo de bacalhau em cama de brandade de polvo
Água
Evel tinto
2 cafés
A refeição foi oferecida pela casa
Curiosidades
Paulo é um dos activistas do projecto Criar Bosques (www.criarbosques.org), que em dois anos plantou 128.507 árvores e arbustos de 60 espécies portuguesas (carvalhos, azinheiras, sobreiros, etc) em terrenos privados, públicos e baldios. Os proprietários comprometem-se a não deitar abaixo as árvores num prazo de 40 anos e, em troca, a Quercus planta-as e trata delas, com o apoio do ICN e das verbas da reciclagem de rolhas. “Se investíssemos na florestação do país com espécies autóctones o que gastamos em prevenção, os incêndios deixavam de ser devastadores”, avisa
Sacos de plástico lançadas à água durante anos a fio foram levadas pelas correntes para o Norte do Pacífico, onde há duas ilhas flutuantes de lixo, que cientistas estimam serem do tamanho dos EUA e conterem cerca de 60 milhões de toneladas de plásticos
Calcula-se que a empresa dos descobrimentos e expansão marítima dos portugueses implicou o sacrifício de oito milhões de carvalhos. A madeira de pinheiro era só usada nos mastros. Alguns séculos mais tarde, as exportações de vinho do Porto em barris de carvalho completaram a razia do carvalhal português
Aprendeu a tocar órgão aos seis anos e cantou versões em português dos grandes êxitos dos Abba num coro infantil, em Gaia, até que a epifania se deu no início da adolescência, quando o pai lhe deu uma colectânea dos Beatles: a música iria ser a sua religião. Aos 13 anos, compôs à guitarra a sua primeira canção ”Waiting for the Sun”, um prenúncio do nome da banda que lidera (The Weatherman). Além de homem do tempo, é também um empreendedor. A sua Poptones, nascida na incubadora de Serralves, faz logótipos musicais para empresas
The Weatherman já está
pronto a sair da incubadora
Nome: Alexandre Monteiro
Idade: 30 anos
O que faz: músico - ele é o The Weatherman, com dois álbuns gravados, Cruisin’Alaska (2006) e Jamboree Park at the Milky Way (2009) – criativo. “Não gosto de me auto-intitular empresário”, explica o fundador da Poptones
Formação: Curso de Som e Imagem, na Católica (Porto)
Família: Solteiro, vive com os pais e a irmã, que vai deixar um emprego temporário no aeroporto Sá Carneiro para começar a trabalhar com ele na Poptones
Casa: Uma vivenda em Gaia
Carro: Citroen C1 cinzento, com um autocolante da maçã da Apple colado nas traseiras
Telemóvel: Um Nokia dos baratos porque anda sempre a perder os telemóveis (o ultimo deixou cair num lago), com o clássico toque Trrrim. “Old school”, comenta
Computador: iMac
Hóbis: “A música é o meu hóbi e o meu trabalho” diz Pedro acrescentando que também gosta “de não fazer nada” e para isso nada melhor que um fim de semana na casa que a família tem no Gerês
Férias: Não tem rotina de férias. Apesar de não ser muito de praia, este ano vai passar uns dias com os amigos na costa alentejana. E neste preciso momento, aproveita o facto de ter dado na última 4ª feira um concerto não Cavern Club para passar uns dias em Liverpool, a terra natal dos seus ídolos (The Beatles)
Regra de ouro: Cita um verso de John Lennon, da canção Beautiful Boy, dedicada ao seu filho Sean (que já elogiou em público a música do The Weaterman) “Life is what happens to you while you’re busy making other plans”. E acrescenta: “Sou quase viciado em criar e ter ideias novas
Não é inevitável que as pessoas que telefonam para a sua empresa e têm a chamada em espera sejam obrigadas a ouvir uma vez mais a Primavera, de Vivaldi, ou quaisquer outros acordes de um trecho mais que batido do repertório clássico. Alexandre Monteiro e a sua Poptones estão aí para o ajudar a resolver esse pequeno problema, fornecendo-lhe algo de original e personalizado o que é adequado a um mundo onde a diferenciação é um valor em alta.
A Poptones faz logótipos musicais, o que, trocado por miúdos, quer dizer que compõe para o cliente uma música inédita, sintonizada com a imagem da sua empresa e em várias declinações, de modo a poder ser usada como a melodia que toca quando a chamada está em espera, mas também como toque de telemóvel, hino para consumo interno (ou externo), música de fundo para o site, de ambiente – ou até de elevador. E olhe que a festa não fica cara: 750 euros é o custo do pacote.
“Investigo as características da empresa-cliente, da sua marca e imagem, e componho a partir dessa pesquisa”, explica Alexandre, que está aberto a discutir o trabalho com os clientes e reafinar a versão inicial. “O meu primeiro cliente foi a Fundação de Serralves. A partir do exotismo do parque, escrevi uma melodia num só tom, com um toque meio oriental. Apresentado o trabalho, que era muito orquestral e bué expansivo, acharam que parecia a banda sonora das Mil e Uma Noites, pelo que eu fiz uma coisa mais leve”, explica.
Bebé nascido na InSerralves, a incubadora de indústrias criativas da Fundação de Serralves, a Poptones já está pronta a sair da incubadora e andar pelos seus próprios pés, estando a transferir as instalações para o Pólo de Asprela (Porto) da Católica, a universidade onde Alexandre concluiu, há seis anos, o curso de Som e Imagem.
Os logótipos musicais não esgotam a oferta da Poptones, que já fez música original para coisas tão diversas como um museu em Santarém, a farmacêutica Tecnifar ou os sapatos Dkode. Compor para spots publicitários ou a banda sonora original de um filme também faz parte dos planos de Alexandre, um rapaz que nasceu para a música, ou não fosse ele o The Weatherman, que esta semana actuou no célebre Cavern Club, em Liverpool, que foi a incubadora dos Beatles.
The Weatherman, o nome da banda que Alexandre lidera, acaba por ter uma relação curiosa com o titulo da primeira canção – “Waiting for the Sun” - que ele compôs, com 13 anos, na guitarra oferecida pelo pai, que agora está reformado mas à época trabalhava na contabilidade da EDP.
Aprendeu música ao mesmo tempo que a ler e a escrever. Aos seis anos já tocava órgão e durante toda a primária cantou num coro infantil as versões em português dos grandes êxitos dos Beatles, Abba, Beach Boys ou Rolling Stones. A epifania, o momento único e inspirador em que percebeu que a sua vida iria ser dedicada à música, foi no início da adolescência, quando o pai lhe ofereceu uma colectânea dos Beatles. Começou logo a compor, enquanto aprendia a tocar guitarra. “Como me aborrecia estar a aprender com as músicas dos outros, comecei a compor e a gravar em cassetes”, explica Alexandre, que ouve ou faz música desde que acorda até que se deita. Como tem a mania da adormecer a ouvir música (indie, pop ou alternativa) no seu iPod, é frequente ter de acordar a meio da noite para tirar os fones e desligar o aparelho.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
Luís Brás, 44 anos, é o empresário que dirige a cadeia de 60 centros de fotodepilação Não + Pêlo. Interrompeu os estudos com 18 anos, para começar a trabalhar num armazém do avô. Foi ajudante de farmácia, vendeu tabaco açoriano, isqueiros Zippo e canetas Parker, desenvolveu as lojas Pierre Cardin. No râguebi, onde foi vice-campeão nacional com a camisola às riscas horizontais vermelhas e pretas de Direito, temperou o carácter e aprendeu o necessário para triunfar na vida. “É um desporto viril, em que é preciso ter força, espírito de sacrifício e aguentar maldades. Mas isso só nos prepara para a vida, que também é muito dura. Não podemos ser nem santinhos nem anjinhos. Para ser bem sucedido, é preciso ser determinado e ir em frente até cumprir os objectivos”, diz
“És bruto como uma porta! Estavas bem era no râguebi”. Na origem de tudo está este desabafo do treinador de basquetebol do Olivais, farto de tentar convencer, sem sucesso, o jovem Brás a usar menos o corpo e moderar as entradas sobre os adversários, para não estar sempre a prejudicar a equipa com a acumulação de faltas técnicas.
Luís tinha 12 anos, bom físico (o inconveniente é que abusava dele, pelo menos a acreditar na opinião do treinador do Olivais) e uma enorme apetência pela prática do desporto. Jogou futebol na escola, chegou a correr pelo Sporting e passou pelo andebol do CDUL, até que decidiu levar à letra o desabafo do treinador de basquete.
Sabia que o Nuno, seu colega no Liceu Camões, jogava râguebi. Pediu-lhe que o levasse a um treino da sua equipa (os Cangurus), no Estádio Universitário. A sua impetuosidade agradou ao “doutor” (era assim que a rapaziada tratava o treinador), que disse que sim, ele podia ficar. “No final, o Nuno perguntou-me se eu tinha gostado, eu respondi-lhe que sim e nunca mais falhei um treino, salvo motivo de força maior”, recorda.
Treinava duas vezes por semana, das quais pelo menos uma vez em pelado, com evidente prejuízo para os seus joelhos, que andavam sempre esmurrados, e para o equipamento, que ficava sempre em mísero estado. A mãe ralhava e tentava convencê-lo a deixar aquele desporto de brutos, mas ele fazia ouvidos de mercador. Durante um ano e meio, como juvenil, alinhou com a camisola às riscas horizontais pretas e brancas dos Cangurus, que trocou pela das riscas, também horizontais, vermelhas e pretas do Grupo Desportivo de Direito, quando passou a júnior.
Jogar em Direito, mas não estudou Direito nem fez qualquer outro curso superior porque a sua rebeldia não se limitava às consecutivas faltas técnicas que irritaram o treinador de basquete dos Olivais. Estendia-se também às salas de aulas. Um segundo chumbo no secundário, desta vez no 10º ano, fez subir a mostarda ao nariz da mãe, que decidiu interná-lo no Colégio Nuno Álvares Pereira em Tomar.
Em alternativa, Luís contra-propôs ficar em Lisboa, a trabalhar durante o dia num armazém do avô (que tinha um negócio de produção de queijos e de armazenamento e distribuição de produtos alimentares) e a estudar á noite. E para derrubar as últimas reticências maternas à sua sugestão lá lhe foi explicando que estava quase a fazer 18 anos, o que equivalia a dizer que estava à beira de ficar legalmente habilitado a fazer o que lhe apetecesse – e um colégio em Tomar estava completamente fora dos seus planos.
A trabalhar de dia e a estudar à noite, teve de pôr o râguebi entre parêntesis, para grande mágoa sua, pois o treinador tinha-lhe confidenciado que estava a ser observado para ser chamado à selecção e ia haver uma digressão pela Escócia.
O nomadismo que caracterizou a sua passagem pelo secundário, cumprida em quatro escolas (Marquesa de Alorna, Camões, Lumiar e Maria Amália), voltou a fazer-se notar na primeira fase da sua prematura carreira profissional. Não chegou a completar um ano no armazém do avô, que trocou por um emprego de ajudante na farmácia dos primos, em Santo António dos Cavaleiros, onde se demorou dois anos, após o que deixou para todo o sempre de ter familiares como patrões e fez um upgrade de caixa para caixeiro viajante.
Os estudos, esses ficaram no tinteiro, ficando-se pelo 11º ano incompleto, uma formação que complementaria com a escola da vida e um número não negligenciável de cursos de vendas, de informática e de gestão (na AESE).
Tinha 23 anos e a emancipação completa foi ungida por uma volta de carro pela Europa. Foi viver sozinho, para um apartamento em Benfica, comprou o primeiro carro, um VW Polo G40, e descobriu a sua vocação a vender material de escrita, isqueiros Tokai, bem como tabaco açoriano e holandês, a armazenistas, quiosques, papelarias e tabacarias. Simpático e comunicativo, cedo ganhou a reputação de bom vendedor que lhe escancarou as portas da Parker, que era o Real Madrid dos vendedores de canetas, onde voltou a brilhar a grande altura.
A sua carreira profissional estava definitivamente lançada quando um belo dia, estava ele a comprar uns discos na discoteca Via Veneto, tropeçou no Mário Castro, seu antigo colega nos juniores de Direito. Aprendeu que o amigo continuava no râguebi com a resposta à pergunta inevitável nestes reencontros (“Então!? Que é feito de ti?”), e deixou escapar a pena que sentia por ter deixado de jogar.”Se estás com saudades, por que é que não voltas?”, interrogou Mário. Luís pensou “não é tarde, nem é cedo” e voltou às molhadas.
Logo no ano do regresso e da sua estreia como sénior, andou quase dois meses com a perna engessada por ter feito uma ruptura de ligamentos numa molhada. Mas não desistiu. Treinava três vezes por semana, corria todos os dias uma hora, no final do trabalho, e jogava ao fim de semana, nas linhas atrasadas, a ponta, posição que exige rapidez de pernas e bastante determinação.
“Quando atacávamos e eu recebia a bola, tinha de correr até chegar à linha e fazer o ensaio. Quando a equipa adversária iniciava o ataque, cabia-me impedir que a bola saísse - e chutá-la para a frente ou abrir para o arriére”, sintetiza Luís, que não perdia um dos jogos do Torneio das Cinco Nações que a RTP transmitia e eram comentados por Cordeiro do Vale. A França (onde alinhava Blanco, provalemente o maior dos seus ídolos), porque jogava muito à mão, e o País de Gales eram as suas selecções favoritas.
Luís foi vice-campeão nacional em 93/94, época em que Direito deixou escapar o título para o Cascais, ao perder os dois jogos com esta equipa. E na época seguinte, aos 29 anos, deixaria pela segunda vez o râguebi. Tomou a decisão no final no primeiro treino orientado por Tomás Morais. “Percebi que não já não tinha pedalada”, resume Luís, que por esta altura estava num momento de viragem da sua carreira profissional.
Abandonou a bola em forma de melão ao mesmo tempo que o lugar de vendedor de canetas Parker e isqueiros Zippo, para agarrar com as duas mãos um convite do grupo Regojo, que viu nele a pessoa certa para dar a voltar à representação da marca francesa Pierre Cardin que tantas dores de cabeça lhes dava. Luís mudou-se para os trapos, estudou a situação e fez um diagnóstico certeiro, solucionando os problemas a abertura de lojas próprias – controlavam a qualidade, ganhavam o dobro e não tinham problemas de cobrança. Deu resultado.
A bem sucedida experiência com as lojas Pierre Cardin e a amizade com a família Regojo são a pré-história do negócio que absorve agora o essencial da energia de Luís, que no lançamento, em franchise, da cadeia de lojas Não + Pêlo passou a acumular a faceta de empresário à de vendedor. Em pouco mais de um ano e meio, conseguiu que 17 mil portuguesas (70% da clientela) e portugueses (30%) se vissem livres de pêlos em zonas consideradas indesejáveis – axilas, pernas e virilhas, no caso das mulheres, e por todo o lado, no caso dos homens – através de um método inovador, a fotodepilação que é mais durável e indolor que a cera, e mais barata (30 euros por zona) que o laser. O baixo preço que custa abrir um centro Nem + Pêlo (o pacote fica por 30 mil euros) permitiu a abertura de mais de 60 lojas em menos de dois anos e estimulou Luís a formatar um novo conceito (Não+Dietas) para fazer dinheiro correspondendo às preocupações estéticas dos portugueses.
No entretanto, Luís voltou ao râguebi aos 35 anos, alinhando regularmente na equipa de veteranos de Direito, que no fim-de-semana passado disputou, no campo de Monsanto, um quadrangular com uma equipa alemã, Santarém e S. Miguel. E o seu filho de onze anos, que também se chama Luís, está a seguir a paixão do pai e joga na equipa sub 12 de Direito.
“Como se costuma dizer, o râguebi é um desporto de arruaceiros jogado por cavalheiros. É também uma grande lição de vida. Temos de ter muito amor à camisola, uma enorme dedicação, espírito de sacrifício, ser lutador e ganhador. Fazem-se grandes amizades que duram, pois a entreajuda é o princípio base do jogo – é como a divisa dos Três Mosqueteiros, um por todos, todos por um. É uma modalidade viril, em que é preciso ter força e aguentar algumas maldades. Mas isso só nos prepara para a vida, que também é muito dura. Não podemos ser santinhos, nem anjinhos”, afirma.
Luís está na vida como no campo, quando apanha a bola e desata a correr em direcção à linha, para fazer um ensaio. “Para se ter sucesso é preciso ter determinação e ir em frente até cumprir os objectivos e alcançar as metas que fixamos” conclui.
O excesso de idade é uma coisa tramada e não me estou a referir aos mais banais malefícios do envelhecimento, como o facto da longínqua data do nosso desembarque neste mundo (eu sou de 56, o ano do Tratado de Roma) nos colocar automaticamente nos lugares cimeiros das listas de despedimento das empresas ineficientes. Devo reconhecer que fiquei incomodado quando, a semana passada, estava a flanar na Almedina do Arrábida Shopping, a fazer horas para ver o Greenberg (recomendo!), e dei de caras com um livro de auto-ajuda intitulado Encontrar Emprego Depois dos 50 – façanha tão provável como nascerem dentes na boca de uma galinha ou cabelos na cabeça de um careca.
O que me chateia mesmo é a fatalidade da quantidade de gente nossa conhecida aumentar em relação directamente proporcional com a idade e inversamente proporcional à capacidade da nossa memória - situação geradora de embaraços. Noutro dia, tropecei num tipo que aparentava conhecer-me de ginjeira, pois saudou-me com um franco: “Ó Fiel, tu estás redondo!”. O triste é que não se fez luz no meu espírito, apesar das coordenadas que ele, simpaticamente, ia debitando: que era o Monteiro, que tínhamos sido colegas na faculdade, que na altura ele usava barba, que eu tinha vagamente namorado com uma prima dele. Tive de assumir a derrota (“É pá, sabes, estou gagá!”), confessar envergonhado que não me conseguia lembrar dele, o que não foi uma saída airosa ou lisonjeira - nem para mim nem para ele.
Depois há aquelas pessoas em que tropeçamos e de que nos recordamos perfeitamente, mas melhor seria se não nos lembrássemos. Estou a falar daqueles chatos que levam a sério quando lhes atiramos o “Olá pá, está bom? A vida corre-te bem?”, com que apenas os queremos despachar, e devolvem-nos, na volta do correio, um relatório circunstanciado sobre a evolução da sua tensão arterial, bem como dos níveis de colesterol, triglicéridos e açúcar no sangue. Uma maçada!
Tenho pensado muito em truques para me desembaraçar de tipos pegajosos. Em O Turista Acidental, William Hurt usava, nas viagens de avião, a leitura de um livro como pára-raios face a vizinhos que estão sempre mortinhos por meterem conversa com o passageiro do lado. Eu ando a testar o Ipod como repelente de chatos. Tem dado um resultadão. Ter os ouvidos tapados com fones é um belíssimo álibi para evitar conversas embaraçosas com as pessoas que nos cumprimentam. Basta acenar-lhes, fazer o sorriso que quer dizer “agora não pá, estou a curtir a minha música” - e manter a cabeça ocupada com algo realmente importante, como as belas poesias amargas das canções da Aimee Mann.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
Marta Moreira. Esta é a história de uma rapariga da Linha de Cascais que estudou no Liceu Francês e teria ido para Medicina se a média de 15 valores com que concluiu o secundário não fosse curta demais. Em boa hora optou por ir estudar Engenharia Alimentar para o Porto, um curso que lhe abriu a porta de duas multinacionais. Primeiro esteve seis anos na Matutano, grupo Pepsi. Mais tarde mudou-se para a McDonald's, onde ao cabo de dez anos, foi promovida a responsável pela qualidade de 1400 restaurantes da Europa do Sul
Nome: Marta Moreira
Idade: 40 anos
O que faz: Gestora de qualidade da McDonald’s em Portugal e na Europa do Sul (Espanha, Itália, Grécia, Malta, Marrocos, Suiça, Bélgica e Holanda)
Formação: Licenciada em Engenharia Alimentar (1995) pela Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica
Família: Casada com um arquitecto, de quem tem dois filhos, o João Maria, que tem oito anos e joga golfe no Belas Clube, e a Carminho, quatro anos
Casa: Andar em Paço de Arcos, com um terraço de 120 metros quadrados, onde os filhos andam de bicicleta e o cão (um labrador preto e enorme) tem a sua casota
Carro: Mazda 5 (monovolume)
Telemóvel: Blackberry
Portátil: HP (o pessoal é um Mac)
Hóbis: Tem muito pouco tempo livre para hóbis. Como viaja pelo menos duas vezes por mês, aproveita o tempo que passa em aviões e aeroportos para ler. Os últimos autores que leu foram Isabel Allende e Miguel Sousa Tavares. Ao fim de semana, quando não está a fazer de chófer dos filhos, vai ao cinema e anda a pé ou de bicicleta na Marginal
Férias: No Verão, passam uns dias em Moledo (a família do lado dela tem lá casa) e outros em Figueira da Foz (é o sítio da família do marido) antes de fugirem do nevoeiro, água fria, vento e chuva, instalando-se 15 dias no Algarve (Prainha). De ve3z em quando fazem uns fins-de-semana prolongados no estrangeiro – os últimos foram em Barcelona e Paris
Regra de ouro: “Sou honesta e sincera. Estou muito feliz por ter uma equipa excelente porque detesta trabalhar com pessoas incompetentes”.
A engenheira que controla
frescos, fritos e grelhados
O ponto crítico é a temperatura. Não a temperatura do ar, porque Marta não trabalha no Boletim Meteorológico, mas a temperatura a que os alimentos são conservados e cozinhados, pois ela é a responsável máxima pela qualidade de toda a comida servida nos 1400 restaurantes McDonald's da Europa de Sul, região com contornos geográficos curiosos, pois Bélgica, Holanda e Suíça são três dos nove países que integram esta espécie de albergue espanhol.
“A temperatura é o ponto fulcral. Não só a temperatura a que os alimentos são armazenadas, mas também a que são cozinhados. Para ser segura, a carne tem de ser grelhada a 69º ”, explica Marta, acrescentando haver nuances em relação aos fritos. A UE aceita que o óleo atinja os182º, mas a nossa legislação portuguesa é mais exigente, estabelecendo um tecto de 180º. “Como na McDonald's não gostamos de trabalhar em cima dos limites, fritamos a 178º, para ter margem”, esclarece, antes de referir os funcionários nos restaurantes estão obrigados a lavar as mãos de meia em meia hora (o que explica a manga curta dos uniformes) porque a higiene é o segundo ponto crítico.
O baptismo na McDonald's deu-se com uma sandes de frango (McChicken), quando ela tinha 18 anos, num restaurante em Filadélfia, onde o pai, oficial da Marinha de Guerra, estava colocado. No entretanto, o Royal Deluxe (e às vezes o M) passou a ser a sua sandes preferida.
Marta sempre viveu em Paço de Arcos. Estudou no Liceu Charles Lepierre, o que se compreende pois a mãe dava aulas de Português e Francês, e só se virou para as engenharias quando constatou que a sua média no secundário (15 valores) era curta demais para Medicina. Calhou escolher Engenharia Alimentar no Porto (onde viveu seis anos, partilhando um T2 na Foz com uma prima) e hoje está satisfeitíssima por estas opções.
No final do curso, a seguir a um estágio de seis meses em Reading, Inglaterra, na área dos vinhos, desatou a mandar currículos para todo o lado até que a chamaram da Matutano (grupo Pepsi) para um período de experiência no sistema de segurança alimentar. “Gostei muito de trabalhar na produção, a aplicar todos os conhecimentos aprendidos na Faculdade”, conta. A melhor prenda que recebeu no dia em que fez 25 anos foi dizerem-lhe ia ficar e com um contrato melhorado. “Até essa altura, o dinheiro que ganhava ia todo para a gasolina e para as portagens, nas viagens de ida e volta até ao Carregado”, lembra Marta, que logo trocou o Uno a cair de poder por um Punto novinho em folha.
Foi feliz e progrediu muito na carreira durante os seis anos em que se demorou pela Matutano. O único problema é que não raro entrava às oito da manhã e só saia às onze da noite. “Tive de sair de lá para me casar”, graceja. Mas apesar da carga horária pesada e de continuar solteira, Marta não estava muito convencida de que queria mudar quando uma caçadora de cabeças a desafiou a ir para consultora de qualidade na McDonald's, que como agravante ficava ao pé da porta dela, em frente à praia de Santo Amaro de Oeiras.
“Foi uma decisão complicada, porque profissionalmente estava muito bem na Matutano”, diz Marta, que arriscou trocar uma multinacional por outra - aos 40 anos ela não sabe o que é trabalhar para o Estado ou uma empresa nacional. Onze anos depois, olhando para trás, tem mais uma vez a certeza de que tomou a decisão certa. She is lovin’it!
Para se perceber o que ela anda a fazer, é só olhar para um mapa da Península Ibérica e ter algumas noções de História: Mérida, onde está a sede da Junta da Extremadura, era, no tempo dos romanos, Emérita Augusta, a capital da Lusitânia, província que tinha em Olissipo o seu porto marítimo e no Tejo a coluna vertebral.
Guillermo Fernandez Jara, o socialista que há três anos preside à Junta da Extremadura, vem a Lisboa apanhar o avião para Bruxelas, não só porque Lisboa fica mais perto (280 km) de Mérida do que Madrid (320 km), mas também porque estreitar os laços com Portugal é uma vantagem competitiva para a sua comunidade autónoma no interior do Estado Espanhol.
Teresa, 39 anos, é, à primeira vista, 100% portuguesa. Não há pinga de sotaque no português rico e fluente em que se exprime, o que é natural pois viveu e estudou em Lisboa (licenciou-se em Relações Internacionais na Lusíada), apesar de ter nascido em Ávila, onde a mãe, espanhola de Valencia de Alcântara, teve todos os seus filhos.
Filha de um português, engenheiro da EDP que foi director geral das Pescas, cresceu em Lisboa mas a falar castelhano em casa, a frequentar o Instituto Cervantes, a ver a TVE (menos os filmes, pois não gosta deles dobrados), a ler e ouvir literatura e música espanholas. “A minha mãe sempre foi muito espanhola”, explica Teresa, casada com um espanhol de Badajoz, de quem tem duas filhas (Inês, cinco anos, e Marta, um), que conheceu em Bruxelas, onde trabalhou 15 anos e foi a representante da Extremadura junto da UE.
Trocou Bruxelas por Lisboa, para abrir e dirigir uma delegação da Extremadura na capital do seu primeiro parceiro comercial. Portugal é o principal cliente e fornecedor desta comunidade, deixando o segundo (a Alemanha) a enorme distância. Os 800 bebés portugueses nascidos em Badajoz desde que fechou a maternidade de Elvas, demonstram estarem já muito longe os tempos a raia era apenas atravessada por contrabandistas e turistas de um dia, em busca de caramelos ou café baratos.
Teresa escolheu almoçarmos na cafetaria do Altis Belém, próximo da zona das embaixadas no Restelo, onde em Junho de 2009 ela inaugurou a delegação da Extremadura em Lisboa, onde à varanda flutua a bandeira às riscas horizontais verde, branca e preta e no interior trabalham sete pessoas para esbater a barreira física e psicológica de uma fronteira com 428 km.
Ela vinha ao cheiro dos célebres risottos do chef Cordeiro, mas decidiu-se por um polvo, que estava delicioso, acompanhado por uma imperial e sobremesado por uma mousse de chocolate com morangos. “Faço um tortilla de batata muito boa”, confessou, acrescentando que o segredo está em ter paciência para deixar a batata absorver o sabor do azeite.
Ao almoçou, falou do programa “El Portugués abre puertas” , que faz da Extremadura a região espanhola onde mais se fala a nossa língua (há 12 mil estudantes de Português), das relações transfronteiriças (Évora, Coimbra e Mérida são os vértices de uma nova euroregião), do MEAC de Badajoz que tem a sinalização bilingue e uma rica colecção de arte contemporânea portuguesa - questões que arrumam Olivença numa pequena gaveta da História.
“Queremos que nos invadam. A Extremadura é o sitio ideal para os portugueses porem o pé, para verem como é, antes de darem o salto para o resto de Espanha”, desafia Teresa, que se declara portuguesa em Portugal e espanhola em Espanha, e já formatou a resposta para uma eventual final Portugal-Espanha no Mundial de futebol: “Ganho sempre e vou ter pena do que perdeu”.
O TGV para Madrid, que porá Badajoz a 40 minutos de Lisboa, está tremido, pois o primeiro troço (Lisboa-Poceirão) foi congelado, o que leva Teresa a criticar o ancestral pessimismo português. “É preciso olhar em frente, ver mais além, agarrar as oportunidades e pensar no futuro. Essa maneira de ser pessimista é o lado em que eu não sou portuguesa. De mãos dadas, chegamos a 700 milhões de pessoas, em países emergentes como o Brasil, Angola, América Latina. Podemos fazer tantas coisas!”, conclui esta luso-espanhola, portuguesa por fora, mas muito espanhola por dentro.
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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Cafetaria Mensagem
Altis Belém
Doca do Bom Sucesso, Lisboa
3 couvert … 6,00
2 polvo no forno … 29,00
1 mousse de chocolate … 4,50
2 imperiais Super Bock … 8,00
1 água do Luso 0,5 l … 3,50
2 cafés.. 6,00
Total… 57,00
Curiosidades
A Extremadura é uma comunidade autónoma espanhola que faz fronteira a oeste com Portugal (Centro Alentejo), a este e norte com Castela, e a sul com a Andaluzia. Tem 1,1 milhões de habitantes e 41,6 mil k2. Mérida é a capital administrativa, mas as duas cidades mais importantes são Badajoz e Cáceres. É a primeira autonomia espanhola com representação em Portugal
O pai português e a mãe espanhola de Teresa conheceram-se na Figueira da Foz, onde ambas as famílias passavam as férias de Verão há pelo menos duas gerações. Ela estudou Ciências Politicas e ele Engenharia. Depois de casarem em Ávila vieram viver para Lisboa
Os Deolinda e Dulce Pontes são muito apreciados na Extremadura, onde é raro realizar-se alguma grande iniciativa cultural, seja ela no domínio da música, cinema, literatura ou teatro (como, por exemplo, o Festival de Teatro Clássico de Mérida) que não conte com a participação portuguesa.
Apreciei a candura com que o secretário de Estado dos Transportes nos informou que afinal vai conseguir financiar a terceira travessia do Tejo aproveitando os dinheiros comunitários poupados com o adiamento para as calendas das duas linhas do TGV que ligariam o Porto a Vigo e Lisboa, e assim coseriam a segunda maior metrópole europeia (a seguir à Grande Londres), ao aproximar uma comunidade de nove milhões de pessoas que vivem a trabalham no eixo atlântico Corunha-Setúbal.
Como portuense senti-me apalpado pela simplicidade desarmante com que esse secretário (um tal Correia da Fonseca) expôs a questão, mas isso não é mau pois fez-me logo lembrar a anedota da mulher que ao aperceber-se que estava a ser ludibriada se virou para o homem que a estava a tramar e disse: “Apalpa-me as mamas!” - antes de desfazer o espanto dele, e de todos os outros participantes na reunião, ao esclarecer: “É que eu gosto que me apalpem as mamas quando me estão a foder...”
Terça à noite, o primeiro ministro foi à RTP tentar convencer-nos de que está inocente e que a culpa do actual cortejo de horrores é do resto do mundo e da conjuntura que mudou radicalmente nas últimas três semanas. Como sou hipertenso, para não me enervar, a partir de determinada altura deixei de o ouvir e distraí-me com o azul da gravata (bem bonita), o branco dos cabelos (tão excessivo que desconfio ser pintado...) e a curiosa forma do seu longo nariz, uma tentação que convida os cartoonistas a caricaturarem-no como Pinóquio.
Lamentavelmente o drama não está nas três últimas semanas. A culpa de uma década de estagnação, da maior recessão desde o 25 de Abril, do recorde do desemprego, da maior carga fiscal de sempre, não pode ser atirada para as costas largas dos tubarões especuladores que atacaram a nossa divida porque Portugal lhes cheirava a sangue. Quando uma ponte cai ninguém no seu perfeito juízo atribui a responsabilidade ao último camião que lá passou - mas sim aos engenheiros que a projectaram e aos empreiteiros que a construíram.
Um parágrafo de um relatório da União Europeia sobre o impacto dos fundos comunitários na última década, chega para passar um atestado de incompetência aos engenheiros e empreiteiros (Guterres, Durão e Sócrates) que projectaram e construíram o modelo centralista e falido de governo em que sobrevivemos:
“Portugal foi o país que mais verbas recebeu em peso no PIB e mais beneficiou desses fundos. Mas foi o país que menos cresceu e onde as disparidades regionais aumentaram mais”.
Se escrevessem isto sobre mim, eu cobria a cara com vergonha, fazia as malas e mudava de profissão.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias
Catarina Santos, 28 anos, é uma das quatro advogadas do escritório no Porto da sociedade João Nabais & Associadas. Uma rapariga pacata que vive com os pais em Santo Tirso, conduz um Smart e emergiu do anonimato ao ganhar a etapa de Aranjuez do Spanish Poker Tour. No poker, onde usa o nick de Katrina, aprendeu a ler os adversários (“Um movimento dos olhos pode ser revelador e susceptível de ser interpretado. Um ligeiro tremor na camisa indicia um aumento da pulsação, traído pela jugular”) e a gerir as emoções. “Aprendi a controlar as minhas emoções. O poker fez de mim uma melhor advogada. Quer no tribunal quer na mesa de jogo consigo não exteriorizar quando estou forte e não entrar em pânico quando estou fraca”, diz
Um ás de paus e um rei de copas chegaram para que Catarina deixasse de ser apenas mais uma das 14 mil advogadas portuguesas. Foi a 9 de Abril, na etapa de Aranjuez (pequena cidade ao sul de Madrid celebrizado pelo Concerto de Aranjuez, composto por Joaquin Rodrigo), do Spanish Poker Tour (SPT). Mais de 160 jogadores foram ficando pela caminho, despojados das suas caves, ao longo do fim de semana. Na mesa principal, só restavam os dois finalistas: ela e o holandês Steven Zadelhoff.
Com um ás e o sete de espadas de jogo de mão, Steven não hesitou e fez all in - apostou tudo, transferindo para o centro da mesa todas as fichas que tinha à sua frente. O ás de espadas era uma carta animadora e ele precisava de arriscar, por estar em desvantagem, uma vez que a sua cave (à volta de 400 mil) era muito inferior à que Catarina tinha conseguido acumular (superior a dois milhões).
O raciocínio do holandês até não foi estúpido. O problema é que ele não podia adivinhar que a portuguesa também tinha um ás na mão e em muito melhor companhia - o imponente rei de copas. Ela acompanhou a aposta. As cartas abertas na mesa (dez, nove, dama, nove, oito) não foram aquelas por que rezava Steven, nem o milagre de três paus que lhe permitissem fazer cor, nem um sete dobrado. Catarina ganhou e pode abandonar a poker face, cantada por Lady Gaga, deixando finalmente que a sua cara reflectisse as suas emoções e estado espírito.
Ganhou um troféu, um blusão da Everest (a sua patrocinadora no mundo do poker), uma data de atenção nos Media e 45 mil euros em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, dinheiro a sério, ao contrário do que acontece com as fichas que os participantes recebem, em troca da inscrição, à chegada a um torneio de poker, em que não há correspondência entre o valor facial e o real, tal como acontece com o dinheiro do Monopólio.
Catarina Santos, 28 anos, guarda o troféu no gabinete onde trabalha, sentada a secretária com tampo de vidro impecavelmente arrumada, rodeada por paredes brancas, onde estão dependuradas duas grandes fotografias a preto e branco (uma de arranha-céus de Chicago e outra de um canal de Amesterdão, com um bicicleta colorida de vermelho em primeiro plano), e um candeeiro em forma de fogo de artificio, exuberante excepção numa decoração minimalista.
Os 45 mil euros, esses estão guardados no banco, a render e a fazerem companhia ao dinheiro dos outros prémios ganhos no poker, como os nove mil euros correspondentes a um 5º lugar numa anterior etapa do SPT. “O que é que eu faço ao dinheiro? Poupo-o!”, responde.
É, sem dúvida, uma rapariga poupada. Filha única, continua a viver em casa dos pais, um bancário reformado e uma funcionária judicial. O dia passa-o entre os tribunais e o seu gabinete, que fica numa casa pintada a azul bebé, da avenida Afonso Henriques, em Matosinhos, partilhada com as três outras advogadas dobraço portuense da João Nabais & Associados. No final do dia, mete-se no seu Smart forfour e faz a A3 até Sato Tirso, onde passa a noite em casa – janta com os pais e depois passa religiosamente três horas em frente ao portátil a jogar poker online. A maioria dos fins de semana passa-os em hotéis, a jogar em torneios ao vivo. Catarina tem o relógio acertado pela nova hora da frugalidade.
O poker, recentemente considerado pelo Comité Olímpico Internacional como um desporto mental, a par do xadrez e do bridge, não foi a sua primeira escolha. Na adolescência praticou vários desportos. Começou por treinar a flexibilidade na ginástica rítmica, no Ginásio Clube de Santo Tirso. Passou pelo atletismo, onde as suas características de sprinter levaram o treinador a apostar nela para as provas de velocidade. Por último, jogou ténis, modalidade em que a força é um factor não negligenciável.
“Tinha jeito para o ténis, fazia umas esquerdas cruzadas engraçadas, mas não chegava a ser uma matadora. Quando se pôs a hipótese de me tornar federada fui estudar para Coimbra e deixei de jogar. Se calhar hoje já não apanho uma bola”, conta.
Ir para Direito não correspondeu exactamente à concretização de uma obsessão. Desportista como sempre foi, encarou seriamente a hipótese de cursar Educação Física. Como era boa em Humanidades, chegou a pôr em cima da mesa a possibilidade de fazer Jornalismo. E ainda teve um fraco pela Arquitectura. No meio de toda esta indecisão, em que não tinha a certeza absoluta do que queria fazer, quando chegou a hora da verdade, no 12º ano, acabou por dar ouvidos à voz do padrinho que a aconselhava a ir para Direito, argumentando tratar-se de um curso bastante generalista, que poderia dar bases e abrir portas para diversas profissões.
Foi para Direito animada pelo espírito “vamos andando e vamos vendo” . Como o curso do Porto ainda estava muito verde, inscreveu-se em Coimbra, onde passava a semana num T1 alugado. Só durante a Queima é que não se metia se metia no comboio para ir a casa aos fins de semana. Uma vida pacata, em que deu razão ao fado que diz que Coimbra tem mais encanto na hora da despedida. “Só quando acabei o curso, no ano 2000, é que senti saudades de Coimbra”, confessa.
Acabado o curso, durante o qual se foi gradualmente apaixonando pelo Direito, fez uma pós graduação em Fiscal na Católica e recolheu-se a Santo Tirso, onde passou uns bons quatro meses à procura de um sítio para estágio, até que começou a acompanhar com telefonemas “Então como é?” o envio dos curriculuns – e do escritório de João Nabais veio o convite para uma entrevista com o fundador da sociedade. Estávamos em Dezembro de 2005 e Catarina fez o estágio e ficou por lá.
O primeiro caso, em que defendeu um arguido acusado de tráfico de estupefacientes, acabou por correr “menos mal” – a pena não foi tão elevada como podia ter sido e ainda baixou com o recurso. Apesar da especialização em Fiscal, ela faz mais Penal e Administrativo mas isso não a incomoda, pois anda satisfeita com a vida que tem.
Catarina nunca tinha sido uma jogadora de cartas. Quando muito, num ou outro fim de semana, era capaz de jogar à sueca com os amigos no OK Bar, o café de Santo Tirso onde paravam. Até que um dos amigos trouxe para a mesa a novidade do poker. Começaram a jogar, a cafés e rebuçados, e entusiasmaram-se com o novo jogo, ao ponto de não demorarem muito até que, há coisa de três anos começarem a entrar em torneios online e logo foi público e notório que Catarina era dotada para o poker.
Em 2007 começou deixou de jogar apenas online e começou a participar em torneios ao vivo, com tão bons resultados a Everest decidiu patrociná-la, poupando-lhes despesas com viagens e inscrições, uma aposta que a vitória em Aranjuez provou ser acertada.
A sorte não é, de acordo com Catarina, um factor que pese decisivamente no poker. “Ao longo dos anos, nós todos vamos acabar por receber as mesmas cartas”, explica. O cálculo das probabilidades já é importante. “Os adversários procuram disfarçar as cartas. Nós temos de tentar perceber qual é a mão dele através das suas apostas e reacções”.
A psicologia é fundamental para o sucesso desta tentativa permanente de ler o jogo e reacções do adversário, que implica conhecer-lhes os hábitos e estudar os montantes que aposta quando está forte e quando está fraco. “Há momentos em que é muito difícil disfarçar as emoções. Um movimento dos olhas pode ser revelador e susceptível de ser interpretado. Um ligeiro tremor na camisa indicia um aumento da pulsação, traído pela jugular”, diz.
Para disfarçarem as emoções, muitos jogadores põem óculos escuros e/ou chapéus. Catarina não usa qualquer desses recursos e joga sempre de cara descoberta. Para se distrair, brinca com as fichas e põe os phones para ouvir a dieta musical variada que tem no iPod: REM, Pearl Jam, Jorge Palma, Gotham Project, Mafalda Veiga, Counting Crows, etc
Catarina aprecia jogadores como Phil Ivey ou Patrick Antonius, que cultivam o low profile: “Não são exuberantes. “O mundo pode estar a ruir, que eles continuam impassíveis. Não abusam da matemática. Sabem ler os outros e são intuitivos”.
“O poker é essencialmente sobre a gestão de emoções. Ao longo dos quatro anos em que jogo, aprendi a controlar as minhas emoções o que fez de mim uma melhor advogada. Quer no tribunal, quer na mesa de jogo, consigo não exteriorizar quando estou forte e não entrar em pânico quando estou fraca”, conclui Catarina, que apesar de ter adoptado o nick Katrina para os jogos online, está longe de ser um furacão. É uma jogadora concentrada e cuidadosa, que tem dois objectivos: evitar a todo o custo ficar broke e jogar torneios cada vez maiores, talvez regressando a Las Vegas (onde esteve uma dúzia de dias, no ano passado, a jogar no Rio) para jogar no main event das World Series. Se calhar Queen of Hearts (alcunha que recebeu após ter feito duas cores de copas num curto espaço de tempo) era-lhe mais apropriado para nick que o nome do furacão que destruiu Nova Orleães.
Como não sou lampião nem papista, estou neutral como a Suíça na teima sobre se o Bento XVI reuniu mais gente no Terreiro do Paço do que Jesus no Marquês do Pombal. Tratando-se de dois acontecimentos raros e extraordinários, estou-me nas tintas para os excessos em que têm tropeçado alguns jornalistas, levados pelo arrebatador entusiasmo e cega fé benfiquista e/ou católica. Para atravessar esta semana, não precisei de gastar alguma da paciência que tenho em armazém, pois sei perfeitamente que o enfado derivado da vitória do Benfica e da visita papal não é nada comparado com o sofrimento aguentado por Jó, por causa de uma teima entre Deus e o Diabo.
Até me tenho divertido! A manchete do Record “O Mundo é do Benfica” desopilou-me a figadeira e, sem tomar qualquer substância ilícita!, fez-me imaginar estar rodeado por seres iguaizinhos ao ET do Spielberg. Ao apostar com o meu filho sobre qual a palavra (histórico/a ou juventude) de que os comentadores televisivos iriam abusar mais, senti-me transportado aos tempos em que nas idas a pé para o liceu cada um escolhia as duas primeiras letras de matrículas que lhe achávamos iam aparecer mais frequentemente no percurso.
Mas aqui e ali há coisas que me maçam, como o elogio do celibato feito pelo cardeal Saraiva Martins: “O padre não é uma pessoa frustrada. Não há nada mais belo que o celibato”. Lembrei-me logo da enxurrada de membros do clero envolvidos em comportamentos pedófilos e que por isso não partilham desta opinião. E não me parece bem que um homem que nunca molhou o pincel se ponha opinar sobre o assunto. É como as crianças que dizem que a carne é melhor que o peixe - que não comem porque dizem que não gostam, apesar de nunca terem provado.
Irritam-me solenemente as excepcionais medidas de segurança que têm efeitos tão perniciosos como os idosos da freguesia da Sé, no Porto, irem ficar amanhã privados de almoço, por estar proibida a circulação no bairro da carrinha que distribui as refeições ao domicilio.
Mas tenho-me entretido a descobrir o lado positivo dalgumas idiotices. As restrições ao estacionamento e circulação podem entusiasmar lisboetas e portuenses a usar mais vezes os transportes públicos. Os ecopontos e os sítios à sua volta vão deixar de estar nojentos. O prejuízo (37 milhões de euros/dia) provocado pela tolerância de ponto é amortecido pelo incremento do turismo interno. E ficou cientificamente demonstrado que Bento XVI vende pior que João Paulo II. Para conseguir alugar amanhã os quartos com vista para os Aliados, onde o papa vai dar missa, o dono da Pensão Universal teve de baixar o preço para 80 euros. A 300 euros ninguém lhes pegava!
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Notícias