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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Não mexas que é pior

O caso aconteceu logo na noite de estreia da peça levada à cena por um grupo de teatro amador dos arredores do Porto. A raiz do problema esteve no improviso achado para remediar a ausência no elenco de um actor com idade suficiente para desempenhar o papel de avô da protagonista - uma jovem viçosa e muito bem apessoada.

Como quem não tem cão caça com gato, o encenador tratou de arranjar uma barba postiça e uma almofada para disfarçar no papel de avô um rapaz tão moço quanto a actriz principal.

Sucede que, na estrita observância do argumento, a atraente actriz principal passava quase todo o segundo acto aconchegada no colo do avô.

Ora um homem não é de ferro. E a cabeça do falso avô - na realidade um jovem naquela terrível idade em que as hormonas não param de saltar - mostrou-se absolutamente incapaz de controlar a manifestação física da febril excitação sexual provocada pelo contínuo e voluptuoso esfreganço na sua fábrica do quente e aconchegado traseiro da rapariga.

Quando ela saiu do seu colo e ele também teve de se levantar, foi claro para todos os espectadores que havia mais uma coisa de pé no palco para além dos dois actores.

"Não mexas que é pior", foi a recomendação gritada da plateia por um espectador, mal viu o atrapalhado rapaz a descompor a almofada que fazia de barriga ao meter a mão por dentro das calças, na vã tentativa de disfarçar o volume que despertava a risota geral.

O episódio que acabo de contar é uma anedota romanceada. Desconheço se tem ou não um fundo verídico. Mas o conselho que serve de moral da história é bom e pode ser aplicado a diferentes esferas da nossa actividade.

Devemos sempre pensar duas vezes antes de mexer, porque boa parte dos nossos actos adquirem um estado de irreversibilidade. É impossível voltar a meter dentro do tubo a pasta de dentes a mais que saltou para fora por termos pressionado com força excessiva. Quantas vezes não nos arrependemos amargamente depois de clicar na tecla enviar ou publicar, quando o destino do email que escrevemos ou do comentário que fizemos no Facebook já deixou de estar nas nossas mãos.

A decisão de Passos Coelho de iniciar uma cruzada para dotar de paredes de vidro a administração pública, ao publicitar no site do Governo os nomes, idades e vencimentos de todos os nomeados, foi manchada pela trapalhada que envolveu a quantidade de motoristas ao serviço do gabinete do primeiro-ministro - que começaram por ser 14, diminuindo depois para 11 - e a desculpa esfarrapada fornecida, que a culpa foi de Sócrates.... Às vezes, o melhor é mesmo não mexer, como aconselhou o atento espectador da anedota.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

 

A bonita caligrafia do meu pai

NA GERAÇÃO do meu pai era usual passar a vida com a mesma profissão e emprego. Na minha geração ainda é viável ter uma única profissão mas a trabalhar em diferentes empresas.

O meu pai, Alfredo da Costa Fiel, tinha uma caligrafia muito bonita e caprichava nela. Tratava-se de brio profissional, pois era escriturário da Secção de Pessoal do STCP.

Durante toda a vida registou com a sua letra desenhada, em livros volumosos, todas as ocorrências - faltas, atrasos, participações, folgas e férias - com motoristas, cobradores e inspectores e demais trabalhadores da empresa.

Foi para escriturário por ser cábula. Como estava a demorar mais tempo que o razoável a concluir o secundário, o meu avô, Jaime da Ressurreição Fiel, inspector do STCP, pô-lo a trabalhar, arranjando-lhe emprego na sua empresa - onde sabia a quem devia meter uma cunha.

O meu pai teve apenas uma profissão (escriturário) e um patrão (o STCP) desde que deixou o Colégio Almeida Garrett até, poucos anos após 25 de Abril, sido reformado antecipadamente, vítima pela massificação das máquinas de escrever electrónicas, que tornaram tecnologicamente obsoleta a sua bonita e bem desenhada caligrafia.

Na geração dele, uma pessoa atravessava a vida munido de uma única profissão e trabalhando numa única empresa.

Na minha geração já não está a ser assim. Entusiasmado com a perspectiva de conhecer gente variada e de viajar muito e à borla, apostei em ser jornalista ainda antes de acabar o curso.

Como não sou daquele tipo de pessoas que olha para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único, estou em crer que vou conseguir chegar ao fim da minha vida de trabalho desempenhando uma única profissão, a de jornalista.

Mas ao contrário do que acontecia na geração do meu pai, na minha geração é impossível uma pessoa manter-se no mesmo emprego durante toda a vida.

Ao longo dos 32 anos que levo como jornalista, já trabalhei em nove empresas (na foto que encima este post estava em 1982 no Comércio do Porto) , com os mais variados vínculos laborais, já estive contratado a prazo, já fui biscateiro, escrevi notícias, histórias e crónicas, em diários semanários e revistas, sobre quase tudo, desde o desporto até economia, passando pela política e casos do dia.

Na geração do meu pai era usual passar a vida com a mesma profissão e emprego. Na minha geração ainda é viável ter uma única profissão mas a trabalhar em diferentes empresas. Na geração dos nossos filhos será impensável manter-se no mercado de trabalho com a mesma profissão durante toda a vida.

Teimar em recusar uma flexibilização da legislação laboral que facilite a contratação e o despedimento é ignorar os sinais enviados por um mundo em louca aceleração, em que as dez profissões mais procuradas nos EUA não existiam em 2004 - e em que as escolas estão a preparar estudantes para empregos e profissões que ainda não foram criados, em que usarão tecnologias que ainda não foram inventadas, para resolver problemas ainda não equacionados.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

É preciso parar de construir

A CONSTRUÇÃO na periferia de estradas, escolas, hospitais e centros comerciais fez com que as duas mais importantes áreas metropolitanas do país passassem a ser aglomerados policêntricos

As 350 mil casas que estão à venda demorariam três anos a escoar se, no entretanto, as imobiliárias não continuassem a encharcar o mercado com mais oferta (a fileira da construção tem uma velocidade de travagem em tudo idêntica à dos superpetroleiros) - e se o ritmo das vendas se mantivesse igual ao de 2010, o que é altamente improvável, pois, para ressuscitar o arrendamento, a troika impôs medidas que penalizam a propriedade e a banca passou da fase em que andava atrás de nós para nos emprestar dinheiro para a de andar atrás do nosso dinheiro.

Não é preciso ser um Einstein para perceber que já terminou o tempo em que as áreas metropolitanas do Porto e Lisboa cresceram anarquicamente como manchas de azeite, fazendo a fortuna de empreiteiros habilidosos e o upgrade de patos-bravos. Agora é preciso parar de construir e passar a reabilitar.

Um país com a dívida soberana classificada como lixo não se pode dar ao luxo de ter um milhão de habitações a precisar de obras e 100 mil milhões de euros empatados em casas vazias. No coração do Porto há 15 mil edifícios a cair. Do total de 55 350 edifícios existentes em Lisboa, 4618 (8%) estão abandonados e 7700 ameaçam ruir.

Face a esta situação é impossível não achar estranho que, apesar do programa de obras no Parque Escolar promovido pelo Governo Sócrates, a reabilitação pese menos de 7% no nosso mercado construção, quando em Espanha vale 29% e a média europeia é de 36%. Requalificar, reordenar e reabilitar são as soluções para desatar o nó complexo que nos impede de progredir.

Após o 25 de Abril, as cidades portuguesas cresceram de uma forma caótica e desordenada. O congelamento das rendas, decretado no Estado Novo e mantido pela jovem democracia, teve o efeito perverso de ser o pai de uma explosão desordenada e difusa das periferias de Lisboa e Porto.

Favorecidas pelo forte aumento do poder de compra, democratização do automóvel e multiplicação de vias rápidas e auto-estradas, as periferias das grandes cidades esvaziaram os centros urbanos tradicionais, assumindo o papel de poderoso imã que atraiu dezenas de milhares de jovens casais.

A construção na periferia de estradas, escolas, hospitais e centros comerciais, para servir as populações em movimento, fez com que as duas mais importantes áreas metropolitanas portuguesas passassem a ser aglomerados urbanos policêntricos.

A desertificação dos centros cívicos e os movimentos centrífugos dos últimos 30 anos têm de ser contrariados por um esforço de ressurgimento dos centros históricos, criando condições para que eles voltem a ser habitados e tenham uma vida activa para além das horas de expediente dos serviços.

Este esforço centrípeto é essencial para manter o Porto como um destino «trendy» para os turistas estrangeiros e para que seja restabelecido o equilíbrio ecológico na malha urbana.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

 

Tenho uma namorada nova

Estou careca de saber que a Isabel não vai levar nada a bem este título. Para amaciar o meu regresso a casa (hoje, como estou de fecho, vai ser tarde, já na terça-feira, o que acaba por ser uma vantagem, pode ser que ela já esteja a dormir), prudentemente resolvi substituir a minha foto com 54 anos por uma outra do tempo em que estava a deixar de ser analfabeto na escola da Junta do Bonfim, no Campo 24 de Agosto.

Nesta Europa da crise e da abundância, o único factor que se está a tornar escasso é a atenção humana. Está tudo estudado. No máximo, as pessoas demoram 15 a 20 minutos por dia a ler o seu jornal. Para ter uma boa hipótese de ser lido por um número razoável (5%?) do milhão de leitores JN, achei melhor apetrechar-me com um título sexy e uma fotografia apelativa. A vida é mesmo assim. Para sobreviver nesta selva da palavra escrita, um homem tem de dar nas vistas - não é por os alegados autores serem Saramagos ou Lobo Antunes que os livros assinados por figuras televisivas entram directo no top de vendas FNAC e lá se eternizam...

Ou seja, não é verdade que tenha uma namorada nova, mas estou a viver uma sensação que é prima remota desse magnífico estado de transporte.

E o objecto deste enamoramento não é a Scarlett Johansson mas antes o Governo Passos Coelho, que, salvaguardadas as devidas distâncias, é tão novo nas suas quase sete semanas de vida como era a actual actriz fetiche de Woody Allen quando me devastou no imperdível Lost in Translation.

Ao tomar conhecimento dos tiques, toques e idiossincrasias dos novos governantes sinto-me um adolescente a descobrir os cheiros, manias, virtudes e defeitos de uma namorada nova.

Estou convencido de que é genuíno o tique Massamá/muamba do carácter frugal de um primeiro-ministro casado com uma fisioterapeuta guineense de anca larga que não se importa de desmentir o "Povo Livre" no lamentável episódio do "desvio colossal" e faz questão em viajar em económica nos voos europeus.

Não consigo disfarçar a minha admiração por um ministro da Economia que teima em visitar empresas, pede para lhe chamarem Álvaro e não renega as opiniões desassombradas que deixou escritas em artigos, livros e blogues.

Aprecio muito o sentido de humor Monty Python de um ministro das Finanças que expressa pausadamente um raciocínio fluído - e usa sempre fatos dois números acima do seu e umas olheiras que só podem ser um certificado de stakhanovismo (na dúvida sobre o significado desta expressão, faça o favor de consultar o Google).

Nunca pediria namoro a Assunção Cristas, mas estou em crer que ela deve ser uma óptima dona de casa, uma rapariga poupada, adequada aos novos e rigorosos tempos em que todos tentamos sobreviver.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

O fato de treino de Belmiro

Terá Manuel Braga da Cruz dimensionado que com o seu dress code afastaria da Católica Mark Zuckerberger, pois o genial inventor do Facebook não dispensava os chinelos de piscina?

A minha consideração pelo engenheiro Belmiro já era elevada, mas subiu uma data de pontos naquela tarde de um sábado de Verão, em 1990, no lanche que se seguiu a uma partida-exibição de Boris Becker numa quadra de ténis improvisada no Estádio do Bessa.

A organização era do falecido Banco Fonsecas & Burnay, à época presidido por Pedro Rebelo de Sousa, que tratou de juntar no evento a fina flor da sociedade e finança de Lisboa e do Porto.

Já não me recordo se o convite incluía ou não dress code, mas pelo sim, pelo não, optei por fardar-me com um blazer, na observância da regra número 1 da minha política de indumentária que se resume numa palavra (camuflagem) e consiste em usar roupa que não chame a atenção.

A opção pelo blazer foi acertadíssima. Os convidados do Rebelo de Sousa mais novo trajavam todos o casual semichique, do estilo: casaco azul, camisa às riscas ou pólo (preferencialmente Lacoste ou Ralph Lauren), calças de algodão (na altura as vermelhas estavam muito na moda) e mocassins ou sapatos de vela.

Apesar do seu colorido fato de treino ser era o único ruído naquela paisagem homogénea, Belmiro aguentou firme e até ao fim a função social lanche/beberete, de copo na mão e ao lado da doutora Margarida, numa inequívoca demonstração de atitude - não consigo arranjar outra palavra que reúna o amor-próprio, ego, confiança e segurança que exalam deste comportamento.

Confesso a minha cobardia. Se chegasse de jeans, camisa de fralda de fora e crocs a uma sala cheia de gente de fato e gravata, eu engrenava logo a marcha-atrás e fugia do local a sete pés.

Para não arranhar a ideia bastante lisonjeira que tenho de mim próprio, convenci-me de que esta atitude (era precisamente por a mesma palavra poder significar coisas diferentes que Barthes qualificou a linguagem como fascista) de procurar sempre confundir-me com a paisagem é a mais adequada à minha condição de jornalista - que por definição deve ser um observador e não o centro das atenções.

Os códigos de vestuário estão cada vez menos rígidos e quase toda a gente já percebeu que também nesta matéria é preciso afrouxar o nó da gravata - no sentido figurado mas também literal.

Menos regras, mais flexibilidade e muito bom senso devem ser o alfa e o ómega da nossa actuação no século XXI.

Ao desaconselhar os alunos de frequentarem as aulas de calções e havaianas, a Universidade Católica está a revelar-nos que ficou presa no tempo, algures em meados do século XX. Terá Manuel Braga da Cruz dimensionado que com o seu dress code teria afastado da Católica Mark Zuckerberger, o genial inventor do Facebook, que não dispensava uns chinelos de piscina.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

O maravilhoso mundo dos porcos

“Qual é o nome deste animal?”, perguntou, espantado, o explorador James Cook ao ver um animal a deslocar-se aos saltos. “Kangooroo”, respondeu-lhe o nativo australiano, o que no seu dialecto queria dizer “não compreendo”. Foi deste equívoco linguístico que nasceu o nome comum desta espécie simpática.

Ao invés do canguru, o porco e o burro não tiverem sorte nenhuma com o baptismo, o que tem marcado  muito negativamente a existência destas duas classes de mamíferos pelas quais nutro uma enorme admiração.

Sei que o carinho que me inspiram burros e porcos se deve em boa parte ao complexo de Robin Hood que me habita desde pequenino e levou a que na infância sonhasse ser veterinário e na adolescência devorasse o essencial das obras de Marx (com excepção do inabordável Capital, o que me obrigou a aprender em vulgatas as bases económicas da teoria económica marxista), Lenine e Trotsky, para ficar apetrechado a integrar a vanguarda da revolução que poria termo às injustiças e desigualdades – e construir um mundo melhor.

Se eu e os revolucionários da minha geração não tivéssemos falhado estrondosamente esta tarefa, estou seriamente convencido que nesse mundo melhor se procederia a um rebranding dos burros, rebaptizando-os com um nome que fizesse justiça à sua imensa capacidade de trabalho e humildade, e dos porcos – relevando o papel absolutamente fundamental que eles têm nossas vidas.

A ternura que os porcos me inspiram, leva-me a acompanhar os desenvolvimentos da investigação científica sobre estes animais que constituem a matéria de um sem número de divinais iguarias, como o leitão assado, presunto, rojões, etc.

O hábito dos porcos se rebolarem na lama era explicado pela necessidade de manterem a pele fresca, pois não têm glândulas sudoríparas. Ora um estudo de um cientista holandês, publicado no Applied Animal Behavior Science, lança uma nova luz sobre a matéria ao garantir que os porcos se rebolam na lama para serem mais sexy (tal como as mulheres se maquilham ou os homens se perfumam) e assim atraírem os parceiros para a reprodução.

Na semana passada, cientistas sul-coreanos concluíram com sucesso a modificação genética de um porco de modo a aumentar as probabilidades de usar os seus órgãos em transplantes para seres humanos e diminuir as probabilidades de rejeição.

Partilho estas informações na esperança que elas vos ajudem a olhar de outra maneira para os porcos e a compreenderem porque é que às vezes, ao ler no nosso JN o relato de alguns actos cometido por membros da raça humana, me dá vontade de adaptar a famosa frase de Madame De Stael e desabafar: “Quanto mais conheço os homens, mais gosto dos porcos”.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

 

Joaquim Jorge

Arquimedes formulou o princípio que o celebrizou ao tirar a correcta ilação científica do facto da água transbordar à medida que o seu corpo mergulhava na banheira. O Eureka de Joaquim Jorge (mais conhecido por Jota Jota, ou tão só Jota) deu-se quando ele estava na cama da sua moradia, no centro de Gaia.

Por um lado, queria ter intervenção política e não estava bem a ver nem como nem aonde. Por outro, estava farto do formato habitual: “um político a falar durante mais de uma hora, metade de sala a dormir, no final três perguntinhas da assistência e está feito, vai tudo para casa”.

O Clube dos Pensadores (a madrinha foi Graça, a mulher com quem está casado há 27 anos) foi a solução para esta equação. “Votar não chega. É uma fórmula pobre de intervenção. Nós, os cidadãos, temos de questionar o poder e exigir aos políticos que nos prestem contas. Isto para mim é muito claro, mas parece que é escuro”, explica Jota, 53 anos (faz 54 a 30 de Agosto), que se licenciou em Biologia depois de ter andado no Colégio Brotero, e foi professor de Biologia no Secundário e na Escola Superior de Enfermagem.

Gaia é o centro de gravidade dele. É lá que vive e trabalha. E o GaiaHotel, na avenida da República, a sede onde se realizam os debates do Clube dos Pensadores. Mas nasceu e cresceu em São Mamede, onde o pai era o dono da Favorita e ele jogou andebol na Académica e futebol no Infesta. Talvez tenha sido por esta ligação a Matosinhos que escolheu almoçarmos no restaurante do seu amigo Zeferino, um transmontano de Mesão Frio que deitou âncora perto da lota.

Jota tem um farto curriculum de desportista (além do andebol e do futebol, foi campeão nacional de futsal pelos Dragões 85) e ainda continua a jogar futebol de sete, às 2ª e 6ª, em partidas em que também alinha Pedro Miguel, 22 anos, estudante de Engenharia, o seu filho único que passou pela formação do FC Porto, onde foi treinado por André Vilas-Boas.

“Nos dias de jogo vou para cama de gatas”, confessa, o que explica a disciplina com que encarou a refeição – não tocou no vinho, comeu um filete de pescada, metade do meio bife e metade da meia torta de limão feita por Maria, a mulher de Zeferino. Quer manter o peso nos 85 kg (mede 1m80) para poder continuar a jogar futebol duas vezes por semana.

A ideia do clube demorou apenas três meses a passar da potência ao acto. Em Março de 2006, Vicente Jorge Silva, dava o pontapé de saída para a actividade do Clube dos Pensadores que já promoveu 53 debates com gente tão diversa como Passos Coelho, Vítor Baía, Portas, Alegre, Santana Lopes, Carvalho da Silva, Medina Carreira, Louçã, Luis Filipe Menezes e João Jardim – e deu origem à publicação de dois livros.

Mais de cinco anos volvidos, o formato dos debates mantém-se inalterado. O convidado fala no máximo 20 minutos, após o que a iniciativa passa para a plateia. Cada interveniente tem três minutos para fazer uma pergunta. A sessão dura duas horas e termina às 23h30 em ponto.

“Os políticos deviam usar as orelhas para conquistar as pessoas – seduzir a ouvir e não só a falar. Mas não é isso que acontece. Nós temos duas orelhas e uma boca. Mas até parece que os políticos têm duas bocas e apenas uma orelha”, explica JJ, acrescentando que além dos debates o clube também é um blogue (clubedospensadores@blogspot.com) e um programa de rádio (4ª feira, entre as 19 e as 20h) no Rádio Clube de Matosinhos.

A estrutura é ligeira e flexível. Para ser membro (há cerca de 1500 inscritos) basta pagar um euro, ficando-se assim habilitado a receber, por mail e SMS, informação sobre as actividades do clube e a participar no jantar privado com o convidado que antecede o debate.

“Namoro com os cidadãos. Não estou casado com eles. Não há obrigações”, declara Jota que tem de puxar pela imaginação para financiar as actividades do clube sem ter de recorrer ao seu próprio bolso (o que acontece com alguma frequência). Bagão Félix, em Setembro, é o senhor que se segue.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Jornal de Notícias

 

 

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Dom Zeferino

Rua do Godinho 163, Matosinhos

Pataniscas de bacalhau … 3,00 euros

Água das Pedras ... 0,70

Lusitano (branco da Ervideira) … 6,50

1/2 Filetes de pescada com arroz de feijão … 9,00

Bife à D. Zeferino … 13,00

Tarte de limão.. 3,50

3 cafés ………………2,70

Total ……………….. 38,40 euros

 

Miguel Castro Silva

Na Bretanha, o carapau não chega a vir para terra. É apenas usado como isco. Isso explica o ar de espanto com que chef bretão Olivier Roellinger (três estrelas Michelin) perguntou “Ça se mange?” quando o Miguel lhe falou de carapau.

Foi esta conversa que deu origem ao tártaro de carapau com gengibre em sopa de coentros, um dos pratos do banquete que degustamos no Largo, o restaurante que Frederico Collares Pereira abriu no Chiado, entregando o comando da cozinha a este Miguel e confiando a  outro Miguel (Câncio Martins) a transformação dos claustros do Convento da Igreja dos Mártires num espaço onde o moderno e antigo se casam num ambiente especial. 

“Trata-se de um prato desagradavelmente saudável, azeite, limão, gengibre e o carapau, que é um peixe azul”, discorre Miguel Castro Silva, 50 anos, naquele tom sarcástico que o caracteriza, precisando que o gengibre entra só para emprestar frescura, não para dar sabor.

Filho de um oftalmologista português e de uma alemã, nasceu no Porto, onde estudou no Colégio Alemão. A música foi a sua primeira paixão. Amigo e vizinho de Rui Veloso, no Pinheiro Manso, teve uma banda com Toli (o baterista dos GNR) e sonhou ser pianista. As suas interpretações de peças de Mozart e Chopin fizeram dele o aluno favorito da Juventude Musical Portuguesa. Até que, aos 14 anos, “alguma coisa se fechou” e abandonou o piano.

Foi para Kiel, sob o pretexto de estudar Biologia Marinha. Mas o que ele queria mesmo era viver da música. Quando desistiu dos estudos, da Alemanha e do sonho de ser músico, fez a tropa em Santarém (para manter a nacionalidade portuguesa), e começou a trabalhar como product manager de um suíço. “ Nunca ganhei tanto dinheiro nem viajei tanto como durante esses cinco anos”, recorda. 

Por azar zangou-se com o suíço ao mesmo tempo que fechou a têxtil onde a mulher trabalhava. Estava com 30 anos e resolveu abrir um restaurante. Os anos 90 estavam a começar. Os primeiros tempos não foram fáceis.

“ Na altura, abrir um restaurante sem filetes de pescada ofendia a honra portuense. Fui insultado por cozinhar bacalhau com vinho do Porto”, conta Miguel, que atingiu a consagração com o Bull & Bear (o 3º dos seus restaurantes), eleito em 97 pelo Financial Times como um dos 25 melhores da Europa.

Quando há dois anos, Frederico Collares Pereira o desafiou a trocar Leça pela Lapa, já tinha as suas credenciais estabelecidas. Na viragem do milénio, a Academia Portuguesa de Gastronomia proclamou-o cozinheiro do ano. E a partir de 2007 passou a ter três receitas no Larouse Gastronomique.

José Quitério confessa não perceber como é que os portuenses não o impediram de se mudar para a capital: “No lugar deles tinha fechado a ponte da Arrábida”. Miguel explica a mudança, adaptando uma tirada de Cavaco: “Deixem-me cozinhar” (já estava farto de ser ao mesmo tempo chef e empresário de restauração).

Degustar um banquete na companhia do chef que inventou o que comemos e bebemos (um Dão branco, Paços dos Cunhas, em parceria com Carlos Lucas, e um Douro tinto, Cassa, em parceria com Rui Madeira) é um privilégio idêntico ao ver um filme com o realizador a comentar ao nosso lado.

Para memória futura aqui fica um relatório sintético de uma experiência inolvidável: creme de coentros com tomate assado (amuse bouche); vieiras grelhadas em infusão de dois azeites com colorau e alho (não descascado); lulinhas salteadas em azeite sobre batatas crocantes cozinhadas com pele (“Já me insultaram por ter tentado tirar esta entrada da lista”); tártaro de carapau;  risotto de rucola e robalo escalfado com lingueirão (“Ainda não tinha provado este prato. Às vezes não tenho paciência para a minha cozinha… “); carrilheiras de porco preto em vinho tinto com cominhos (“Tento ter sempre na lista alguns pratos bem portugueses”).

Para rematar três sobremesas: Parfait de amêndoa com molho moscatel; mousse de chocolate zero graus com praliné de avelã; gratinado de maçã com molho de baunilhas.

“Não gosto de fazer sobremesas. E como não as como, tenho tendência a fazer sobremesas pouco doces”, explica, antes de sintetizar numa frase a sua teoria: “Comer com prazer sem que isso signifique um exercício intelectual”.

Jorge Fiel

Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias

 

 

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Largo

Rua Serpa Pinto 104, Lisboa

Frederico Collares Pereira foi intransigente na decisão de não me deixar pagar. Quando insisti, explicando que era importante dar aos leitores uma ideia de quanto custaria fazer uma refeição destas, fez o seguinte exercício de preço por pessoa para um almoço em que dois comensais partilhassem um menu Largo e a sobremesa:

 Largo…  29,00

Água Chic 1 litro … 3,90

1 copo branco Paços dos Cunhas de Santar … 5,00

1 copo tinto Cassa … 5,50

Mousse chocolate … 5,50

1 café …. 2,00

Total … 50,90 euros

 

 

Curiosidades

 

Como a licença para iniciar as obras no Largo (um espaço que era usado como armazém de material eléctrico) demorou 18 meses a chegar, Miguel foi-se entretendo em formatar a lista da petisqueira lisboeta De Castro Elias, o restaurante onde Isabel dos Santos fechou o negócio de entrada na Zon – e gostou tanto da comida que contratou a cozinheira para o restaurante Ondah, em Luanda

 

“A América não é a Europa. E a Europa não é Portugal. Se Alain Ducasse viesse para cá, o restaurante dele fechava em três meses”, vaticina Miguel

 

“Desde miúdo que gostava de cozinhar”, confessa Miguel, que praticou muito com tachos e panelas durante os anos em que estudou e viveu na Alemanha, entre Kiel e Munique, já que cozinhava para os colegas com que partilhava o apartamento. “Assim não tinha de levantar a mesa e lavar os pratos, explica.

O Vaticano não perdoou a Eva

Mal se passa o cabo do meio século de existência, a tendência é para começarmos a abusar de frases começadas por "no meu tempo... " e seguidas por idiotices (o ar era mais arejado, o açúcar mais doce, a água mais aquosa...). O lado B da experiência de vida é o aumento exponencial da nossa capacidade de azucrinar o juízo às pessoas mais novas que por algum motivo são obrigadas a aturar-nos.

No meu tempo, as raparigas não podiam ir de calças para a escola, só havia um liceu misto no Porto (o Garcia de Orta), as telefonistas não podiam casar-se, os polícias eram velhos, pançudos e usavam todos bigode - e se alguém ousasse defender em público que as mulheres deviam ir para a tropa o mais provável era ser logo internado no Conde Ferreira, o hospital dos malucos.

Os tempos mudaram. Hoje, as mulheres podem ser polícias ou militares, e vestirem calças, saia ou calções. Mais. Toda a gente pode casar, até os gays. A única excepção são os padres e, vá lá, as freiras, que essas não podem escolher o noivo (são todas casadas com Deus).

As mulheres continuam a ser mais afectadas pelo desemprego e estarem sub-representadas nos postos de comando da política e das empresas - só há uma mulher a presidir a uma empresa do PSI 20 e duas entre onze ministros. Mas a eleição de Assunção Esteves para a presidência do Parlamento, aplaudida de pé, urbi et orbi, por gente de todos os credos, é sintomática do caminho já percorrido no sentido de conceder igualdade de oportunidades aos cidadãos dos dois sexos.

Em Portugal, depois do BCP ter deixado de usar o género como critério de admissão, a Igreja Católica passou a ser a única grande instituição a discriminar as mulheres.

E quando o patriarca de Lisboa tentou abrir uma janela neste quarto bafiento e obscuro da Igreja, ao afirmar que "teologicamente não há nenhum obstáculo à ordenação de mulheres", logo lhe caíram em cima os radicais do Vaticano, invocando as palavras escritas por João Paulo II - "Declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres e que esta sentença deve ser considerada definitiva por todos os fiéis da Igreja".

Transformar em dogma a discriminação das mulheres é teimar em mostrar a face retrógada de uma Igreja que nunca perdoou a Eva o alegado pecado original de ter levado Adão a cair na tentação de comer a maçã - e que se revela no carácter vingativo de hereditários de punições constantes do Génesis, como o "darás à luz com dor" ou o "ganharás o pão com o suor do teu rosto".

Se quiser pertencer a este tempo e ser atractiva para as novas gerações, o Vaticano tem de rever os dogmas do celibato dos padres e deixar de discriminar as mulheres, vedando-lhes o acesso ao sacerdócio.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no JN

Eu, galego do sul

Lisboa, no canto do cisne que nos atirou para o buraco negro em que sobrevivemos, persiste em agredir cegamente a cidade onde Portugal foi buscar o nome e a região que foi o seu berço.

Acho que todos nós, pelo menos uma vez na vida, nos interrogámos porque raio é que o bom do D. Afonso Henriques se virou para Sul, e não para o Norte, quando se tratou de dar forma e assegurar o espaço vital ao país que fundou a partir do Condado Portucalense.

Tenho boas razões para desconfiar que seríamos bem mais prósperos e felizes se o fundador e seus sucessores tivessem seguido a direcção indicada pela bússola em vez de terem ido por aí abaixo, de espada em punho, a fazer guerra aos mouros, só se detendo quando chegaram às praias algarvias.

O problema é que, apesar de imensamente sedutora, esta opção era desadequada, talvez até mesmo irrealista, à luz dos equilíbrios políticos da Península em meados do século XII.

A passividade com que o seu primo Afonso VII e a monarquia leonesa observaram a emancipação do Condado Portucalense deve-se ao facto de Afonso Henriques ter optado por combater o império almorávida, conduzindo os seus exércitos para além do Tejo.

Tivesse o fundador ousado atravessar o rio Minho, em vez de fazer guerra aos muçulmanos, e a realidade política da Península Ibérica seria hoje radicalmente diferente.

Por muito que nos custe, esse pecado original a que o nosso primeiro rei foi impelido deve-se a um pragmatismo que não lhe podemos censurar.

Hoje, quase nove séculos volvidos sobre o seu nascimento, Portugal combina uma invejável unidade linguística e as fronteiras mais estáveis e antigas da Europa com uma enorme diversidade de culturas, caracteres e paisagens.

Não é preciso ser antropólogo (basta ter olhos na cara) para constatar que um minhoto é muito parecido com um galego - e muito diferente de um alentejano ou algarvio. E não é preciso ser um geógrafo para observar, à vista desarmada, que a serra dos Candeeiros é a fronteira que cose dois países diferentes unidos há séculos pela política mas separados pela geografia e costumes.

Ignorante da história e da realidade do país que a sustenta, Lisboa, no canto do cisne do centralismo que nos atirou para o buraco negro em que sobrevivemos, persiste em agredir cegamente a cidade onde Portugal foi buscar o nome e região que foi o seu berço.

Quando se trata de portajar as Scuts, não começa pela mais antigas - mas pelas do Norte. E quando se trata de pôr em prática o criminoso plano de liquidação da rede ferroviária, começa por fechar a ligação Porto-Vigo - enquanto reabilita a linha das Vendas Novas.

É nestes momentos de revoltas, cada vez mais frequentes, que questiono a opção geográfica de Afonso Henriques - e me sinto mais um galego do sul do que um português do Norte.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no JN

 

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