Ainda sou do tempo dos sinaleiros, normalmente gordos, instalados em cima de um palanque, no meio do cruzamento, a esbracejarem mandando vir ou parar o trânsito, com a cabeça enfiada dentro daquele imponente capacete branco que lhes fez ganhar a alcunha de cabeças de giz. Mas, devo confessar, sou um fã dos semáforos.
O que me atrai nos semáforos é a simplicidade e universalidade do sistema. Não importa se estamos de carro ou a pé, em Nova Iorque, Cabul, Paris, Cartum ou Bogotá. O verde manda-nos seguir em frente e o amarelo avisa-nos de que o sinal vai passar ao vermelho que nos obriga a parar. Tão simples que até um analfabeto percebe. Claro que depois há variantes. Em Berlim, as luzes estão decoradas com uns bonecos patuscos. Em algumas cidades espanholas e em Lisboa, na zona da Expo, há semáforos que nos avisam quantos segundos faltam para mudar de cor. Em Los Angeles, se a manobra for feita com cuidado, é permitido virarmos à direita mesmo quando está vermelho. E há sinaléticas complementares inventadas em benefício de cegos ou daltónicos.
Nas coisas essenciais da nossa vida a simplicidade e fiabilidade são valores inestimáveis, mas lamentavelmente a esmagadora maioria dos políticos ou desconhece este princípio sábio ou não tem o bom senso de o observar quando, para mal dos nossos pecados, chegam a lugares de Governo com o peito cheio de ar e convencidos de que tudo quanto foi feito pelos seus antecessores está errado e tem de ser mudado.
Estou a falar de gente que até pode estar bem preparada e ser bem-intencionada (à partida temos de admitir tudo), mas que, se pudesse, na impossibilidade de fazer o negócio por ajuste direto, abria logo um concurso público para o fornecimento, chave na mão, de um novo sistema de semáforos, em o que o azul seria o novo sinónimo de proibição, o laranja substituiria o verde, enquanto que o amarelo passaria a cor-de-rosa.
Num país como o nosso em que ninguém sabe ao certo quantas leis existem e estão em vigor diplomas que se contradizem uns aos outros, manda a prudência que, em vez de produzir mais legislação, os deputados e ministros concentrem os seus esforços em desbastar a selva legislativa, mãe de um emaranhado de burocracia que nos prende os movimentos, entope os tribunais - e nem sequer aproveita aos advogados.
Destralhar o asfixiante e labiríntico edifício legislativo que habitamos é prioritário se queremos mesmo atacar um sistema de Justiça, com anedóticos indicadores de produtividade e em que ninguém confia. Como se consegue isso? Deixo ficar uma sugestão. No primeiro ano, os ministros deviam estar proibidos de legislar. E partir do segundo ano, só podiam fazer uma lei nova por cada duas velhas que eliminassem.
Jorge Fiel
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O Porto sofre de dupla personalidade. Cheguei a essa conclusão durante um almoço de polvo assado com o Tiago (o TAF do blogue A Baixa do Porto) numa esplanada da Ribeira, num daqueles belos dias ensolarados e mornos proporcionados pelo inverno do aquecimento global.
Passo a explicar. Os restaurantes e passeios estavam cheios de gente, mas eu e o Tiago devíamos ser os únicos clientes portuenses. O resto do pessoal tinha um T de turista tatuado na testa.
O Porto está na moda e ainda bem para todos. Para os que nos visitam, pois podem desvendar uma cidade diferente das outras, que tem para lhes oferecer coisas tão únicas como Serralves, a Casa da Música, as caves do vinho do Porto e muitos quilómetros de belos passeios à beira do rio ou do mar.
É também bom para nós, portuenses, porque beneficiamos da transfusão de vida e de dinheiro nas veias de uma metrópole que padece com a anemia geral que se apoderou da economia do país e com o vil desprezo a que os governos de Lisboa nos têm votado.
A animação da Baixa e da Ribeira, garantida noite e dia pelos turistas desembarcados pela Ryanair no Sá Carneiro e pelos 3500 estudantes estrangeiros que frequentam a Universidade do Porto, é uma das faces da doença que atacou a cidade.
O Centro Histórico e tradicional da cidade é vivido por turistas, viajantes e moradores temporários, com os habitantes locais a fazerem as vezes de figurantes num filme protagonizado pelas pontes, a torre dos Clérigos, os bares da Galeria de Paris, a francesinha e os finos de Super Bock, a livraria Lello, o Parque da Cidade e os magníficos painéis de azulejo que revestem as igrejas ou o átrio da estação de S. Bento.
O centro da cidade vivido pelos portuenses não é acessível a pé, mas sim de carro, e é constituído por um triângulo largo, que tem o NorteShopping/Mar Shopping/IKEA num vértice, o Arrábida/GaiaShopping/Corte Inglés no outro, e o Dolce Vita/Parque Nascente no terceiro. É nestas novas catedrais do consumo que a maioria dos portuenses faz as compras e gasta os tempos livres.
A dupla personalidade não é propriedade privada do Porto. Trata-se de uma doença que atinge outras cidades como a nossa que sofreram de um crescimento urbano acelerado e horizontal, caótico e difuso.
Esta expansão tipo mancha de óleo, potenciada pelas autoestradas, criou aglomerados com baixa densidade populacional, tipo cidade jardim, baseados no uso intensivo do automóvel, insustentáveis não só do ponto de vista ambiental, mas também da viabilidade de uma rede eficaz de transportes públicos.
A nossa qualidade de vida, o futuro do Planeta e o ressurgimento económico do Porto exigem a criação de condições para que os portuenses regressem à Baixa, voltando a habitar e viver o núcleo central da cidade, curando-a assim do distúrbio de dupla personalidade que a afeta
A Pasteleira é um bom sítio para viver. Tem um bosque precioso e um parque estupendo, está razoavelmente servido de transportes públicos e fica junto ao rio e ao mar, que proporcionam vistas deslumbrantes aos felizardos que moram nos andares altos das torres ou não têm casas à frente. É muito fixe.
Morei mais de 20 anos na Pasteleira e gostei muito. Só mudámos porque a senhoria não se mostrou recetiva à proposta de lhe comprar o andar que fiz quando achei chegado o momento de investir em casa própria a poupança de uma vida.
É bem portuguesa esta mania de ser dono da sua casa. Trata-se de uma tendência filha do casamento entre a drástica redução da oferta de casas para arrendar a preços razoáveis (provocada pelo congelamento das rendas) e a oferta bancária massiva de crédito a habitação a preços baratos.
O resultado é um mercado habitacional desequilibrado, onde menos de 20% das casas são arrendadas (na Holanda são 40%) e perto de metade dos contratos são de rendas inferiores a 60 euros/mês.
Não obstante, comprar casa pareceu-me a medida mais acertada, à luz do objetivo de abordar o período conturbado que se avizinhava com um passivo praticamente nulo e encargos fixos mensais reduzidos ao mínimo - ou seja, menos capitalizado, mas capaz de sobreviver com um rendimento baixo. Ao contrário do que muita gente pensa, austeridade e empobrecimento não são necessariamente sinónimos.
Quando em 2008, o ano da falência da Lehman nos pusemos em campo, definimos as características do alvo - T4, duas casas de banho (uma com janela exterior) preferencialmente na zona ocidental - e o limite da nossa oferta: 200 mil euros.
Após meio ano e dezenas de visitas, apaixonamo-nos por um T4+1 duplex na Boavista, desabitado há mais de uma dúzia de anos e a precisar de grandes obras. Negociámos o preço do imóvel e das obras de reabilitação, até em conjunto excederem apenas ligeiramente o nosso teto.
Os sistemas elétricos e de canalização foram feitos de novo. Ficámos com pena (e frio no Inverno) de não haver dinheiro para lareira, aquecimento central ou vidros duplos. Tivemos de poupar muito na cozinha e casas de banho. Aproveitámos ao máximo os materiais existentes. Mas vai fazer agora três anos que nos mudámos e estamos todos muito satisfeitos com a casa nova.
Com base nesta minha experiência, fico de boca aberta ao saber que a SRU pede 82 mil euros por um T0 na Ribeira e 310 mil euros por um T3 em Mouzinho da Silveira - e que não está a ganhar dinheiro, mas a tentar vender a preços do custo.
O que o Porto precisa não é de uma reabilitação urbana jacuzzi para ricos - até porque a maioria deles prefere morar na Foz -, mas de uma reabilitação low cost, que aumente a oferta de casas pequenas, práticas e baratas para quem gosta e quer viver no Centro Histórico.
Qual é o melhor disco dos Beatles? O Sgt Peppers ou o White Album? Saramago ou Lobo Antunes? O Porto 87 de Artur Jorge ou o Porto 04 de Mourinho? Paris ou Londres? Vinho branco jovem e frutado ou com madeira? Pelé ou Maradona? Antas ou Foz? Ronaldo ou Messi? Braga ou Guimarães? Tawny ou ruby?
Há milhares de questões tão fraturantes como estas que dividem colegas, amigos e familiares, proporcionando discussões intermináveis, em que os argumentos se vão desbobinando como cerejas.
Vem este introito a propósito da minha incapacidade em estabilizar uma opinião sobre qual é a mais bonita das pontes do Porto.
Tem dias em que me deixo comover pela extraordinária leveza da D. Maria Pia, uma das obras maiores de Eiffel, uma ponte "toda em renda de Bruxelas" (Teixeira de Pascoaes).
Mas o meu coração balança quando, seguindo em direção à Foz, deparo com o gigantesco arcaboiço dos dois tabuleiros da formosa ponte Luiz I, riscada por Teófilo Seyrig, que une o morro granítico da Sé com a escarpa da Serra e a Ribeira com o Cais de Gaia.
E fico baralhado em definitivo quando, após o Douro vencer a penúltima curva antes de chegar ao seu destino, surge a ponte da Arrábida e o audacioso e elegante arco com que Edgar Cardoso deixou de boca aberta o mundo da engenharia no dealbar dos anos 60.
Não tenho dúvidas sobre a composição do pódio, mas sim sobre o lugar que cada uma destas três pontes ocupa. Se tivesse de escolher agora mesmo, era capaz de colocar a da Arrábida no lugar mais alto.
A par da Torre dos Clérigos, de Nasoni, e da Casa da Música, de Rem Koolhaas, e do Museu de Serralves, de Álvaro Siza, as pontes são um emblema do Porto e também um barómetro revelador da importância relativa da cidade e da região no conjunto do país.
As duas mais antigas foram inauguradas com nove anos de intervalo - Maria Pia em 1877 e Luiz I em 1886 - no final de um século XIX, que foi um dos períodos mais prósperos da nossa região.
Os 77 anos que foi preciso esperar até à inauguração, em 1963, da terceira ponte, a da Arrábida, dizem tudo sobre a incapacidade da I República, o atrofiamento a que o Estado Novo submeteu o país, e a importância (praticamente nenhuma) que o centralismo lisboeta atribuía ao Porto.
As três pontes (S. João, Freixo e Infante) abertas em dez anos (95-05), retratam um período dourado de uma cidade orgulhosa de ter finalmente o seu sistema de metro, ser Capital Europeia da Cultura, ver o Centro Histórico proclamado Património da Humanidade e assistir à glória europeia do clube que leva o seu nome.
O novo esplendor do Porto e do Norte, que o ressurgimento cultural e das exportações prenuncia, ficará assinalado na História pela construção de mais pontes, em sentido literal e figurado, a coserem as duas margens do nosso rio, o Douro, que vai deixar de dividir - e passará a unir.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Andei sempre de Alfa ou Intercidades entre o Porto e Lisboa. Veterano de meia dúzia de anos com idas à segunda de manhã e regressos na sexta ao final da tarde, não tenho a menor dúvida de que o comboio é meio de transporte ideal entre as duas cidades.
Relativamente ao carro, o que se perde em flexibilidade de horários é amplamente compensado pelo muito que se ganha em segurança, tempo de trabalho ou descanso (ao volante não é conveniente ir a ler ou a dormir), dinheiro e custos ambientais.
O tempo que se demora é apenas ligeiramente superior ao que se consegue de automóvel, uma desvantagem que fica a dever-se apenas ao desperdício de 1,3 mil milhões de euros torrados nas obras inacabadas de renovação da Linha do Norte.
O Alfa, com capacidade para velocidades médias na ordem dos 200 km/hora, precisa de 2.45 h para fazer 300 km porque anda numa linha ultracongestionada onde circulam diariamente 591 comboios!
Este país com mais autoestradas por km2 (e menos km de linha eletrificada) é resultado da conjugação do labor do lóbi do betão com a inépcia da nossa classe política.
Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite tiraram o TGV do fundo da gaveta em que Ferreira do Amaral arrumou um projeto que tinha sido colocado em cima da mesa por João Oliveira Martins, o primeiro ministro das Obras Públicas de Cavaco.
Antes de bazar para Bruxelas, Durão acordou com Aznar, numa cimeira ibérica, não uma, nem duas, nem três, mas cinco linhas de TGV: Lisboa-Madrid, Porto-Vigo, Porto--Lisboa, Aveiro-Salamanca e Évora-Faro-Huelva.
O TGV não foi uma maluquice de Sócrates, que ganhou a primeira maioria absoluta do PS prometendo TGV mais Ota e conseguiu a reeleição batendo Ferreira Leite que cometeu o erro de transformar as legislativas num referendo nacional sobre a alta velocidade.
Nos últimos 15 anos, os governos conseguiram a proeza de desperdiçar dinheiro, ao ponto de deixarem a economia do país em pior estado que o chapéu de um trolha, e não construíram um só km de TGV, que tiveram a arte de diabolizar e passou a ser sinónimo de luxo supérfluo - apesar de estar em fase adiantada de construção em Marrocos.
Não é preciso ser um Einstein para perceber que a escalada louca do preço do petróleo e os custos ambientais do transporte rodoviário e individual aconselham investimentos em transportes públicos e ferroviários, movidos a energias limpas e renováveis.
Não tem de se chamar TGV. Os espanhóis batizaram-no de AVE. Não tem de andar a 350 km/hora. Bastam os tais 200 km/h de que fala Álvaro para as Linhas de Alta Prestação - e podemos chamar-lhe isso mesmo: LAP.
Mas arranjem p.f., e o mais depressa possível, LAP que escoem rapidamente mercadorias e pessoas, de Sines e Aveiro para Badajoz e Salamanca, e cosendo o litoral, de Setúbal a Vigo, amarrando os nossos portos e centros urbanos à rede de alta velocidade espanhola.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Não imaginam quanto lamento não ter o tempo nem o talento para digerir os 70 volumes e 700 apensos do caso BPN e escrever um thriller baseado nos factos reais da maior fraude portuguesa do século. A realidade supera sempre a ficção. Duvido que John Grisham fosse capaz de imaginar a cena do juiz presidente do coletivo ter de fazer uma coleta para comprar no IKEA uma estante para arrumar o processo - que lhe foi negada pela DG da Justiça.
A galeria de personagens é estupenda. Ken Follet teria de nascer duas vezes para conseguir inventar um naipe tão rico, denso e variado. No protagonista, Oliveira e Costa, que por alguma razão era conhecido na sua terra (Esgueira) como Zeca Diabo, e que munido de um cartão laranja subiu na vida ao ponto de chegar a secretário de Estado.
Saído do Governo de Cavaco, na sequência de um perdão fiscal mais que suspeito a empresas de Aveiro (Cerâmica Campos, Caves Aliança), foi recompensado pelo seu amigo com uma vice-presidência do BEI, apesar de ter uminglês ainda mais rudimentar que o de Zezé Camarinha.
Amigo do seu amigo, Costa comprou, em 2001, um lote de ações da SLN (dona do BPN), a 2,4 euros cada, que revendeu com prejuízo (a um euro/ação) ao amigo algarvio (o Aníbal, não o Zezé) e à filha dele. Menos de dois anos depois, Cavaco e Patrícia venderam as ações com um lucro de 140% - ele ganhou 147 mil euros, ela 209 mil. Nada mau.
Quando o naufrágio foi evidente, Zeca Diabo teve a dignidade de ir ao fundo com o barco, aceitou fazer de único responsável pelas patifarias. Em recompensa pela imolação, foi libertado devido "ao seu estado de saúde e por se encontrar em carência económica".
O elenco de atores secundários também é muito atraente e diversificado. Por exemplo, Manel Joaquim (Dias Loureiro), o filho de comerciantes de Linhares da Beira que chegou a ministro, conselheiro de Estado e administrador-executivo do BPN, carreira em que fez fortuna ao ponto de poder comprar, por 2,5 milhões de euros, à viúva de Jorge Mello, uma mansão no Monte Estoril.
Temos também Vítor Constâncio que, apesar de usar óculos e ser o governador do Banco de Portugal, foi o último a ver a falcatrua, anos depois da Deloitte, Exame e Jornal de Negócios terem alertado para o assunto.
E ainda Scolari, que recebia 800 mil euros/ano, Figo (apenas 400 mil/ano) e Vale e Azevedo, que sacou dois milhões (passaram-lhe o cheque antes de verificarem as garantias), e tantas outras figuras do nosso Gotha que lucraram com um banco que tinha balcões em gasolineiras e ativos tão extravagantes como 80 Mirós e uma coleção de arte egípcia.
O enredo é fabuloso. Dava um filme indiano. Só espero que, na venda ao BIC, o Estado tenha tido o bom senso de reservar os direitos de adaptação ao cinema desta história, que estou certo será disputada por Hollywood e Bollywood. Sempre será algum dinheiro que entra para minorar o prejuízo de seis mil milhões.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Agatha Christie, sim. Toda. Mas não só. Também Stanley Gardner, Rex Stout, Simenon, Chandler .... enfim toda a galeria de autores que a coleção Vampiro nos apresentou em livros de bolso baratos, com capas lindas (em particular as de Lima de Freitas) e encadernações péssimas.
Vampiro sim, mas não só. Também outros clássicos, como Poe, Conan Doyle ou Maurice Leblanc, ou não tão clássicos como a mais recente geração de autores nórdicos, inaugurada pelo imperdível Henning Mankell e colocada em órbita por Stieg Larson.
Fanático por policiais, não resisto a um bom mistério, como este que vou expor, protagonizado pelo Porto e a região de que é o principal centro de serviços e a porta de entrada e saída de gentes e mercadorias.
O Porto tem o mais elogiado aeroporto do país, o que mais cresce (carga e passageiros) e é regularmente eleito como um dos melhores do Mundo (senão mesmo o melhor), na sua categoria. Temos Leixões, o mais eficiente, lucrativo e cobiçado de todos os portos portugueses.
Temos indústrias tradicionais (têxtil, vestuário, calçado e metalomecânica, etc.) que souberam aguentar o impacto da globalização e fazer do Norte a única região do país que exporta mais do que importa.
Temos Amorim e Belmiro, os dois maiores empresários da geração pós 25 Abril, que se firmaram sem terem de ser levados ao colo pelo absurdo Condicionamento Industrial do Estado Novo.
Temos o vinho do Porto, produzido no Douro, declarado pela Unesco Património da Humanidade, e as duas marcas de produtos portugueses com maior notoriedade internacional (Mateus Rosé e Super Bock).
Temos Serralves e a Casa da Música, dois Pritzker, a escola de Arquitetura mais famosa do Mundo. Fomos o berço do rock português, uma linhagem que nasce com a dupla Tê/Veloso e inclui Abrunhosa e os GNR de Reininho.
Temos Manoel de Oliveira, o Fantasporto, as Curtas de Vila do Conde, o FITEI, o TN S. João, o Palácio de Vila Flor, o Theatro Circo e dois centros históricos (Guimarães e Porto) que a humanidade adotou.
Temos o F. C. Porto, a mais bem-sucedida e admirada das nossas equipas de futebol, que não é um eucalipto e soube acarinhar o crescimento do Sp. Braga, o clube do distrito mais jovem da Europa, que se afirma como o terceiro grande.
Temos a melhor, maior e mais internacional das universidades, a UP, bem no centro de uma competitiva teia de produção de conhecimento formada pelas suas congéneres de Aveiro, Braga e Trás- os-Montes.
Se temos tudo isto, se o Porto é o melhor destino turístico europeu 2012, se o Norte é a segunda região que mais contribui para a riqueza do país, por que é que continua a ser a mais pobre e negligenciada?
Este mistério tem duas explicações. A primeira é de que Porto e Norte têm excelentes jogadores, mas falta-lhes o líder que os transforme numa equipa vencedora. A segunda é que depois de darmos o nome ao país - e de dar a carne de primeira, para ficar com as tripas -, chegou a hora de dizer não aos chulos que vivem e prosperam com a mão metida no nosso bolso.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Neste dia em que celebramos a Ressurreição, sei que corro o risco de parecer herege ao citar James Joyce, que para modelo ideal de homem preferiu Ulisses a Jesus, que considerava incompleto por nunca ter casado.
Nos primeiros 30 anos de vida, Cristo levou uma existência apagada. Com José, o pai legal, aprendeu o ofício de carpinteiro. E estudou as Escrituras, como qualquer jovem judeu da época. Nos três últimos e extraordinários anos da sua vida, abundantemente documentados nos Evangelhos,foi bondoso com os enfermos e ajudou pobres, humilhados e ofendidos. Mas quanto a mulheres, apenas sabemos que perdoou a pecadora e libertou Maria Madalena dos "sete demónios". Não viveu com nenhuma.
Dou razão a Joyce. Viver com outra pessoa é uma das coisas mais difíceis que um homem tem de fazer. Obriga à busca permanente de consensos e equilíbrios entre direitos e obrigações e à generosidade de partilhar não só os bons momentos mas também aturar os maus.
Recordo Joyce e a vida de Cristo a propósito da muita hipocrisia e irresponsabilidade que anda no ar a propósito da ratificação do Tratado Orçamental, que 25 dos 27 membros da UE aprovaram a 2 de março,obrigando-se a transpor de forma permanente, para o ordenamento jurídico nacional, a regra de ouro do défice orçamental não exceder 0,5% do PIB e a divida pública ser inferior a 60% da riqueza nacional.
Vale a pena parar um pouco para pensar nisto, evitarmos cair na demagogia barata e sermos contaminados pela argumentação desonesta de políticos medrosos ou que, em respeito pelo seu passado, melhor fariam em estar calados e a gozar as delícias da reforma, abstendo-se de ser mal-educados e ainda por cima mandarem para nós a conta das multas por excesso de velocidade.
Perdidas as colónias, optamos por casar com a Europa. Em 86, fomos admitidos na CEE. De então para cá vivemos sempre acima das nossas possibilidades, beneficiando de um casamento acima da nossa classe, pelo que fomos dizendo sempre que sim quando chamados a reforçar os votos matrimoniais. Aplaudimos com entusiasmo o mercado único, a livre circulação de pessoas e mercadorias. Deliramos orgulhosos por nos deixarem entrar no clube restrito da moeda única.
Andamos felizes e contentes a esbanjar muito mais do que produzíamos até darmos por nós a balouçar à beira do abismo da falência. A Europa rica, com que estamos casados de livre vontade, deu-nos a mão, quando lhe pedimos ajuda, mas naturalmente impõe condições.
Digo naturalmente, fazendo coro com Campos e Cunha, quando o primeiro ministro das Finanças de Sócrates diz: "Uma vez que não nos soubemos governar é melhor aceitar a tutela".
Digo naturalmente, subscrevendo por baixo o exemplo luminoso que Teixeira dos Santos (sucessor de Campos e Cunha) dá aos seus alunos da FEP: "Não podemos estar casados e continuar a levar vida de solteiro".
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Tempo e dinheiro (a ordem é arbitrária) são duas das coisas mais preciosas que há nesta vida. A grande porra é que de dia para dia fica cada vez mais difícil desfrutar delas em simultâneo, num regime satisfatoriamente equilibrado. A abundância de tempo não faz a felicidade do milhão de portugueses desempregados e que, na sua imensa maioria, ambicionam ter trabalho.
Os desempregados têm tempo mas não têm dinheiro, enquanto que os felizardos como eu, que dão graças ao seu Deus por terem trabalho e chegarem ao fim do mês com o salário religiosamente depositado na conta, têm dinheiro, mas falta-lhes cada vez mais tempo livre.
"É porque hoje vou conseguir trabalhar menos de 12 horas", respondeu-me, noutro dia, um colega quando lhe perguntei por que é que andava com cara de Páscoa, ou seja com um ar alegre e jovial.
A má notícia é que não está para breve o fim deste nosso calvário. O desemprego vai continuar a aumentar e os bem-aventurados que conseguem manter um emprego vão ter de carregar a cruz de trabalhar cada vez mais e melhor, na esperança de que ocorra o milagre da ressurreição da nossa economia.
Amanhã é feriado, a Sexta-Feira Santa que antecede o domingo de Páscoa e assinala o julgamento, crucificação e morte de Cristo. Mas hoje, a quinta-feira que celebra os últimos momentos da vida de Jesus e a Última Ceia, já há muitos portugueses, em particular funcionários públicos (como, por exemplo, Cavaco e Passos, que anteciparam para ontem o seu habitual encontro semanal), que já não trabalham. É a tolerância de ponto.
Tolerância de ponto são palavras mágicas para todos os que incensam o direito à preguiça, os bons malandros que são licenciados em engenharia de pontes e estão na primeira linha da luta contra a redução dos feriados preconizada pelo Governo e com a qual eu estou completamente de acordo.
Trabalhar mais não resolve por si só o nosso grave problema de produtividade - mas ajuda muito. É uma condição necessária, mas não suficiente. Temos também todos de aprender a trabalhar melhor, um processo de aprendizagem permanente a que só a morte põe termo.
Cada feriado custa 37 milhões de euros e nós precisamos de produzir mais riqueza, não de a desperdiçar. É um abuso continuarmos a ter 14 feriados (sem contar com o Carnaval e as tolerâncias de ponto), quando os gregos vivem com 12, os franceses e alemães com dez, e os ingleses como oito. Na via-sacra que estamos a percorrer, é indefensável a manutenção de 140 dias de lazer por ano (entre férias, feriados e dias de descanso), ou seja trabalharmos apenas 62% dos dias. E não me parece bem queixarmo-nos da redução dos dias de férias de 25 para 22, quando os americanos se contentam com um máximo de 14 e os japoneses com apenas 11.
O caminho é doloroso, mas infelizmente não há outra maneira de voltarmos à vida e fazer a nossa economia despertar do estado comatoso em que a deixamos cair.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Os jardins do Polana, em Maputo, são um local encantador mas Américo Amorim já não estava a achar piada nenhuma ao assunto, apesar de desfrutar de uma calmante e bela vista do Índico. Na sua primeira visita a Moçambique desde a lua de mel, o que ele queria era fazer negócios, usando como testa de ponte a Mabor Moçambique, que lhe tinha caíra no regaço por via da aquisição da fábrica de Lousado da mais famosa marca portuguesa de pneus.
Ao todo éramos uma dúzia. Nesta viagem exploratória, Américo levava gente de várias áreas de negócio do seu grupo, desde a finança aos cabos elétricos, passando pela têxtil e hotelaria.
À imagem do seu líder, o grupo Amorim atravessava um período de expansão irrequieta e acelerada, mas o mesmo não acontecia com o serviço na esplanada do Polana, que em hora menos acertada foi escolhida para um almoço rápido.
O tempo anda mais devagar no relógio dos moçambicanos do que nos nossos, o que desesperava o empresário. O empregado demorou uma eternidade a fazer a primeira aparição, que apenas serviu para se inteirar do óbvio (queríamos almoçar), e uma outra eternidade a aparecer com as listas.
"São omeletas para todos", ordenou o homem mais rico de Portugal quando, após uma terceira eternidade, o empregado apareceu para tomar conta dos pedidos. À primeira fiquei surpreso, mas só precisei de segundos para racionalizar e aprender a lição. A tarde de trabalho teria ido pelo esgoto abaixo se cada um de nós stressasse com diferentes pedidos o empregado de mesa e o pessoal da cozinha.
Na Grécia Antiga, o berço da democracia, em épocas de emergência, os cônsules nomeavam um ditador para assumir o poder até a situação regressar à normalidade (para não ficarem com ideias, devo esclarecer que o ditador estava em funções por um período curto e era pessoalmente responsabilizado pelas decisões tomadas).
Lembrei-me de Américo Amorim (o melhor, a par de Belmiro de Azevedo, que emergiu na nossa classe empresarial após o 25 de Abril) a propósito do BPN, sem que isso tenha a ver com a curiosidade dele ter estado ligado ao seu parto (foi, em 93, um dos acionistas fundadores) e enterro (é acionista do BIC).
"Não tenho cultura para esse número, meu amigo", respondeu-me uma vez, quando lhe perguntei se era verdade que, para efeitos da sua privatização, a PT tinha sido avaliada em mil milhões de contos e que ele estava interessado em comprá-la.
Calcula-se que a conta final do BPN ande à volta de seis mil milhões de euros. Como, tal como o meu amigo Américo, não tenho cultura para estes números, só fiquei esclarecido sobre a real dimensão da tragédia quando soube que seis mil milhões de euros são, de acordo com um estudo da Visa,o impacto económico positivo dos Jogos de Londres 2012 na economia inglesa. Dito por outras palavras, para os nossos bolsos, o BPN são uma espécie de Olimpíadas. Só que ao contrário.