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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Vamos passar no intervalo da chuva

 

Via com alguma regularidade "O elo mais fraco" até uma qualquer luminária da RTP ter tido a infeliz ideia de substituir, na apresentação do concurso, o Malato pelo Pedro Granger - nada contra o rapaz, sucede apenas que, como ficou demonstrado, até metia dó pois era absolutamente desprovido de jeito para o assunto.

Uma das coisas que apreciava em "O elo mais fraco" era o facto de proporcionar um momento agradável de convívio familiar, em que nos divertíamos a testar a rapidez e estado da nossa memória, bem como a profundidade dos nossos conhecimentos.

A outra das coisas que me atraíam muito no concurso era analisar as razões que estavam por trás do processo de eliminação de um concorrente no final de cada ronda de perguntas.

Nem sempre era afastado o elo mais fraco, ou seja o que tinha errado mais respostas. E nem sempre me pareciam inocentes os motivos que levavam os outros concorrentes a mandar um colega pela borda fora.

Estar em frente às câmaras da televisão, pressionado pelo tempo e picado pelo apresentador, cheio de vontade de ganhar dinheiro e fazer boa figura perante centenas de milhares de pessoas e cheio de medo de fazer figura de urso inculto, é uma situação altamente geradora de stress e acredito que muitos concorrentes estejam de tal maneira concentrados na sua prestação que percam por completo a noção da performance dos outros - e por isso votem a expulsão de um colega que por algum motivo inconsciente lhe desagradava e até podia ter sido o elo mais forte.

Mas não raro, em particular quando já só restavam em jogo três ou quatro concorrentes, acontecia ser claro que dois ou três dos mais fracos se coligavam para afastar o mais forte da final. Acho isso uma pulhice,
uma entorse à moral (não à letra) das regras do jogo, mas a vida também é assim - um jogo em que temos de estar prevenidos para contornar pulhices e evitar que nos cravem facas nas costas.

A Grécia é o elo mais fraco da Zona Euro. Mal seja afastada - e, dizem os oráculos, a pergunta não é se vai abandonar o euro mas sim quando e como- , nós passamos a ser olhados como o elo mais fraco.

Empenhados em evitar que a saída da Grécia inicie uma espiral que leve à desintegração da moeda única, as sumidades que governam a UE têm--se desdobrado em esforços para construir firewalls , ou seja a empilhar montanhas absurdas de dinheiro que evitem o contágio desta tuberculose financeira da periferia até ao centro.

No meu entender, o coro de rumores preparatórios do resgate da Espanha e Itália deve ser lido como uma boa notícia para Portugal, pois tira-nos da berlinda e abre uma séria possibilidade de passarmos no intervalo da chuva - e de que a notícia de que vamos poder relaxar a austeridade, porque a troika decidiu finalmente dar-nos mais tempo e mais dinheiro, irá parar a um discreto fundo de uma página par do "Financial Times". À luz da minha teoria dos jogos, elaborada a partir de "O elo mais fraco", estou satisfeitíssimo por sairmos da primeira página.

JorgeFiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Agenda do crescimento e karaoke

Karaoke wrong number, um vídeo de Rachel Perry Welty, foi a peça que mais me divertiu e intrigou - pondo-me por isso a pensar, o que só pode fazer bem porque as pequenas celulazinhas cinzentas precisam de treino - da coleção do Institute of Contemporary Art (ICA), instalado num edifício de arquitetura arrojada, que desfruta de localização privilegiada, junto à baía de Boston, e eu tive a felicidade de visitar no último domingo - entrou diretamente para o meu top ten pessoal de museus, ao lado de Serralves e do Luisiana, nos arredores de Copenhague.

Sentada na beira da cama, tendo como cenário uma parede branca e banda sonora as mensagens que estranhos deixaram por engano no seu gravador de chamadas, Rachel captura a nossa atenção e dá-nos uma soberba lição de representação, durante os 6m52s que dura o vídeo ao dobrar magistralmente, com movimentos de lábios e expressões faciais e gestuais perfeitas, as diferentes vozes que se vão sucedendo, femininas ou masculinas, com sotaques, ritmos e intensidades diversas.

E é absolutamente impagável a cara neutra e expressão asséptica que ela consegue afivelar no intervalo ocupado pelos pis e a voz de continuidade do gravador de chamadas.

Estive uns bons 20 minutos a deliciar-me com o doce engano proporcionado pela riqueza das expressões de Rachel neste sofisticado exercício de playback. Tal como na presença de um bom ventríloquo, sabemos que não é o boneco que está a falar, apesar de nos parecer mesmo que as palavras e frases saem dos seus lábios.

A nova variante da grande ilusão introduzida por Rachel Perry Welty fez-me logo lembrar as mensagens corretas e formalmente bem articuladas que os líderes políticos treinam afincadamente para passar sempre que se acende à sua frente a luz de uma câmara de televisão.

Seguro quer uma agenda do crescimento e propõe que se afrouxe o nó da gravata da austeridade. Ninguém pode deixar de estar de acordo com estas propostas. Mais crescimento, menos austeridade. Mas nesta comunicação há um ruído idêntico ao do vídeo da Rachel, quando a cara, lábios e gestos dela imitam na perfeição a voz do estafeta negro que lhe deixou um recado, mas apesar disso nós sabemos que a realidade não é bem assim. Conhecem alguém que prefira o agravamento da austeridade ao crescimento económico? Conhecem alguém que não queira ganhar o jackpot do Euromilhões?

Todos (pelo menos quase todos) queremos viver melhor, trabalhar menos e ter mais dinheiro no banco e no bolso. Mas para o discurso da "agenda do crescimento" não soar a karaoke ou a truque de ventríloquo, seria conveniente destrocar a coisa por miúdos e elencar as ideias brilhantes que nos podem pôr de volta no trilho da prosperidade. Estou ansioso por ouvi-las, porque se a receita for a do costume (aumento da despesa e da dívida pública) sou capaz de passar a preferir aguentar o frio do pacote de austeridade ditado pela troika

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Terceiro calhau a contar do Sol

O Sol vai engolir a Terra - garante um cientista português - mas isso não me aquece nem me arrefece, apesar de acreditar piamente que ele esteja cobertinho de razão. Tiago Campante estudou o enquadramento e futuro do Sol, a partir de uma análise de 500 estrelas do tipo solar, e concluiu que dentro de quatro mil milhões de anos a estrela central do nosso sistema vai aumentar de tamanho e de luminosidade de uma tal forma que os seus  raios atingirão a órbita do nosso Planeta, que desaparecerá num horrível Inferno.

Não me atrevendo a duvidar, por um só segundo que seja, do rigor científico da antevisão deste nosso compatriota, a verdade é que estou mais preocupado com as previsões do World Wide Fund for Nature de que se continuarmos a consumir a este ritmo os recursos naturais, em 2030 vão ser precisas duas Terras.

Há cerca de 90 anos, quando a Humanidade ainda vivia dentro dos limites renováveis do nosso Planeta (gastava apenas metade da capacidade regenerativa da Terra), John Maynard Keynes escreveu uma frase - "No longo prazo estamos todos mortos" - que teima em não sair de moda. Infelizmente, este desabafo tem servido de catecismo a uma série de desmandos, como está demonstrado pelo nível asfixiante da nossa dívida pública.

Apesar de completamente desresponsabilizante relativamente às gerações futuras, a elaboração em cima da máxima keynesiana é, sem dúvida, muito sedutora. Como no longo prazo estamos todos mortos, só nos devemos preocupar com o que a nossa vista alcança. Por isso, podemos endividar-nos e consumir alegremente como se não houvesse amanhã.

O problema é que o Mundo acelerou de tal maneira que o longo prazo se transformou em médio prazo e o curto prazo passou a ser já amanhã. 2030 fica já ali ao virar da esquina e, apesar das maravilhosas invenções que o cérebro humano tem sido capaz de gerar, penso que ninguém acredita que seja possível duplicarmos em menos de 20 anos os recursos naturais deste terceiro calhau a contar do Sol.

Por isso, seria inteligente dedicarmos pelo menos tanta atenção à conferência Rio+20, organizada pela Nações Unidas, como ao desfecho das novas eleições gregas, ao tsunami que varre a Banca espanhola ou à análise da nossa execução orçamental no primeiro trimestre.

Se não formos capazes de inverter os atuais (e vorazes) padrões de consumo, adotando uma vida mais austera, reduzindo a nossa pegada ecológica e poupando os cada vez mais escassos recursos naturais, a menor das nossas dores de cabeça será o aumento galopante do desemprego e o súbito empobrecimento provocado por uma eventual saída do euro.

O real problema é que a continuarmos assim destruiremos o nosso Planeta no curto espaço de duas ou três gerações. Ou seja, a Terra não durará os quatro mil milhões de anos necessários para ser engolida pelo Sol e dar razão ao nosso cientista.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Relvas e o anticiclone dos Açores

 

Quando era miúdo, sentir a voz dos nossos egrégios avós não me chegava. As glórias do passado sabiam a pouco. Queria motivos contemporâneos, mas o presente era avarento em razões para me orgulhar de ser português.

Éramos o maior produtor mundial de cortiça, tínhamos a Amália, o Eusébio e o anticiclone dos Açores, mas quem nos levava à vitória eram os Adriões, Rendeiros e Livramentos, que, de stick na mão, conquistavam torneios de Montreux, Europeus e Mundiais, levantando de novo o esplendor de Portugal em duelos apaixonantes com a Espanha, novas Aljubarrotas transmitidas em direto em emocionantes relatos feitos por grandes vozes da rádio, como Artur Agostinho.

À ilusão alimentada pela glória nos rinques sucedeu a desilusão quando percebi que o hóquei em patins é uma coisa de trazer por casa, com muito menos impacto internacional que o curling, que é um desporto olímpico.

O interesse pelo hóquei resume-se a Portugal, Espanha, Itália, parte da Argentina e o Sertãozinho, no Brasil. Para o resto do mundo está ao nível do carolo em pista coberta.

O joelho traiu Eusébio, a voz traiu Amália e o mundo não estremecia de admiração perante as nossas vitórias no hóquei. De desilusão em desilusão, temi que a importância que o anticiclone dos Açores tinha no Boletim Meteorológico tivesse sido hiperbolizada pelo Anthímio de Azevedo e o Olavo Rasquinho.

Mas não. O anticiclone dos Açores, na sua qualidade de grande centro de altas pressões, influencia benignamente o tempo e o clima em vastas regiões do Norte de África, Europa e América, ao contrariar a ação nefasta do ciclone da Islândia.

As pressões, sejam altas, médias ou modestas, não existem só na atmosfera e podem ser virtuosas. Eu, por exemplo, pressiono o meu filho João a estudar, para ser melhor aluno. E a tática da pressão alta, introduzida por Mourinho, deu excelentes resultados no FC Porto.

Os empreiteiros e banqueiros pressionaram os governos para obterem contratos ultravantajosos nas PPP. O mal não está em terem feito pressão, mas sim em os terem conseguido, porque o dinheiro de que os governantes tão facilmente abdicaram não era deles, mas nosso - dinheiros públicos que deviam ser sagrados e foram desbaratados em contratos suspeitos.

Políticos, empresários, dirigentes desportivos, agentes culturais e profissionais de comunicação pressionam jornalistas para colocarem as suas ações e ideias sob uma luz mais favorável nos media. Estão no papel deles. E nós, jornalistas, estamos no papel de não ceder a pressões que contrariem o interesse do público que nos lê ou ouve.

Pressões podem acarretar consumições (o Relvas que o diga), mas não são necessariamente más ações. Ponham os olhos no anticiclone dos Açores, que é um centro de altas pressões e é geralmente sinónimo de bom tempo, céu limpo, calor ameno e nada de chuva - e é disso mesmo que nós, heróis do mar e nobre povo, estamos mesmo a precisar.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

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