No sábado, primeiro dia de dezembro de 1640, quarenta fidalgos levaram a cabo um bem sucedido golpe palaciano, defenestrando Miguel de Vasconcelos, o representante em Lisboa do governo de Madrid, chefiado pelo conde-duque de Olivares, e aclamando rei D. João duque de Bragança.
Esta versão resumida da Restauração tem, de acordo com os historiadores, uma pequena incorreção (os conjurados seriam 107, não apenas 40), mas todos eles sublinham que o sucesso do golpe se ficou a dever ao facto de na primavera desse ano de 1640 ter rebentado uma rebelião da Catalunha, cujo esmagamento os conselheiros de Filipe IV consideraram prioritário sobre uma intervenção em Portugal.
Ou seja, se não fossem os catalães, muito provavelmente Portugal seria agora mais uma das autonomias de Espanha, tal como a Galiza ou o País Basco, em tensão permanente com o centralismo castelhano.
Apesar de não ter a certeza de que estejamos melhor a ser explorados por Lisboa em vez de por Madrid, sempre senti uma enorme simpatia pelos catalães que involuntariamente favoreceram a nossa libertação. Torço pelo Barça, que é o meu segundo clube. O Viatge a Itaca, de Lluis Llach, está no meu top ten dos melhores álbuns de sempre. Sou viciado nos policiais de Vásquez Montalbán. E, sim, Madrid é uma bela cidade, mas Barcelona, bem Barcelona é outra coisa.
Fartos de Madrid, os catalães iniciaram o caminho que os levará à independência. Faz sentido porque a Catalunha é uma nação, com cultura e língua próprias. Faz sentido, porque tudo leva a crer que a maioria dos seus habitantes querem ser independentes. Faz sentido porque os ventos da História sopram na direção de uma Europa federal e multipolar.
Para sobreviverem, as empresas souberam adaptar-se à mudança, substituindo o modelo de governo centralizado, vertical e fortemente hierarquizado - fonte de desperdício de recursos e pai de muitas decisões erradas - por outro concêntrico, mais eficaz e onde o poder está distribuído (empowerment).
Para sobreviverem, os aparelhos de Estado têm de imitar as empresas, o que implica a destruição de estados artificiais (como o espanhol) e pôr em marcha um processo irreversível que combine federalismo e desconcentração de poder.
A Noruega tornou-se independente da Suécia. A Eslováquia separou-se da República Checa. A Jugoslávia explodiu, dando lugar a Eslovénia, Croácia, Sérvia, etc.. É um erro estúpido pensar que o mapa da Europa é um desenho acabado.
A Catalunha quer e vai ser independente. Será o rastilho do fim do Estado espanhol tal como o conhecemos. A seguir será a vez dos bascos se emanciparem de Madrid . Depois, talvez os galegos. Todos os povos peninsulares ganharão com uma Ibéria multipolar. É nesta direção que sopram os ventos da História, Visca Catalunya lliure! (Viva a Catalunha livre!)
Jorge Fiel
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Há um par de meses, António Costa pôs o dedo no ar, declarando-se indisponível para guarda- redes do Benfica mas apto para liderar o PS. Estou 200% de acordo. Tudo é possível desde o episódio Roberto. E Dino Zoff foi campeão do Mundo aos 40 anos. Mas o António tem crescido para os lados os centímetros que lhe faziam falta em altura e não é novo - tem 51 anos e com essa idade já nem o Benje era guarda-redes.
Acho que ninguém, nem mesmo o atual secretário-geral, tem dúvidas. Costa é o socialista mais apto para liderar o partido. É tão melhor que até se resguarda na Câmara de Lisboa enquanto Seguro faz de lebre na corrida de fundo em que a meta são as legislativas de 2015. Só na última volta é que ele vai saltar do pelotão para sprintar e tentar a vitória eleitoral.
O Costa sabe-a toda. Sabiam que teve a arte de vender os esgotos de Lisboa à EPAL por 100 milhões de euros? Ou seja, que nós, contribuintes de todo o país, pagámos uma fortuna para sermos donos das tubagens onde circulam águas limpas e sujas evacuadas por meio milhão de lisboetas e provenientes das suas sanitas, lavatórios e urinóis? Cheira bem, cheira a Lisboa? Até me arrepio só de pensar nisso!
Sabiam que vamos comprar por seis milhões de euros os terrenos onde está o CCB? Sabiam que lhe pagámos 286 milhões de euros para Lisboa não atrapalhar a privatização da ANA e reconhecer a propriedade do Estado sobre os terrenos do aeroporto, alvo de disputa porque, quando os adquiriu, Duarte Pacheco acumulava o Ministério das Obras Públicas com a presidência da Câmara de Lisboa e havia dúvidas sobre qual conta passou o cheque?
O António é um finório que aproveita o dinheiro que lhe damos para brilhar, alindando Lisboa com obras tão catitas como a pasteurização do Intendente, enquanto a SRU Porto Vivo não tem dinheiro para mandar cantar um cego.
Ele é finório e nós somos burros se não aproveitarmos o caminho desbravado. Após dez anos em que ficou a meio caminho entre o sujeito e o complemento direto, Rio parece ter finalmente percebido que nas relações com o Terreiro do Paço não pode ter medo de usar os cotovelos e deve falar alto e com voz grossa - com um pau na mão direita e um frasco de mel na esquerda.
Os terrenos do Sá Carneiro foram comprados pela Câmara do Porto. Pois bem, Rui, não sejas parvo, ameaça sabotar a privatização da ANA se não formos indemnizados.
Em 2004, na conversão da STCP em SA de capitais públicos, o Estado apropriou-se de terrenos e prédios que eram do município. Pois bem, Rui, fazes muito bem em exigir que ou nos devolvem os imóveis ou nos pagam uma indemnização.
E a imaginação é o limite. Por que não vendermos o Parque da Cidade à Cristas (tem a tutela do Ambiente), por uns 100 milhões de euros? Por que não vender os terrenos da Casa da Música ao Viegas (manda na Cultura) por uns dez milhões? Temos de deixar de ser lorpas.
Jorge Fiel
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Os putos recusam-se a andar de guarda-chuva. Eu compreendo-os perfeitamente. É muito chato andar com uma das mãos ocupada por um chuço, esteja ele aberto ou fechado. Depois ainda há as contrariedades laterais. Não sei como é convosco, mas eu, se calhar de entrar num café ou loja e à saída não estar a chover, é garantido que me esqueço dele lá dentro. Mais. Se o arrumo no bengaleiro é certo e sabido que quando voltar para o pegar ele não vai estar lá - há sempre alguém que fez de conta que o levou por engano e a melhor hipótese é que esse alguém tenha deixado um com duas varas partidas.
O problema é que quem anda à chuva molha-se - e passar um dia como os pés molhados e a roupa a secar colada ao corpo é ainda mais chato que a maçada de andar a passear um guarda-chuva, ainda por cima correndo o enorme risco de o perdermos ou de ele ser roubado ou trocado.
A minha política em relação ao uso do guarda-chuva é muito simples. Só o levo comigo se estiver a chover no momento em que saio de casa, do carro ou do jornal. Senão arrisco. Sei que não é prudente, mas tenho confiança no mercado, que funciona pior no Porto do que em Lisboa, onde basta caírem umas gotinhas para aparecer logo gente a vender guarda-chuvas em todos os acessos ao metro, mesmo que se trate de um dia de verão que que amanheceu com um sol radioso.
Como todos sabemos, a chuva forma-se nas nuvens, pelo que não nos podemos espantar que, de há três anos a esta parte, esteja a chover com tanta e crescente intensidade no nosso país e que cada dia que passa o céu esteja mais ameaçador e pejado por nuvens ainda mais negras.
O grande drama é que a chuva não molha a todos por igual. Há pessoas - estou a referir-me, por exemplo, a desempregados de longa duração e reformados com pensões baixas - que desgraçadamente têm sido atingidas por um temporal de chuva e vento tão inclemente que já lhes deu cabo do guarda-chuva. Por isso estão a tremer, enregeladas e molhadas até aos ossos.
Há outros, como eu - estou a falar dos que ainda têm trabalho e salário -, que têm sido mais felizes, pois só apanham aquela chuva de molha-todos, que se consegue suportar bem se usarmos gabardina comprida e um daqueles chapéus impermeáveis que são muito baratos nas lojas dos chineses.
Tudo leva a crer que Passos Coelho não é cego, nem surdo, não confunde determinação com intransigência e aprendeu com Mário Soares que só os burros não mudam de ideias. Só falta demonstrar que não é mudo e anunciar que errou no dossiê TSU.
Mas, por favor, não façam confusão. A tempestade pode passar, mas o mau tempo continuará. Se com toda esta austeridade em 15 meses o Governo só conseguiu cortar 1,5% no défice orçamental, vai ter de chover muito para que em 24 meses seja possível abater mais 4%
Para que possamos suportar estoicamente a chuva é urgente que ela seja democrática e atinja todos por igual - em particular os privilegiados que são useiros e vezeiros em passar pelo intervalo da chuva.
Jorge Fiel
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Sabem jogar ao sete-e-meio? É muito simples. Usam-se apenas 40 cartas do baralho, ficando de fora oitos, noves e dez. As figuras valem meio, o ás conta por um e as outras cartas, do duque à manilha, são contabilizadas pelo seu valor nominal.
O banqueiro dá uma carta, escondida, a cada jogador, que tem de decidir logo se fica ou se quer mais uma - e nesse caso tem de escolher qual delas fica aberta na mesa, se a nova ou a primeira - e assim sucessivamente até optar por parar.
No final, o banqueiro (chamado de dealer, na versão internacional do jogo, que dá pelo nome de blackjack, usa o baralho todo, tem um sistema de contabilização um pouco diferente em que a meta é fazer 21 pontos) vai tirando cartas para si até se dar por satisfeito.
Quem fizer mais de sete e meio rebenta - ou seja, perde. Em caso de empate, ganha o banqueiro. O objetivo de cada jogador é fazer sete e meio. Se o conseguir fica com a banca, isto se o banqueiro não tiver a sorte de igualar a pontuação que dá o nome ao jogo.
Se pensarmos bem, a nossa vida, em todos os seus aspetos - desde o profissional ao afetivo, passando pelo social - é uma sucessão permanente de jogos de sete-e-meio.
Encontrar a nossa companhia perfeita é como jogar ao sete-e-meio. Temos uma sena e temos de tomar uma decisão. Ficamos ou pedimos mais uma carta? Jogamos pelo seguro ou vamos tentar ser mais felizes, perseguindo o sete e meio?
A equação da decisão de mudarmos ou não de emprego é igual à do jogador do sete-e-meio. Tens uma quina e um duque - sete pontos, portanto. Ficas-te ou pedes mais uma carta, na esperança que te saia uma dama, valete ou rei? Jogas pelo seguro ou vais tentar fazer sete e meio, apesar de correres o risco de rebentares?
Os políticos também estão sempre a jogar ao sete-e-meio. Passos Coelho tinha na mão um terno e uma figura. Três e meio. Como se tratava de jogo era demasiado baixo para ganhar e precisava de fazer sete e meio para igualar o resultado de um jogador, arriscou a cartada de transferir dinheiro do salário dos trabalhadores para os bolsos dos patrões, através de mudanças na TSU, que se revelou desastrosa. Saiu-lhe um sete e ele fez dez e meio. Rebentou com estrondo, perdendo a banca e a iniciativa do jogo.
O drama do primeiro-ministro é que tudo leva a crer que só lhe resta uma única oportunidade para ir a jogo e recuperar a iniciativa. É na sexta-feira. O busílis é que não lhe basta ganhar, ter a sorte de lhe sair uma sete como primeira carta e ficar-se. Não. Tem de fazer sete e meio para reganhar a banca.
Para conseguir esse jogo perfeito, Passos não pode ter medo de ousar recuar na sua proposta peregrina sobre a TSU. Porque, como nos avisou Kierkgaard, ousar é perder momentaneamente o equilíbrio. Mas não ousar é perder-se.
Jorge Fiel
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Sou hipertenso e ando sempre com o nível do colesterol mau perigosamente encostado ao máximo aceitável. Uma porra. Apesar disso, considero- -me um tipo calmo, sem mal-entendidos com a vida, capaz de rir das minhas próprias asneiras e defeitos, que não se leva demasiadamente a sério. Sou moderadamente otimista e confiante no futuro. Não sou daqueles que olham para os dois lados antes de atravessar uma rua de sentido único.
Peço muita desculpa por vos estar a maçar com este resumo da maneira como me vejo ao espelho, mas antes de comunicar que começo a ficar intranquilo relativamente ao rumo que as coisas estão a levar no nosso país, achei importante garantir-vos que não sou daquelas pessoas excitadas e nervosas, que desatam aos berros por tudo e por nada. Pelo contrário. É preciso alguém ser muito irritante, uma sumidade na arte da arreliação, para me fazer elevar a voz e tirar o sorriso.
Estamos a viver a ressaca dolorosa dos excessos de crédito e a tentar pôr em ordem as finanças públicas depois da sua fragilidade ter sido brutalmente exposta pelo rebentar da crise financeira internacional.
Quem já alguma vez abusou do álcool sabe que no essencial há duas maneiras de aliviar o mal-estar de uma ressaca. E o caminho mais adequado e correto não é o mais fácil, que consiste em beber para restabelecer um determinado nível de álcool no sangue.
É muito chato, mas o que é válido para a ressaca dos excessos de consumo de álcool também é para a ressaca dos gastos excessivos - apesar de ser tentador e extremamente popular atenuar as dores da violenta austeridade draconiana a que estamos sujeitos.
Compreendo perfeitamente a raiva dos desempregados e reformados, dos funcionários públicos e dos trabalhadores do privado, para quem é cada vez mais duro e difícil chegar ao fim do mês, e que hoje vão sair à rua para manifestar a sua revolta e descontentamento. Não só os compreendo, como também os apoio.
Mas não posso compreender - e muito menos apoiar quem tenta capitalizar em seu proveito este justo descontentamento, apesar de ser tão (ou até mais) responsável pelo dramático aperto em que vivemos. Tanto mais que desconfio seriamente de que se estivessem no Governo não teriam outro remédio senão aplicar receitas de austeridade - talvez com mais competência e dourando melhor a pílula, mas nem disso tenho a certeza.
Começo a ficar intranquilo porque desconfio de que depois de termos vivido acima das nossas possibilidades começamos a viver abaixo da nossa inteligência.
Por isso, devemos escutar a voz do bispo do Porto, que sugere tiremos partido da sabedoria dos mais velhos, criando um Senado de Seniores que aconselho o Governo.
É já muito claro que faltam cabelos brancos que aconselhem quem manda, quer no Governo quer na Oposição, lembrando a Passos que estratégia sem tática é o caminho mais lento e difícil para se alcançar a vitória e a Seguro que tática sem estratégia não passa de ruído.
Com a idade mudou muito a maneira como manifesto a minha indignação. Adolescente, e nos tempos da Outra Senhora, apedrejei bancos, símbolos odiados de um capitalismo financeiro que vivia com a língua na boca do Estado Novo. Com o correr dos anos fui acalmando, seguindo um guião que afinal eu sabia de cor e salteado, pois tudo estava dito e explicado na letra da canção "Father and son", de Cat Stevens.
Como tenho para mim que votar é um direito (de que não abdico) e não um dever, vou demonstrando a minha indignação face à pobreza franciscana da oferta partidária de políticas e políticos optando por me abster nas eleições.
Senti-me um tudo nada desconfortável com esta maneira suave e passiva de exprimir a indignação, até ter a sorte de tropeçar numa frase saída da pena do grande Camilo - "A paciência é a riqueza dos pobres" - que deu cimento teórico à minha atitude pouco ativa.
Para evitar confusões, esclareço desde já que nada me move contra formas mais radicais de expressão da indignação, contanto que não resvalem para lá do aceitável, como no caso do inquilino revoltado de Gulpilhares que matou com um tiro a senhoria que o ia despejar.
Já não tenho nada contra (na verdade, até achei graça) ao cidadão ribatejano que, indignado com a política de austeridade aplicada pelo Governo, atirou um ovo à cabeça de Assunção Cristas, mas tendo tido o cavalheirismo de falhar o alvo e o bom gosto de usar um ovo são - e não um ovo podre.
Um ovo, como também o seria um tomate, é o objeto adequado para arremessar à ministra da Agricultura e até pode inaugurar uma alegre série de arremessos temáticos.
Estou a pensar, por exemplo, em protestos que contemplem bombardear Aguiar-Branco com aviões de papel, atingir o ministro Álvaro com mealheiros vazios, lançar miniaturas de submarinos contra Portas, ou atirar moedas (apenas de um ou dois cêntimos) à tola do Gaspar.
O Gastão, neste particular das modalidades de expressão da indignação, é o nosso presidente da República, um talentoso ventríloquo que pode dizer o que pensa mantendo a boca fechada, mesmo sem o auxílio de bolo-rei.
Cavaco tem a sorte de poder falar através de porta-vozes oficiosos, como o Alexandre Relvas, que acusou o primeiro-ministro de não perceber patavina do que se passa nas empresas, ou a Ferreira Leite, que apelou à revolta dos deputados da maioria contra Passos (que ela, quando era líder do PSD, impediu de ser deputado) e desculpou o seu velho amigo Aníbal, explicando aos romeiros que demandam Belém que nada podem esperar do PR, pois ele está atado de pés e mãos.
O PR tem cá uma destas sortes... Se fosse a ele, jogava no Euromilhões, a ver se deixa de ter de se preocupar com o dinheiro.
Só pode ter a ver com a idade, mas começo a ficar farto do paleio dos treinadores de bancada que, quando tomam de ponta um jogador, não param de implicar com ele. Se dribla, dizem que tem a mania que é artista e devia ter rematado. Se remata, chamam-lhe guloso e argumentam que devia ter passado. Se passa, acusam-no de ser um cortão, pois devia ter rematado.
O que já não tem a ver com a idade, pois sou assim desde pequenino, é o complexo de Robin dos Bosques que me leva a torcer sempre pelos mais fracos - a não ser que o Porto ou Portugal estejam em jogo.
O complexo de Robin dos Bosques, somado ao esgotar da paciência com os treinadores de bancada, leva-me a ter pena dos patinhos feios e a uma simpatia instintiva por quem se vê no ingrato papel de saco de pancada em que toda gente molha a sopa.
Dou por mim a sentir pena de Passos Coelho, que além dos inevitáveis (e expetáveis) insultos e cuspidelas, murros e pontapés, oriundos da Oposição e sindicatos, está a receber as sempre desagradáveis facadas nas costas aplicadas pela sua gente: barões laranja, notáveis do CDS e empresários - o que é cruel, pois, como nota Pedro Santos Guerreiro, num duro editorial no "Jornal de Negócios", nunca um Governo foi tão amigo dos empresários.
A coisa chegou ao ponto de Alexandre Relvas - empresário e porta-voz oficioso de Cavaco, de quem foi o Mourinho em campanhas passadas - lhe chamar ignorante, acusando-o de desconhecer a realidade das empresas.
Sei que a margem de manobra do Governo é muito reduzida, para não dizer nula. Mas, infelizmente, não tenho a certeza de que a receita da troika seja a adequada para nos tirar do buraco em que nos enfiámos. E acho profundamente injusto que a quase totalidade dos sacrifícios corram por conta das famílias.
Compreendi quando em outubro de 2011, com a candura que o carateriza, Gaspar explicou que "era mais fácil e mais rápido aplicar impostos do que mudar o funcionamento do Estado". Mas, caramba, já se passou quase um ano, e continua a ser o mexilhão a sofrer. E acho que Passos Coelho ainda não percebeu que em economia as palavras pesam tanto como os números - e que o objetivo não está sempre colocado para ser atingido, mas para servir de ponto de mira, de orientação.
O problema é que não sei até quando vamos conseguir aguentar, com abnegação e estoicismo, os sacrifícios necessários para pagar os desvarios dos sucessivos governos que nos desgovernaram.
O problema é que ainda não consegui descortinar, no meio das justas críticas aos excessos da austeridade, quem esboçasse uma credível via alternativa à equação "Ou nós (coligação troika/Passos) ou o dilúvio (tragédia grega)", que continua a ser o ás de trunfo deste Governo.
Sem desprimor para os treinadores de bancada, Goethe estava cobertinho de razão quando escreveu que pensar é fácil, agir é difícil - e agir conforme o que pensamos é ainda mais difícil.