Vai trabalhar, malandro
Tempo e dinheiro (a ordem é arbitrária) são duas das coisas mais preciosas que há nesta vida. A grande porra é que de dia para dia fica cada vez mais difícil desfrutar delas em simultâneo, num regime satisfatoriamente equilibrado.
A abundância de tempo não faz a felicidade do milhão de portugueses desempregados e que, na sua imensa maioria, ambicionam ter trabalho.
Os desempregados têm tempo mas não têm dinheiro, enquanto que os felizardos como eu, que dão graças ao seu Deus por terem trabalho e chegarem ao fim do mês com o salário religiosamente depositado na conta, têm dinheiro, mas falta-lhes cada vez mais tempo livre.
"É porque hoje vou conseguir trabalhar menos de 12 horas", respondeu-me, noutro dia, um colega quando lhe perguntei por que é que andava com cara de Páscoa, ou seja com um ar alegre e jovial.
A má notícia é que não está para breve o fim deste nosso calvário. O desemprego vai continuar a aumentar e os bem-aventurados que conseguem manter um emprego vão ter de carregar a cruz de trabalhar cada vez mais e melhor, na esperança de que ocorra o milagre da ressurreição da nossa economia.
Amanhã é feriado, a Sexta-Feira Santa que antecede o domingo de Páscoa e assinala o julgamento, crucificação e morte de Cristo. Mas hoje, a quinta-feira que celebra os últimos momentos da vida de Jesus e a Última Ceia, já há muitos portugueses, em particular funcionários públicos (como, por exemplo, Cavaco e Passos, que anteciparam para ontem o seu habitual encontro semanal), que já não trabalham. É a tolerância de ponto.
Tolerância de ponto são palavras mágicas para todos os que incensam o direito à preguiça, os bons malandros que são licenciados em engenharia de pontes e estão na primeira linha da luta contra a redução dos feriados preconizada pelo Governo e com a qual eu estou completamente de acordo.
Trabalhar mais não resolve por si só o nosso grave problema de produtividade - mas ajuda muito. É uma condição necessária, mas não suficiente. Temos também todos de aprender a trabalhar melhor, um processo de aprendizagem permanente a que só a morte põe termo.
Cada feriado custa 37 milhões de euros e nós precisamos de produzir mais riqueza, não de a desperdiçar. É um abuso continuarmos a ter 14 feriados (sem contar com o Carnaval e as tolerâncias de ponto), quando os gregos vivem com 12, os franceses e alemães com dez, e os ingleses como oito. Na via-sacra que estamos a percorrer, é indefensável a manutenção de 140 dias de lazer por ano (entre férias, feriados e dias de descanso), ou seja trabalharmos apenas 62% dos dias. E não me parece bem queixarmo-nos da redução dos dias de férias de 25 para 22, quando os americanos se contentam com um máximo de 14 e os japoneses com apenas 11.
O caminho é doloroso, mas infelizmente não há outra maneira de voltarmos à vida e fazer a nossa economia despertar do estado comatoso em que a deixamos cair.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias