Qual é a ponte mais bonita?
Qual é o melhor disco dos Beatles? O Sgt Peppers ou o White Album? Saramago ou Lobo Antunes? O Porto 87 de Artur Jorge ou o Porto 04 de Mourinho? Paris ou Londres? Vinho branco jovem e frutado ou com madeira? Pelé ou Maradona? Antas ou Foz? Ronaldo ou Messi? Braga ou Guimarães? Tawny ou ruby?
Há milhares de questões tão fraturantes como estas que dividem colegas, amigos e familiares, proporcionando discussões intermináveis, em que os argumentos se vão desbobinando como cerejas.
Vem este introito a propósito da minha incapacidade em estabilizar uma opinião sobre qual é a mais bonita das pontes do Porto.
Tem dias em que me deixo comover pela extraordinária leveza da D. Maria Pia, uma das obras maiores de Eiffel, uma ponte "toda em renda de Bruxelas" (Teixeira de Pascoaes).
Mas o meu coração balança quando, seguindo em direção à Foz, deparo com o gigantesco arcaboiço dos dois tabuleiros da formosa ponte Luiz I, riscada por Teófilo Seyrig, que une o morro granítico da Sé com a escarpa da Serra e a Ribeira com o Cais de Gaia.
E fico baralhado em definitivo quando, após o Douro vencer a penúltima curva antes de chegar ao seu destino, surge a ponte da Arrábida e o audacioso e elegante arco com que Edgar Cardoso deixou de boca aberta o mundo da engenharia no dealbar dos anos 60.
Não tenho dúvidas sobre a composição do pódio, mas sim sobre o lugar que cada uma destas três pontes ocupa. Se tivesse de escolher agora mesmo, era capaz de colocar a da Arrábida no lugar mais alto.
A par da Torre dos Clérigos, de Nasoni, e da Casa da Música, de Rem Koolhaas, e do Museu de Serralves, de Álvaro Siza, as pontes são um emblema do Porto e também um barómetro revelador da importância relativa da cidade e da região no conjunto do país.
As duas mais antigas foram inauguradas com nove anos de intervalo - Maria Pia em 1877 e Luiz I em 1886 - no final de um século XIX, que foi um dos períodos mais prósperos da nossa região.
Os 77 anos que foi preciso esperar até à inauguração, em 1963, da terceira ponte, a da Arrábida, dizem tudo sobre a incapacidade da I República, o atrofiamento a que o Estado Novo submeteu o país, e a importância (praticamente nenhuma) que o centralismo lisboeta atribuía ao Porto.
As três pontes (S. João, Freixo e Infante) abertas em dez anos (95-05), retratam um período dourado de uma cidade orgulhosa de ter finalmente o seu sistema de metro, ser Capital Europeia da Cultura, ver o Centro Histórico proclamado Património da Humanidade e assistir à glória europeia do clube que leva o seu nome.
O novo esplendor do Porto e do Norte, que o ressurgimento cultural e das exportações prenuncia, ficará assinalado na História pela construção de mais pontes, em sentido literal e figurado, a coserem as duas margens do nosso rio, o Douro, que vai deixar de dividir - e passará a unir.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias