Destralhar o edifício legislativo
Ainda sou do tempo dos sinaleiros, normalmente gordos, instalados em cima de um palanque, no meio do cruzamento, a esbracejarem mandando vir ou parar o trânsito, com a cabeça enfiada dentro daquele imponente capacete branco que lhes fez ganhar a alcunha de cabeças de giz. Mas, devo confessar, sou um fã dos semáforos.
O que me atrai nos semáforos é a simplicidade e universalidade do sistema. Não importa se estamos de carro ou a pé, em Nova Iorque, Cabul, Paris, Cartum ou Bogotá. O verde manda-nos seguir em frente e o amarelo avisa-nos de que o sinal vai passar ao vermelho que nos obriga a parar. Tão simples que até um analfabeto percebe. Claro que depois há variantes. Em Berlim, as luzes estão decoradas com uns bonecos patuscos. Em algumas cidades espanholas e em Lisboa, na zona da Expo, há semáforos que nos avisam quantos segundos faltam para mudar de cor. Em Los Angeles, se a manobra for feita com cuidado, é permitido virarmos à direita mesmo quando está vermelho. E há sinaléticas complementares inventadas em benefício de cegos ou daltónicos.
Nas coisas essenciais da nossa vida a simplicidade e fiabilidade são valores inestimáveis, mas lamentavelmente a esmagadora maioria dos políticos ou desconhece este princípio sábio ou não tem o bom senso de o observar quando, para mal dos nossos pecados, chegam a lugares de Governo com o peito cheio de ar e convencidos de que tudo quanto foi feito pelos seus antecessores está errado e tem de ser mudado.
Estou a falar de gente que até pode estar bem preparada e ser bem-intencionada (à partida temos de admitir tudo), mas que, se pudesse, na impossibilidade de fazer o negócio por ajuste direto, abria logo um concurso público para o fornecimento, chave na mão, de um novo sistema de semáforos, em o que o azul seria o novo sinónimo de proibição, o laranja substituiria o verde, enquanto que o amarelo passaria a cor-de-rosa.
Num país como o nosso em que ninguém sabe ao certo quantas leis existem e estão em vigor diplomas que se contradizem uns aos outros, manda a prudência que, em vez de produzir mais legislação, os deputados e ministros concentrem os seus esforços em desbastar a selva legislativa, mãe de um
emaranhado de burocracia que nos prende os movimentos, entope os tribunais - e nem sequer aproveita aos advogados.
Destralhar o asfixiante e labiríntico edifício legislativo que habitamos é prioritário se queremos mesmo atacar um sistema de Justiça, com anedóticos indicadores de produtividade e em que ninguém confia. Como se consegue isso? Deixo ficar uma sugestão. No primeiro ano, os ministros deviam estar proibidos de legislar. E partir do segundo ano, só podiam fazer uma lei nova por cada duas velhas que eliminassem.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias