Como lidar com a ressaca
Há duas maneiras de lidar com a ressaca. A tentação é de aliviar o mal-estar repondo os níveis de álcool no sangue. Mas a solução boa e duradoura consiste em tirá-lo do organismo, o que implica uma certa dose de sacrifício.
Na ressaca de duas décadas de bebedeira despesista, o Governo Passos não teve outra solução senão recorrer ao atalho de meter mais álcool para a veia. Os seis mil milhões dos fundos de pensão da Banca compuseram as contas de 2011 e permitiram-nos cumprir o prometido à troika, mas debilitaram a Segurança Social que assumiu responsabilidades com bancários que implicam uma despesa anual suplementar estimada em 500 milhões de euros.
Teve de ser, e o que tem de ser tem muita força, mas foi uma espertice igual à dos miúdos nórdicos que fazem xixi nas calças para aquecer as pernas que estão a tremer de frio. No imediato, dá resultado, mas a prazo ainda vão sofrer mais.
As estatísticas do primeiro trimestre confirmaram o que já se suspeitava: a Segurança Social é a mais perigosa das bombas-relógio que o Governo tem nas mãos, pois a sua sustentabilidade assenta no delicado equilíbrio entre uma série de variáveis tão voláteis como o desemprego, inflação, envelhecimento da população, esperança de vida e crescimento da economia.
De janeiro a março, o buraco da Segurança Social agravou-se à razão de 3,3 milhões de euros/dia, devido ao efeito conjugado da quebra de 2,5% nas contribuições e do aumento de 23% nas despesas com reformas e subsídio de desemprego.
O congelamento dos subsídios aos pensionistas e das reformas antecipadas não é senão o início de uma série de medidas de emergência que visam conter as proporções de um incêndio ateado pelo aumento do desemprego e a recessão e que se propaga a uma enorme velocidade no terreno seco de um sistema em que há cada vez menos a descontar e mais a receber.
Não é preciso ser um Einstein para perceber a insustentabilidade do sistema pay-as-you-go em que assenta a nossa Segurança Social, em que os que estão no mercado de trabalho descontam parte do ordenado para pagar as pensões dos que estão na reforma - na expetativa (otimista) de que mais tarde, quando chegar a sua vez, haverá outros a descontar para lhes pagar a reforma.
O ideal, mas impraticável neste momento, é o modelo sueco, em que há um desconto mínimo obrigatório para o regime público, e acima de um determinado montante (três a cinco salários mínimos), o contribuinte é livre de entregar a públicos ou privados a gestão da sua poupança para o futuro.
Enquanto o estado lamentável das contas públicas não permitir a evolução para este regime de plafonamento de contribuições e reformas, o Governo não pode nunca esquecer que neste particular das reformas está a brincar como o fogo, com o dinheiro que os contribuintes pouparam ao longo de uma vida - e entregaram nas mãos do Estado para acautelar a sua subsistência futura quando por alguma razão tiverem de deixar de trabalhar. Trata-se, por isso, de dinheiro sagrado.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias