Emprestem-me 100 milhões
Sempre fiz questão que os meus filhos deem uma mão nas tarefas domésticas, mesmo que apenas simbólica, circunscrevendo-se ao pôr e levantar a mesa e à obrigatoriedade de depositar a roupa para lavar no respetivo cesto e não no chão do quarto ou da casa de banho.
Presumo que poucos discordarão se eu disser que os nossos queridos filhos, bem como a generalidade das crianças e jovens adolescentes, são encantadores, mas que se nascem inocentes e desprovidos de maldade, como pretende Rousseau, a verdade é que a aprendem depressa e ainda bebés de colo já estão completamente apetrechados com um vasto arsenal de truques e manhas.
A manha mais usada para se furtarem a uma tarefa não é insubordinação (ou seja a recusa formal e assumida em desempenhá-la) mas antes adiá-la, indefinidamente, sob os mais vários pretextos. Primeiro fazem de conta que não ouvem. Depois seguem-se as desculpas "estou só a acabar um trabalho", "estou só a desligar o computador", "estou na casa de banho", "primeiro tenho de ir à casa de banho" ou o curto mas demolidor "vou já".
Estas táticas - a que os advogados chamam "manobras dilatórias" e que também dão um resultadão nos tribunais como se comprova pelo facto de Isaltino continuar livre como um passarinho - são altamente eficazes, sobretudo se acompanhadas de frases, como "não stresses", ou "tem calma!!!", destinadas a elevar o nível da nossa tensão arterial e fazer-nos perder a paciência, ao ponto de desistirmos de fazer cumprir a ordem e executarmos nós mesmo uma tarefa que não nos competia.
Uma das morais desta história é que não basta a jura de que estamos dispostos a assumir um compromisso se não conseguirmos adicionar a esta manifestação de vontade - saída boca fora ou passada a escrito e assinada - a credibilidade de que o efetivamente o vamos fazer e dentro do prazo acordado. Nesta questão das dívidas, o mentiroso "pago-te amanhã" é o equivalente ao "vou já" dos filhos manhosos.
Os prazos nunca são um pormenor. Salazar sabia isso melhor do que ninguém e a prova dos nove da sua esperteza de velha raposa foram as emissões de obrigações perpétuas, que vencerão a 31 de dezembro de 9999, para financiar o défice das contas públicas nacionais entre 1940 e 1943.
O busílis é convencer os credores de que poderá ser para eles um bom negócio emprestar-nos dinheiro a um prazo muito dilatado.
Já agora que estamos a falar disso, se souberem de alguém que esteja interessado em fazer-me um empréstimo de 100 milhões de euros, a vencer a 30 de maio de 2956 (faço mil anos nesse dia), fiquem desde já a saber que estou disponível para pagar uma taxa anual líquida de 5% e não vou gastar o dinheiro mal gasto - nem tão-pouco usá-lo para bater a cláusula de rescisão do Hulk.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias