Por Prozac na água da torneira
Como não percebo nada de automóveis, reenviei logo para o meu primo Fernando, que é um especialista neste e noutros assuntos, a lista de marcas e modelos em que eu poderia escolher o carro que o JN estava disponível para pôr ao meu serviço. Na volta do mail, veio a resposta de Cracóvia, onde o Fernando está emigrado. Se fosse para ficar com o carro, recomendava o Golf. Senão aconselhava o Opel Astra.
Escolhi o Astra. Perguntado pela cor que preferia , respondi qualquer uma menos preto, cinzento ou branco. Uma semana depois, num misto de pragmatismo e resignação, disse "venha branco" (e não me estava a referir a vinho...) quando me disseram que havia um Opel Astra branco pronto para entrega.
Acho muito triste e sintomático que as nossas ruas, estradas e praças estejam cheias de carros pretos, cinzentos e brancos - e que quase ninguém arrisque salpicar a paisagem urbana com automóveis pintados de cores alegres. O cinzentismo do parque automóvel é revelador do do receio dos proprietários e de uma sociedade deprimida.
Nem sempre foi assim. No tempo em que não havia auto-estradas e as viagens para o Algarve demoravam mais de oito horas, para matar o tempo, divertiamo-nos a apostar, tentando adivinhar de que cor seria - vermelho, azul, amarelo ou verde - o próximo carro com que nos cruzaríamos nas longas retas alentejanas. Hoje em dia reeditar esse passatempo seria, por várias razões, uma absoluta idiotice.
A coisa atingiu tal ponto que as marcas já praticamente deixaram de pintar os carros de outras cores que não os fatídicos e incontornáveis preto, cinzento e branco, pois têm de fazer grandes descontos para se livrarem deles. A minha colega Margarida tirou partido desta situação e poupou uns milhares de euros na compra de um vistoso Fiat Panda cor de laranja metalizado.
Estou em crer que este cinzentismo automóvel (e convém não esquecer a importância que o carro tem na nossa sociedade como revelador do sucesso e progressão na vida do seu proprietário) sinaliza o despertar do pessimismo e espirito de impotência face à fatalidade do destino, que afinal é a marca de água da canção nacional - "Almas vencidas, noites perdidas, sombras bizarras, na Mouraria, canta um rufia, choram guitarras, amor ciúme, dor e pecado, tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado," cantava Amália.
Ora, o pior que neste momento nos pode acontecer é deixarmo-nos embalar pelo fado e cruzar os braços - em vez de reagir.
O que é preciso é combater a depressão e animar a malta. Nem que para isso seja necessário misturar Prozac na água da torneira - e, já agora, e por que não?, adicionar também um bocado de Viagra, pois no primeiro semestre nasceram menos quatro mil bebés que no mesmo período de 2011.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias