Só aceitaria substituir o Portas
Há uma data de gente que se entretem a imaginar o que faria se ganhasse o Euromilhões. Eu não perco tempo com essa fantasia por várias razões e mais uma - seria uma fantasia completamente idiota, pois nunca apostei no Euromilhões, nem tão-pouco no Totoloto. Joguei uma meia-dúzia de vezes no Totobola e apenas uma vez na Lotaria, e com o único intuito de evitar fazer má figura, quando em 1979 fui convidado pelos meus colegas da Revisão do nosso JN a comparticipar na compra de um bilhete inteiro para o sorteio da taluda de Natal. Não saiu nada.
Não quero com isto dizer que de vez em quando não me entregue aos meus devaneios, como, por exemplo, o que faria se me convidassem para o Governo. E já tenho algumas certezas relativamente a esta situação.
Recusaria liminarmente qualquer convite para secretário de Estado. Considero que a minha experiência, idade e estatuto são incompatíveis com a aceitação de um lugar subalterno no Governo. Possuo excesso de habilitações para o cargo.
Já quanto a ministérios, tenho assente que só aceitaria de caras o dos Negócios Estrangeiros, que é um emprego de sonho.
Não chateava ninguém, fartava-me de viajar, fazia declarações às televisões, à partida e à chegada da Portela, e enchia o gabinete com molduras bonitas de fotografias minhas a dar um beijo à Merkel, um passou-bem a Hollande e sentado junto à lareira da Casa Branca na amena cavaqueira com o Obama.
Não tenho a menor das dúvidas de que se remodelasse o guarda-roupa (os meus fatos da Alto by Maconde estão a ficar cheios de lustro) e me escanhoasse, com cuidado, todos os dias, em menos de dois meses já seria percecionado pelos eleitores como um estadista.
No caso de o convite ser para outras pastas, já tenho uma resposta decorada: "Sinto-me muito honrado com o convite, que agradeço, mas há coisas que não sei fazer ou não tenho motivação para fazer". A frase não é original - a partir da segunda vírgula, é uma cópia da desculpa que António Vitorino arranjou quando decidiu não se candidatar à liderança do PS, a seguir à demissão de Ferro Rodrigues - mas temos de concordar que é muito boa, e, como agravante, verdadeira, já que cobre as duas situações possíveis.
Há coisas que não sei fazer - sei, por exemplo, estar desprovido das competências exigidas a um ministro das Finanças. E há coisas que não tenho motivação para fazer - como, por exemplo, sentar-me nas cadeiras elétricas que são os ministérios da Educação, Saúde ou Justiça.
Estou consciente de que ao partilhar este devaneio de uma noite de verão, arrisco seriamente a ser adjetivado de presumido e egoísta. Não me importo. Acho que o Mário de Sá-Carneiro estava cobertinho de razão quando disse que em terra de doidos quem tem juízo passa por doido. E nesta terra de doidos, nunca correremos o risco dos lugares de secretários de Estado e ministros ficarem por preencher.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias