Ida à Guerra de 1908, parte II
Despedido da farmacêutica onde trabalhava por ter partido um comprimido, foi parar à Guerra de 1908 após ter respondido a uma anúncio do jornal que pedia um soldado que matasse muito depressa. A guerra ainda estava fechada quando lá chegou, de táxi, às sete da manhã. A mulher que estava à porta, a vender castanhas, informou-o que se tinha enganado. Ali era a Guerra de 1906. Tinha de subir dois anos.
Já passava das nove quando chegou à Guerra de 1908, que tinha acabado de abrir. Deram-lhe seis balas e estava ele a matar, muito quentinho, quando o capitão o mandou de espia para a guerra do inimigo, com a misão de trazer os planos da pólvora. Não os trouxe, mas aproveitou para comer uma cabeça de pescada com o capitão da guerra do inimigo.
Quando regressou, a Guerra de 1908 tinha acabado, após uma visita de um fiscal que descobriu que estavam ilegais, pois não tinham licença de porte de armas.
A Ida à Guerra de 1908, de Raul Solnado, é muito divertida. Até tem um soldado que se comunica ao capitão ter feito um prisioneiro - e quando questionado sobre o seu paradeiro, esclareceu que não o tinha trazido pois o prisioneiro era teimoso e não tinha querido vir.
Mas tão ou mais divertidos que os pormenores ficcionais da Ida à Guerra de Solnado são os cómicos episódios da vida real que desgraçadamente são regularmente fornecidos pela vasta e complexa nebulosa teia de corporações das nossas forças de segurança– PSP, GNR, SEF, ASAE, PJ, Polícia Marítima, Polícia Municipal... – com a tutela dispersa por quatro ministérios (MAI, Justiça, Economia e Defesa), o que já de si chega para dar uma ideia da eficácia do sistema.
Há dois anos, por ocasião da Cimeira da Nato, em Lisboa, um barco da Marinha tentou fiscalizar uma lancha da GNR que, por sua vez, ia fiscalizar os pescadores. E foi uma sorte a Polícia Marítima não ter aparecido. Marinha, GNR e Polícia Marítima atropelam-se na fiscalização do mar, não trocam informações, há tarefas sobrepostas, ou seja há despesas que podiam e deviam ser reduzidas. E em terra a situação não é muito diferente.
O desperdício de recursos gera situações tão lamentáveis como a PSP ter 778 carros (15% da sua frota) parados à porta das esquadras, avariados ou sem dinheiro para combustível, há agentes que têm de levar papel higiénico de casa - e a direção nacional pediu para reduzirem as descargas do autoclismo e terem a televisão ligada só durante os telejornais.
Neste cenário de confusão e miséria, não compreendo porque é que Passos Coelho não avança com a unificação da PSP, PJ e SEF numa Polícia Nacional, que permitiria uma redução imediata de 30% das chefias. Será porque a ministra da Justiça (que acolheu debaixo das suas saias a causa isolacionista da PJ) se opõe a esse projeto? Se a resposta for sim, temos de dar razão a Proença de Carvalho: falta pulso ao primeiro ministro.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias