O monstro precisa de amigos
Só pode ter a ver com a idade, mas começo a ficar farto do paleio dos treinadores de bancada que, quando tomam de ponta um jogador, não param de implicar com ele. Se dribla, dizem que tem a mania que é artista e devia ter rematado. Se remata, chamam-lhe guloso e argumentam que devia ter passado. Se passa, acusam-no de ser um cortão, pois devia ter rematado.
O que já não tem a ver com a idade, pois sou assim desde pequenino, é o complexo de Robin dos Bosques que me leva a torcer sempre pelos mais fracos - a não ser que o Porto ou Portugal estejam em jogo.
O complexo de Robin dos Bosques, somado ao esgotar da paciência com os treinadores de bancada, leva-me a ter pena dos patinhos feios e a uma simpatia instintiva por quem se vê no ingrato papel de saco de pancada em que toda gente molha a sopa.
Dou por mim a sentir pena de Passos Coelho, que além dos inevitáveis (e expetáveis) insultos e cuspidelas, murros e pontapés, oriundos da Oposição e sindicatos, está a receber as sempre desagradáveis facadas nas costas aplicadas pela sua gente: barões laranja, notáveis do CDS e empresários - o que é cruel, pois, como nota Pedro Santos Guerreiro, num duro editorial no "Jornal de Negócios", nunca um Governo foi tão amigo dos empresários.
A coisa chegou ao ponto de Alexandre Relvas - empresário e porta-voz oficioso de Cavaco, de quem foi o Mourinho em campanhas passadas - lhe chamar ignorante, acusando-o de desconhecer a realidade das empresas.
Sei que a margem de manobra do Governo é muito reduzida, para não dizer nula. Mas, infelizmente, não tenho a certeza de que a receita da troika seja a adequada para nos tirar do buraco em que nos enfiámos. E acho profundamente injusto que a quase totalidade dos sacrifícios corram por conta das famílias.
Compreendi quando em outubro de 2011, com a candura que o carateriza, Gaspar explicou que "era mais fácil e mais rápido aplicar impostos do que mudar o funcionamento do Estado". Mas, caramba, já se passou quase um ano, e continua a ser o mexilhão a sofrer. E acho que Passos Coelho ainda não percebeu que em economia as palavras pesam tanto como os números - e que o objetivo não está sempre colocado para ser atingido, mas para servir de ponto de mira, de orientação.
O problema é que não sei até quando vamos conseguir aguentar, com abnegação e estoicismo, os sacrifícios necessários para pagar os desvarios dos sucessivos governos que nos desgovernaram.
O problema é que ainda não consegui descortinar, no meio das justas críticas aos excessos da austeridade, quem esboçasse uma credível via alternativa à equação "Ou nós (coligação troika/Passos) ou o dilúvio (tragédia grega)", que continua a ser o ás de trunfo deste Governo.
Sem desprimor para os treinadores de bancada, Goethe estava cobertinho de razão quando escreveu que pensar é fácil, agir é difícil - e agir conforme o que pensamos é ainda mais difícil.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no JN