Por uma chuva democrática
Os putos recusam-se a andar de guarda-chuva. Eu compreendo-os perfeitamente. É muito chato andar com uma das mãos ocupada por um chuço, esteja ele aberto ou fechado. Depois ainda há as contrariedades laterais. Não sei como é convosco, mas eu, se calhar de entrar num café ou loja e à saída não estar a chover, é garantido que me esqueço dele lá dentro. Mais. Se o arrumo no bengaleiro é certo e sabido que quando voltar para o pegar ele não vai estar lá - há sempre alguém que fez de conta que o levou por engano e a melhor hipótese é que esse alguém tenha deixado um com duas varas partidas.
O problema é que quem anda à chuva molha-se - e passar um dia como os pés molhados e a roupa a secar colada ao corpo é ainda mais chato que a maçada de andar a passear um guarda-chuva, ainda por cima correndo o enorme risco de o perdermos ou de ele ser roubado ou trocado.
A minha política em relação ao uso do guarda-chuva é muito simples. Só o levo comigo se estiver a chover no momento em que saio de casa, do carro ou do jornal. Senão arrisco. Sei que não é prudente, mas tenho confiança no mercado, que funciona pior no Porto do que em Lisboa, onde basta caírem umas gotinhas para aparecer logo gente a vender guarda-chuvas em todos os acessos ao metro, mesmo que se trate de um dia de verão que que amanheceu com um sol radioso.
Como todos sabemos, a chuva forma-se nas nuvens, pelo que não nos podemos espantar que, de há três anos a esta parte, esteja a chover com tanta e crescente intensidade no nosso país e que cada dia que passa o céu esteja mais ameaçador e pejado por nuvens ainda mais negras.
O grande drama é que a chuva não molha a todos por igual. Há pessoas - estou a referir-me, por exemplo, a desempregados de longa duração e reformados com pensões baixas - que desgraçadamente têm sido atingidas por um temporal de chuva e vento tão inclemente que já lhes deu cabo do guarda-chuva. Por isso estão a tremer, enregeladas e molhadas até aos ossos.
Há outros, como eu - estou a falar dos que ainda têm trabalho e salário -, que têm sido mais felizes, pois só apanham aquela chuva de molha-todos, que se consegue suportar bem se usarmos gabardina comprida e um daqueles chapéus impermeáveis que são muito baratos nas lojas dos chineses.
Tudo leva a crer que Passos Coelho não é cego, nem surdo, não confunde determinação com intransigência e aprendeu com Mário Soares que só os burros não mudam de ideias. Só falta demonstrar que não é mudo e anunciar que errou no dossiê TSU.
Mas, por favor, não façam confusão. A tempestade pode passar, mas o mau tempo continuará. Se com toda esta austeridade em 15 meses o Governo só conseguiu cortar 1,5% no défice orçamental, vai ter de chover muito para que em 24 meses seja possível abater mais 4%
Para que possamos suportar estoicamente a chuva é urgente que ela seja democrática e atinja todos por igual - em particular os privilegiados que são useiros e vezeiros em passar pelo intervalo da chuva.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias