O caso do tapete de Arraiolos
O caso do tapete de Arraiolos demonstra como eu posso ser sentimental. O meu Arraiolos (só tenho um) é vulgar, mas eu gosto muito dele - ponto grosso, desenhos em tons verdes e castanhos, um pouco mais de três m2.
Ao longo dos cerca de 30 anos que leva comigo, não teve uma vida fácil. Suportou o peso de muitos móveis e alombou com as tropelias inerentes ao crescimento de três crianças. Os maus tratos fizeram-se sentir sob a forma de rasgões perigosos, pois podíamos enfiar lá o pé e tropeçar. Impunha-se uma atitude.
O especialista da loja de tapetes de Arraiolos, que fica em Santa Catarina, sugeriu-me a eutanásia. Reconstruí-lo ficava 50 euros mais caro do que fazer um novo, igualzinho e mais durável, e 150 euros acima do preço de um novo, com desenhos e cores diferentes mas área idêntica.
Não foi fácil decidir. A razão ordenava-me que comprasse um novo. E o especialista em Arraiolos dava-me argumentos para enganar a emoção encomendando um clone. Mas eu preferi pagar mais 50 euros para evitar que o primeiro tapete que comprei, depois de ter saído de casa dos meus pais, fosse deitado ao lixo.
Não me arrependi. Acho que atitudes sentimentais como esta são as mais adequadas ao novo normal a que nos temos de ir habituando.
Até agora, cada geração viveu sempre melhor que a anterior, e a subida da qualidade de vida, que deu um enorme salto com o 25 de Abril e a adesão à CEE, era quantitativamente mensurável nos seus diversos parâmetros.
Na saúde, beneficiamos do acesso democrático a cuidados médicos, da queda brutal da mortalidade infantil e do crescimento na esperança de vida. No ensino, registámos um aumento significativo dos licenciados e doutorados, bem como da quase erradicação do analfabetismo.
Nas condições de vida, passamos do défice para o superavit no parque habitacional, temos o país cheio de autoestradas sulcadas por BMW, Mercedes e Audi, os lares equipados com plasmas e LCD e os portugueses apetrechados com smartphones da última geração.
O problema foi que um dia os credores repararam que a aceleração do nosso poder de compra não tinha sido acompanhada de idêntico crescimento na produção de riqueza.
Portugal foi ao tapete e estamos em contagem de proteção, para reduzir em 30% os salários, emagrecer um Estado que sofre de obesidade mórbida e reorientar para a produção de bens transacionáveis uma economia criminosamente obcecada pelos serviços.
Para agradar aos credores, o Governo está a tentar ser eficaz na arte de depenar o pato (nós, os contribuintes), de modo a que ele grite o mínimo possível e a obter a maior quantidade de penas.
Para evitar darmos em doidos, é aconselhável dar espaço à afetividade, abandonar a religião do deus Dinheiro, e perceber que é mais fácil chegar à felicidade pela renúncia do que pela procura da satisfação de necessidades supérfluas - e cada vez mais numerosas.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no JN