O parasita defende o seu bife
As famílias portuguesas habituaram-se rapidamente à ideia de que não podiam continuar a gastar mais do que ganhavam. Confrontadas com o desemprego, aumento dos impostos e do custo dos serviços (transportes, água, luz, saúde...), e a diminuição do poder de compra e apoios sociais, ajustaram-se, mudando o seu perfil do consumo.
Começaram por transferir o consumo para dentro de casa, para mal dos restaurantes e bem dos super e hipermercados, que viram as vendas de congelados crescer em flecha. Depois, em 2012, repararam que cozinhar em casa ficava mais barato do que meter uma lasanha no micro-ondas.
As empresas portuguesas habituaram-se rapidamente à ideia de que não podiam continuar a suportar custos superiores às receitas. Acabado de vez o tempo do crédito fácil e barato, com o consumo interno em queda livre, viraram-se para a exportação e, para evitarem o abismo da falência, ajustaram-se aumentando a produtividade, à custa da diminuição do poder de compra dos trabalhadores (chamados a produzir mais em troca de menos dinheiro) e de despedimentos.
O Estado é o único setor da sociedade portuguesa que continua a viver como dantes e a prova dos nove deste autismo criminoso é a cândida resposta dada pelo gabinete do secretário de Estado da Cultura (o sem vergonha Barreto Xavier) quando questionado sobre a nomeação de 27 funcionários publicada - só nove são novos, disseram.
O Estado português é o único setor da economia que quando está em dificuldades (a dívida pública é de 200 mil milhões de euros, 120% do PIB, o dobro do valor máximo a que nos com prometemos) continua a contratar, em vez de despedir.
É preciso ser muito idiota para acreditar que tudo pode continuar na mesma, que o Estado e os seus funcionários podem passar incólumes e a assobiar para o lado à custa do sangue dos impostos e sacrifícios das famílias e das empresas privadas. O nosso drama é quem não consegue sequer identificar o problema é absolutamente incapaz de arranjar"uma solução.
As contas estão feitas. O número mágico é quatro. Quatro como os evangelhos canónicos, os pontos cardeais, os ventos e as bestas do Apocalipse. Quatro mil milhões de euros é quanto o Estado tem de passar a gastar menos todos os anos.
Parece difícil mas não é. Quatro mil milhões são 5% do Orçamento do Estado. Centenas de milhares de famílias e empresas já fizeram ajustamentos bem superiores a 5% dos seus orçamentos e sobreviveram.
E, por favor, não tentem atirar--nos areia para os olhos. Poupem--nos à histeria mentirosa de que cortar 5% ao Orçamento implica desmantelar o Estado social. Isso é o paleio de parasitas e ladrões de impostos que prosperam com a mão metida nos nossos bolsos. Quando o parasitado (o Estado obeso) está em perigo, o parasita defende-o. Defende o seu bife.
O nosso drama é que a vocação de um político de carreira é fazer de cada solução um problema.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no JN