O Meu Porto
Que vícios e hábitos urbanos são exclusivos do Porto?
Mais do que ter vícios, o Porto vicia muito. É difícil explicar o que torna o Porto uma cidade única e exclusiva, pelo que isso tem de abstracto e sensorial. A Alma do Porto que se encontra no cimbalino, na conversa do barbeiro, no jornal apertado num pau, nos mercados das flores, das especiarias e do peixe, nas tascas que rescendem a sopa e a vinho novo, nos cafés de esplanada e bilhar montado, no barco rebelo que passeia por esse Douro melancólico, arreado de barris do vinho que leva o nome da Cidade ao mundo. Depois também temos o resto, mas a exclusividade do Porto e dos hábitos dos Portuenses estão nesta Alma nobre e Antiga...
O que tem mudado na Invicta?
Felizmente pouco. A tradição aqui ainda é o que era.
É verdade que hoje há menos sedes de Bancos (capital), mas há mais arrumadores (trabalho), há menos voos no Sá Carneiro mas temos o Metro, há menos empregos mas há mais estudantes
Mas também é verdade que as boas tripas continuam a ser no Ribeiro, o pato, com arroz de pato no Bule, o cozido e o cabrito no Morfeu , o peixe e o marisco no Miguel ... O Bolhão apesar das obras e dos excessos das pombas, está no mesmo sitio, o Majestic e a Arcádia recomendam-se, o Coliseu ainda é dos Amigos, Serralves continua belo e empreendedor, a Foz continua menina e luminosa, a Baixa continua granítica e romântica...., nós continuamos portuenses. Enfim, as coisas seguras e verdadeiramente importantes, continuam por cá .
Quais as características que diferenciam o Porto das restantes cidades?
A Alma e o Corpo da cidade, feita de tantas coisas como as que já referi e o granito, a história e o rio.
O labor, a iniciativa e a generosidade das suas gentes...
Os portuenses têm uma forma própria de ser?
Sim, claramente. A face mais divulgada (apesar de mal conhecida e confundida com outras regiões do Norte) é a da pronúncia. Mas esta dimensão ajuda a perceber que o portuense tem um código genético muito vincado. A nossa pronúncia é principalmente a força do nosso carácter, traduzido em primeiro lugar no amor pela terra em que vivemos. Não foi por acaso que o território começou aqui e a expansão também. Só dá valor à sua terra quem lutou por ela. E nenhum outro como o portuense o fez, basta lembrar o Cerco do Porto, ou as Tripas que sobrevieram à carne oferecida pelos portuenses na expansão marítima. Depois temos com o burgo uma relação de serviço e de valor. E por isso a generosidade e o trabalho. E por isso a iniciativa e a vontade de vencer. Esta ideia de que com trabalho digno, com iniciativa e esforço é possível vencer - ser Invicto, caracteriza muito a maneira de ser e de estar dos portuenses.
O Porto ocupa o lugar que merece no panorama nacional?
Nunca, jamais! No caso do Porto, o lugar que merece é seguramente o primeiro. Mas a verdade é que nenhuma região em Portugal tem o lugar que merece. Nem Lisboa que não tem qualquer merecimento em ser declarada herdeira universal deste centralismo bacoco que não ajuda Portugal a ter um desempenho harmonioso e globalmente positivo.
Qual o local que mais aprecia na cidade?
O Porto tem felizmente muitos portos de abrigo, apelativos , viciantes, pelos quais continuo apaixonado. A Foz, o Rio (Douro, claro) e o Mar - o tal sabor a sal dos portugueses, são provavelmente no imaginário espacial do Porto, os lugares que mais me atraiem.
Quais os maiores problemas do Porto e de que forma os alteraria?
O excesso de Estado na economia e o centralismo administrativo não ajudam o Porto. A sua iniciativa empresarial é obrigada, pela prevalência do sistema financeiro e pelo investimento público, a deslocar-se para Lisboa. O seu capital humano tem que procurar oportunidades fora do Porto. O Porto desperdiça permanentemente talentos neste modelo político, económico e administrativo. O que falta é mudar isto. Mudar o sistema político e fazer a verdadeira regionalização do País. Julgo até que se a globalização económica e política não acabar com as nações e com as suas pronúncias, vai acabar por fazer justiça às regiões mais dinâmicas e com melhor iniciativa como o Porto.
Que figura monárquica da Invicta mais marcou o rumo da história da cidade?
Não existem figuras monárquicas ou republicanas. Existem portugueses que nasceram involuntariamente em Monarquia ou em República. Porque acredito que a Monarquia trouxe melhores coisas a Portugal e mais bem estar aos portugueses, é normal que se tenham destacado também no Porto mais homens e mulheres que nasceram em Monarquia. Tenho dificuldade de pensar apenas numa figura. O Infante Dom Henrique é, por exemplo, um símbolo muito próximo do empreendedorismo, da iniciativa e do arrojo dos portuenses.
António de Souza-Cardoso
Ps. Entrevista publicada no Destak de 3/12/2007