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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

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Como Rauschenberg me levou a pensar que a rota de Serralves está a precisar de uma pequena correcção

A exposição «Em viagem 70-76» de Robert Rauschenberg, que está no Museu de Serralves até ao início da Primavera, é importante para perceber o caminho percorrido pelas vanguardas artísticas desde o «ready made» de Duchamp.

 

A vida é feita de convenções, de datas erigidas em marcos de mudança.

 

O derrube do muro de Berlim, em 1989, foi eleito como o acontecimento que marca o fim do sonho (e consequentes pesadelos) da Revolução Russa de 1917.

 

O assassinato do arquiduque Francisco Fernando, em Sarajevo, é aceite como a causa próxima da II Guerra Mundial.

 

Para facilitar as coisas, vamos assumir que o urinol industrial que Marcel Duchamp autografou e transformou em obra de arte é o acto fundador da arte «ready made», popularizada pelas caixas Brillo e as latas de sopa de tomate Campbell de Andy Warhol, um dos expoentes da Pop Art.

 

A exposição de Rauschenberg mostra-nos as etapass seguintes na viagem da arte que libertou o objecto encontrado de Duchamp.

 

Corda, cordel, pedras, pneus, caixas, tecidos, bicicletas, areia, tinta fluorescente, garrafões de vida, baldes metálicos e varapaus são a matéria prima dos 65 trabalhos expostos, que transformam as belas salas de Serralves em praias juncadas pelos despojos de um naufrágio trazidos pelas marés.

 

Com a sua competência e conhecimento, João Fernandes, director do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, explica-nos que «a obra de Rauschenberg adquiriu uma importância fundamental na desconstrução do ensimesmamento e da autonomia com que o expressionismo abstracto do pós guerra tinham isolado a arte e a vida».

 

De tudo isto se conclui que vale a pena ir a Serralves para se ser surpreendido por Rauschenberg, mas que, na minha opinião, não se deve elevar muito a fasquia das expectativas.

 

José Manuel dos Santos (JMS), no Expresso, conclui a sua recensão critica da «Em Viagem 70-76» com uma frase sonora, muito bonita e extremamente bem acabada: «Afinal, que é o Mundo senão a imagem desfigurada (e disforme) de si mesmo? É isto que esta exposição nos diz na sua violenta sinceridade».

 

Quem sou eu para contrariar JMS ? Não estou em condições de negar que o Mundo seja afinal uma imagem disfugurada e disforme de si próprio. E longe de mim contestar «a violenta sinceridade» da exposição.

 

Apenas tenho a confessar que, por minha única e exclusiva responsabilidade da minha fraca utensilagem intelectual, a exposição não me disse a mim o mesmo que confidenciou a JMS.

 

Lamento isso. E lamento também que não tenha visto nos 65 trabalhos de Rauschenberg, naquelas cordas, cordéis, pedras, pneus, caixas, tecidos, bicicletas, areias, tinta fluorescente, baldes metálicos, garrafões de vidro e varapaus, «a exactidão do olhar que se materializa, a pureza do gesto que cai, a certeza da ideia que morre, o ímpeto do avanço que recua, a simultaneidade do instante e da sua fuga». (1)

 

A exposição de Rauschenberg é importante para percebermos o percurso das vanguardas artísticas, o que não quer dizer que gostemos do caminho que elas estão a trilhar. Não é uma exposição fácil, sexy ou atractiva para os olhos do grande público.

 

Chegado a este ponto, confesso que estou a usar Rauschenberg para expressar o meu sentimento de que a linha geral da programação de Serralves talvez precise de uma pequena correcção na sua rota.

 

Serralves disputa taco a taco com os Coches o titulo de mais visitado dos museus portugueses, mas é, sem sombra de dúvida, o museu mais visitados por portugueses.

 

São portugueses cerca de 95% dos visitantes que no ano passado demandaram Serralves, enquanto que são estrangeiras mais de 40% das pessoas que vão ao Museu dos Coches.

 

Serralves é não só um dos principais imãs de atracção de turismo interno à nossa cidade, como ainda ém a par do FC Porto, da Casa da Música e do Vinho do Porto, uma das principais e vigorosas componentes do carácter da marca Porto.

 

Tem, por isso, uma enorme responsabilidade.

 

A oferta de museus do Porto assenta em dois pilares (Serralves e Soares dos Reis) complementados por uma gama razoavelmente variada de pequenas instituições, como o Museu Romântico.

 

O Soares dos Reis tem uma colecção interessante, onde convivem pintura naturalista, ourivesaria e escultura, mas que temporalmente fica às portas do século XX.

 

Serralves foi baptizado Museu de Arte Contemporânea, uma razão social que é muito traiçoeira.

 

Eu comprei o LP dos Velvet Underground com a capa da banana concebida por Warhol e sou contemporâneo de Picasso, Vieira da Silva e Magritte. O meu filho João não é contemporâneo de nenhum destes quatro artistas. Os meus tios são contemporâneos do Amadeu e eu não.

 

Apesar do âmbito cronológico da palavra contemporânea ser móvel, parece-me claro que Serralves o deve interpretar num sentido largo, deixando flutuar até ao pós II Guerra Mundial. Mesmo assim deixa a oferta museológica do Porto com o flanco desguarnecido no rico período da primeira metade do século passado.

 

Uma vista de olhos pelo «top five» das mais exposições mais vistas no nosso país, permite uma outra reflexão.

 

1.     Paula Rego, 157 mil visitantes, Serralves 2004

 

2.     In the Rough, Imagens da Natureza através dos Tempos na Colecção Boijmans, 130 mil visitantes, Serralves 2001

 

3.     Francis Bacon, 101 mil visitantes, Serralves , 2003

 

4.     Amadeo, 100 mil visitantes, Gulbenkian, 2006

 

5.     Andy Warhol, 75 mil, Serralves 2000

 

Vai para quatro anos que Serralves não alberga uma exposição campeã de bilheteira. Ora a capacidade de atracção turística do Porto precisa dessas exposições «mainstream». Talvez por isso, a linha geral da programação de Serralves careça de uma pequena correcção de rota.

 

Devemos estar satisfeitos com os 350 mil visitantes que Serralves atraiu em 2007. Mas não podemos perder de vista os 250 mil visitantes que a colecção Berardo recebeu no segundo semestre do ano passado.

 

A oferta de Serralves tem de combinar Rauschenberg com pelo menos uma exposição anual de grande público.

 

 

Jorge Fiel

 

www.lavandaria.blogs.sapo.pt

 

   

………………………………….

   

(1)   Não sei porquê, mas quando li este parágrafo da magnifica crónica de JMS fui assaltado pela seguinte interrogação: será disparatado submeter os críticos de arte a um controlo anti-doping?

 

 

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