O REI MORREU, VIVA O REI!
Julgo que as diferentes manifestações evocativas do centenário do Regicídio ajudaram a esclarecer os portugueses sobre um conjunto de factos que a república quis, voluntariamente, obscurecer.
Em primeiro lugar, os portugueses ficaram a saber que vivíamos, desde 1820, numa democracia constitucional evoluída, com um parlamento constituído por representantes eleitos por sufrágio, de partidos políticos legalmente constituídos;
Os portugueses ficaram a saber que entre os partidos legalizados existia também o partido republicano que, curiosamente, tinha votações que nunca chegavam aos 2 dígitos (sempre inferiores aos 10%);
Os portugueses ficaram a saber que a República se fundou numa revolução não democrática que começou por esse acto violento da morte do Chefe de Estado;
Os portugueses ficaram a saber que esse acto nunca foi julgado pela própria república, desaparecendo misteriosamente o processo que envolvia gente muito mais importante que os mandados Costa e Buiça;
Os portugueses ficaram a saber que a república consagrada 2 anos depois, impôs um regime de repressão, autoritarismo, perseguição e instabilidade, com limitações ao sufrágio universal e ao funcionamento dos partidos políticos e demais instituições democráticas;
Os portugueses ficaram a saber que o clima de anarquia social e de desordem que se sucedeu era de tal ordem que, alguns anos depois, foi declarada uma segunda república que impôs a Portugal uma ditadura de 48 anos. Como bem disse o Prof Dr Rui Ramos, insuspeito técnica e politicamente, se não tivesse havido o regicídio, existiria certamente Salazar, mas não teria existido seguramente o Salazarismo e a Ditadura;
Os portugueses ficaram a saber que desde o tempo da Monarquia constitucional, Portugal caiu em todos os indicadores de bem-estar e de desenvolvimento, quando relativamente comparado com os seus parceiros europeus;
Os portugueses ficaram a saber que esta república, fundada numa revolução violenta e não democrática, se continua a impor a todos nós que nunca a escolhemos e estamos até constitucionalmente impedidos de o fazer;
Os portugueses ficaram a saber, enfim, que por terem nascido em república não têm que ser ou sentir-se republicanos;
Os portugueses ficaram ainda a conhecer melhor o Rei Dom Carlos. Curiosamente um Chefe de Estado que pela Sua versatilidade e múltiplas dimensões, serviria bem à Chefia de Estado de um Portugal globalizado como o de hoje.
Os portugueses ficaram também a saber que, apesar de tudo isto, o Senhor Dom Duarte, bisneto do Rei Dom Carlos, não falou nestas Comemorações em vingança, nem sequer em reparo ou desagravo. Assumindo a sua responsabilidade histórica, falou antes em reconciliação nacional e em reencontro dos portugueses com a sua história. O mesmo fez o Cardeal Patriarca de Lisboa que enfatizou que nenhuma democracia pode legitimar a violência ou, como no caso da nossa República, se pode legitimar através dela. Mal estiveram alguns deputados que evidenciando um preconceito que (como as nódoas do avental?) tanto custa a lavar, votaram desfavoravelmente, cem anos depois, um voto de pesar simbólico pela morte de um Chefe de Estado Democrático;
No balanço final, julgo que tudo isto teve a enorme virtude de permitir que os portugueses reflictam, com tranquilidade sobre a sua história e as opções que, em Democracia, melhor servem o nosso futuro com Nação e como Estado.
Um último comentário que os portugueses provavelmente ainda não sabem e que vale pelo seu simbolismo: Apenas 9 anos depois de instaurada a República, o Norte sob a batuta de Paiva Couceiro, veio a restaurar novamente a Monarquia, naquela que ficou historicamente conhecida pela Monarquia do Norte.
Naquela altura, e uma vez mais na nossa história, foi o egoísmo centralista da capital que não permitiu que Portugal se cumprisse.
António de Souza-Cardoso