Eu, parolo, confesso que fui ao «Música no Coração» e gostei
Sim. Confesso que sou um parolo que fui ao Rivoli ver o «Música no Coração» e fiquei muito satisfeito porque passei um bom bocado e dei o tempo por bem empregue.
Desde 4ª feira, integro a legião de portuenses bimbos que há uns meses esgotam a lotação do Rivoli para ver e ouvir os musicais de Filipe La Féria.
E o mais grave é o facto de, não contente com o facto de ter apreciado, ainda por cima me dou ao luxo de publicitar este meu gosto que as élites culturais da cidade não hesitarão um segundo em classificar como duvidoso – no mínimo.
A lata sempre foi um dos meus fortes.
Mais. Como me tenho em elevada consideração, afirmo que eu e as largas dezenas de milhares de pessoas que viram o «Jesus Cristo Superstar», «Principezinho» e «Música no Coração» somos a prova dos nove da justeza da decisão de Rui Rio de retirar o Rivoli do circuito da programação cultural alternativa e marginal, reservada a minorias microscópicas.
Ao concessionar o Rivoli a La Féria (personagem que não conheço e que não me suscita a mínima empatia), o presidente da Câmara fez um magnífico dois em um. Poupa dinheiro (nos termos do contrato de concessão a autarquia recebe 5% da receita liquida da bilheteira) e ajuda a preencher uma imensa lacuna que existia na oferta cultural e de entretenimento da cidade.
O mercado está a provar que Rio estava tão carregadinho de razão que até se arrisca a ficar com uma hérnia.
Nestes meses de Rivoli privatizado e travestido em pequena Broadway tripeira, fui lá mais vezes do que durante os 35 anos que medeiam entre o dia de hoje e o do célebre concerto dos Vinegar Joe que haveria de imortalizar a sala na canção de Tê e Veloso («Anel de Rubi»).
A revitalização da Baixa e o renascer da cidade exige que os equipamentos culturais estejam cheios de gente, que as pessoas saiam de casa, à noite e ao fim de semana, para irem ao teatro, ao cinema, ao concerto, à exposição – e que antes ou depois jantem fora e leiam o jornal numa esplanada.
Para que isso aconteça, tem de se exterminar o autismo. Não pode haver um divórcio total entre a oferta e a procura.
A programação cultural tem de se adequar aos gostos dos públicos, da mesma maneira que o agente funerário quando recebeu m cadáver trata de arranjar um caixão adequado ao seu tamanho e cubicagem, não lhe passando sequer pela cabeça cortá-lo para caber dentro de uma urna pré-existente.
A ópera de Emanuel Nunes no São Carlos não invalida (antes pelo contrário) os fantásticos concertos «promenade» do Coliseu do Porto. A revista Atlântico não é contraditória com os diários gratuitos. A exposição de António Cruz, no Soares dos Reis, complementa a de Rauschenberg em Serralves. O «Equador» de Sousa Tavares convive com «Jerusalém» de Gonçalo Tavares.
Acresce que a indústria cultural não pode viver à sombra da bananeira dos subsidios. O seu financiamento tem de ser plural.
Não vejo mal nos subsidios, mas o financiamento da indústria tem de assentar no tripé subsidios/mecenato/público – sem que o pé mais forte tem de ser este último, por uma questão de independência artística e sustentabilidade.
Rio brilhou a grande altura quando privatizou a gestão do Rivoli. E tem razão em aprofundar este caminho privatizando outros equipamentos como a Praça de Lisboa e o Mercado Ferreira Borges. Penso que já toda a gente percebeu que os privados gerem melhor do que o Estado.