A manif dos profes e o Boris Becker
Sem o envolvimento activo dos professores é impossível reformar o sistema educativoTenho para mim que uma pessoa tem de se agarrar a sólidas normas orientadoras para se desembrulhar nesta vida, que está cada vez mais complicada.
Um dos princípios que sempre me norteou, sintetiza-se numa pequena frase: «Se queres ganhar ao Boris Becker não vás jogar ténis com ele».
Esta frase orientadora é filha directa da filosofia fundadora da guerrilha. Devemos evitar entrar em batalhas que à partida sabemos que vamos perder e, em alternativa, esforçar-nos por atrair o adversário para um terreno que nos seja favorável.
Vem esta história a propósito do braço de ferro entre professores e Governo, que a mega manifestação de sábado atirou para um beco que aparentemente não tem saída.
A peregrina ideia do PS de responder à impressionante demonstração de força e unidade dos professores através de um comício nacional de apoio a Sócrates, sábado, no Porto, equivale a uma vâ tentativa de ganhar ao Boris Becker desafiando-o para a medir forças num court de ténis. É uma atitude estúpida e suicidária.
Domingo, cem mil professores (a grande maioria num universo total de 140 mil) inundaram o centro de Lisboa, desfilando do Marquês até ao Terreiro do Paço.
É patético que o PS, que governa com maioria absoluta, escolha responder na rua à revolta dos professores. Não é preciso ser um Einstein para adivinhar que o Governo ser goleado na comparação.
Alguém no aparelho do PS já deve ter percebido isso e , prudentemente, ordenou a transferência do local da manifestação da praça D. João I para o mais aconchegado pavilhão do Académico, que não será difícil de lotar pois é uma sala à medida da capacidade de mobilização do Bloco de Esquerda.
É à mesa e não na rua que o Governo pode ultrapassar esta crise. Mas para vencer, Sócrates tem de ter a humildade de perceber que não lhe basta ter razão e que avaliou mal a situação quando em Outubro declarou que não confundia professores com sindicatos.
O gigantesco esforço de democratização do ensino que se seguiu ao 25 de Abril já deu alguns frutos. Prova disso é o facto de, em 20 anos, a taxa de escolarização no secundário ter aumentado 50%. Mas ainda há muito longo caminho a percorrer . Os 17% de alunos repetentes no secundário estão dramaticamente longe demais dos aceitáveis 3,9% que constituem a média de repetentes neste escalão de ensino nos países da OCDE.
Os 120 mil alunos que chumbam anualmente no básico e os 46% que abandonam a escola no 12º ano são números que gritam por uma urgente reforma do nosso sistema educativo.
Sócrates tem razão quando diz que não se pode adiar por muito mais tempo esta reforma. Mas tem de ter a lucidez de perceber que não a pode fazer contra a vontade dos professores, que são os principais intérpretes e a peça chave do sistema educativo.
A pífia remodelação de 29 de Janeiro retirou ao primeiro ministro a margem de manobra para deixar cair Maria de Lurdes Rodrigues. A única bóia de salvação que ele tem ao alcance é agarrar-se à proposta de mediação apresentada por João Lobo Antunes, o ex-mandatário nacional de Cavaco.
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada esta semana no diário económico oje (www.oje.pt)