Pior que o chapéu de um trolha
Faltavam 20 minutos para a meia noite de 14 de Abril de 1912 quando o Titanic chocou com um iceberg a 640 km da Terra Nova. Em menos de três horas, o paquete estava no fundo do Atlântico e 1500 dos seus passageiros tinham morrido.
Uma das coisas que mais me impressionou no filme da James Cameron sobre o naufrágio do Titanic foi o facto (histórico) de o embate fatal não ter impedido a orquestra de ter continuado a tocar e os passageiros a dançar no luxuoso salão de baile da primeira classe.
Nesta Primavera de 2008, o nosso país assemelha-se perigosamente ao Titanic. No painel de bordo, só se vêem luzinhas vermelhas a piscar.
Nos últimos seis meses, 13 mil PME fecharam as portas, estranguladas pelo aumento do preço do dinheiro – entre 2005 e 2007, a taxa de juro bancária, para os empréstimos superiores a um milhão de euros, subiu 44,8%. E a Associação Nacional das PME prevê que até Dezembro mais de 60 mil empresas vão cessar a actividade.
Em Janeiro, a carteira de encomendas externas afundou 10%, acumulando seis meses consecutivos de perdas. Nesse mesmo mês, o indicador coincidente da actividade económica do Banco de Portugal registou o mais acentuado recuo desde 1973 – e em Fevereiro a queda ainda foi mais significativa.
O incumprimento no crédito à habitação titularizado duplicou em dois anos, atingindo os 704 milhões de euros, fruto directo da subida das taxas média de juro, que, em Janeiro, já iam nos 5.55%.
O investimento e as exportações estão a abrandar e todos os indicadores gritam que esta tendência de forte desaceleração veio para ficar. As nossas vendas no mercado espanhol deverão cair 20% este ano, o que é grave pois o país vizinho é o destino de quase 1/3 das nossas exportações.
A coisa aqui está preta, mas o maestro Sócrates assobia para o lado, a orquestra que ele dirige continua a tocar, indiferente à crise, e os passageiros continuam dançar, como se nada de grave se estivesse a passar no paquete Portugal. Em Janeiro, o consumo das famílias cresceu 2,3% e os empréstimos para a compra de habitação subiram 8,4%.
A palavra crise foi banida do vocabulário do primeiro ministro, que demonstra assim ser tão supersticioso como aquelas pessoas que se recusam a falar no mau – e que se o fazem tocam logo a seguir em madeira com os nós dos dedos.
Não acredito que Sócrates acredite que uma pequena economia aberta como a nossa possa escapar ao vendaval que atira os Estados Unidos para a recessão, deixa a Europa a roer as unhas e pôs ponto final a um formidável período expansionista espanhol.
Sócrates sabe que a nossa economia está a ficar doente, mas convenceu-se que falar na doença pioraria o estado do paciente. O problema é que ele não é mágico - e o simples facto de não falar na crise não vai, infelizmente, fazê-la desaparecer.
O país ganhava se o primeiro ministro resolvesse falar-lhe verdade, explicando que há uma crise, que a nossa economia está pior que o chapéu de um trolha - e que todos temos de trabalhar mais e melhor para conseguirmos manter a cabeça fora de água.
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada no diário económico Oje (www.oje.pt)