Ser campeão é como fazer amor pela primeira vez
Ser campeão é um amor de vida. Cada novo título é uma paixão invicta. Se há alguma coisa que podemos imaginar negativa nesta comparação de sentimentos é uma certa infidelidade inerente a cada nova temporada.
Ser campeão é como fazer amor pela primeira vez , mas o que é mau é que voltar a ser campeão volta a ser como fazer amor pela primeira vez. O que é bom. Cada novo título é um novo amor que nos invade a alma e nos preenche o coração de uma forma arrebatadora , fazendo-nos esquecer tudo o que já tínhamos sentido antes. Incluindo , lamento dizê-lo ( mas apesar de tudo não lamento senti-lo..), a paixão de termos sido campeões no ano anterior. E no ano anterior a esse. E nos anos anteriores a esses.
Foi assim no ano do Penta e ainda hoje recordo esses cinco anos de paixões que se foram substituindo umas às outras. Foram cinco anos quase sem tempo para respirar. Nós , amantes do F. C Porto, aprendemos todos uma grande lição : não se ama alguém que não é capaz de ser campeão tantas vezes. Pelo menos, de verdade.
Hoje é o primeiro dia de um novo amor que, de resto, é um velho conhecido. Por outro lado tudo volta a ser novo outra vez. Como se nunca nos tivéssemos deitado com este amor de título. Para acordarmos campeões de novo. É extraordinário como depois de uma noite de amor intenso, como só os amores novos são capazes de provocar, nos levantamos com a sensação que a paixão permanece invicta. Toda nossa , mas incapaz de se deixar vencer. Exactamente porque sabendo que não vai viver connosco toda a vida , só nos dá o que sabe que não lhe fará falta no ano seguinte, onde terá fatalmente que renascer em forma e em toda a sua plenitude. Na nossa cama , ou na vida de outros.
Como novo amor que é , quanto mais difícil , mais nos apaixonamos. Esta paixão 2007 / 2008 teve todos os condimentos para poder ser tratada como um amor vintage. Disputada pelos outros no campo e noutros campos , arrastada pela lama e pelos tribunais num profundo desdém de quem a queria comprar , esta paixão só foi a mais fácil na aparência de uma contabilidade pouco criativa.
Temos de agradecer aos nossos adversários as formas engenhosas como nos apimentaram a relação. Criando um malabarismo nas contas que aprimorou a novidade do que para nós , como já vimos ,seria sempre novo , de novo. Devemos desconfiar até se aqueles que nos habituámos a ver como adversários não são afinal os nossos melhores amigos. Quem namora durante o ano inteiro com uma paixão assolapada e na hora em que a podia consumar ainda lhe veste a melhor camisa para que outros a desflorem e desfrutem com mais prazer , não pode ser nosso inimigo. Aliás , viva o futebol , porque na vida que existe para além dele, já não se fazem amigos assim.
Quem acha que Coimbra ainda é a capital do amor em Portugal tem que ter uma fé inabalável e gostar de viver amores platónicos. O amor hoje em Portugal faz-se um pouco por todo o mundo mas tem a capital no Porto. E até em Lisboa , quando sentirem a terra a tremer , não se assustem porque não é o terramoto : é tão só a energia deste novo amor que chegou ontem e promete ficar até ao ano.
Claro que se voltarem a sentir os tremeliques daqui a duas jornadas é melhor que fiquem já a saber que essa é uma das novidades desta época : insaciável na sua induzida irreverência, a paixão deste ano exigiu duas noites de núpcias. Como se a união só assim fosse de facto.
PS . Este texto foi publicado pelo Diário de Notícias na ressaca do TRI.
Exército de Salvação Nacional
Batalhão Bússola
Departamento Desportivo
Alameda das Antas
Manuel Serrão