Nós somos amish?
Como não dava para os estudos, o meu avô, Jaime da Ressurreição Fiel, inspector dos cobradores no STCP, meteu uma cunha e conseguiu que ele, ainda moço de 16 anos, fosse trabalhar para os escritórios, onde não estava sujeito à chuva e ao sol e não tinha de andar fardado – apenas proteger os punhos das camisas brancas com uns manguitos pretos.
Senhor de um bela caligrafia, que usava para anotar nos livros todas as ocorrências com o pessoal da companhia (férias, faltas, participações e promoções), foi sucessivamente escriturário de 3ª, de 2ª e de 1ª até que a foi tornado obsoleto pela revolução tecnológica das máquinas de escrever e reformou-se após uma vida em que só conheceu um patrão.
Eu tenho 51 anos e sou jornalista há 29. Já conheci muitos patrões, em diversos jornais (Norte Desportivo, Comércio do Porto, Jornal do Comércio, Semanário, Expresso e Diário de Notícias), mas tenho conseguido manter sempre a mesma profissão de jornalistas e sobrevivi à revolução tecnológica do computador de cuja introdução nas Redacções fui aliás um dos agentes activos nos meus gloriosos tempos do Comércio do Porto.
Estou perfeitamente convencido que nenhum dos meus três filhos - todos eles em diferentes fases do processo de inserção no mercado de trabalho (a Mariana está a trabalhar num Subway em Los Angeles, Pedro estuda Astronomia no Porto e o João anda a tentar deixar de ser analfabeto) - vai conseguir atravessar a vida com a mesma profissão.
Na geração do meu pai era normal passar a vida na mesma empresa e com a mesma profissão.
Na minha geração é normal passar a vida com a mesma profissão, mas trabalhando em diversas empresas.
Na geração dos meus filhos não vai ser normal uma pessoa desembrulhar-se durante a sua vida com uma só profissão.
Num Mundo em desvairadas mudanças, para nos mantermos úteis, competitivos e produtivos, é obrigatório fazermos um esforço de permanente adaptação às novas realidades e de actualização dos nossos conhecimentos.
Neste contexto, é suicida a manutenção da rigidez das regras que regem o nosso mercado laboral que gerou o recurso a falsos recibos verdes que afecta 648 mil portugueses, ou seja cerca de um em cada quatro activos que estão na situação de falsos recibos verdes
O Banco Mundial garante que Portugal é um dos onze países do Mundo em que é mais difícil contratar ou despedir trabalhadores, devido à rigidez da legislação laboral.
Na Pensilvânia, vive a comunidade amish, magistralmente retratada no filme “A Testemunha”. Os amish recusam tudo quanto seja tecnologia. Não usam a electricidade. São um pedaço dos inícios do século XIX que logrou chegar intacto ao século XXI.
Recusar as urgentes alterações ao Código do Trabalho que facilitem os despedimentos e flexibilizem os horários de trabalho, é ter uma atitude idêntica à dos amish. Significa teimar em viver no passado.
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada no Diário de Noticias