4050-327 Porto e 1250-149 Lisboa serão dois códigos postais de uma mesma região?
Para Florida a Foz fica em Lisboa
A passagem por Lisboa do guru norte-americano Richard Florida abalou seriamente algumas das minhas convicções sobre a geografia da minha vida e do meu país.
Confesso que não conhecia Florida, um rapaz com a minha idade mas muito mais curriculum (foi professor do MIT e Harvard e mantém colaborações regulares no Financial Times e no New York Times), citado com alguma frequência por Sócrates - o que equivale a dizer que está completamente na moda.
Deslocações semanais entre duas cidades pontuam a minha vida. Terça feira, às 9.47, apanho em Campanhã o Alfa para Lisboa, onde fico a trabalhar durante a semana. Domingo, faço o percurso inverso, embarcando no Intercidades das 9.30.
Florida veio explicar-me que afinal eu estava enganado e não divido a vida entre duas regiões. O norte-americano puxa bem para cima (uns bons 600 quilómetros) a fronteira norte de uma Lisboa imensa que, do seu ponto de vista, se estende ao longo da costa atlântica desde Setúbal até à Corunha, e que é uma das 40 megaregiões mundiais - a 34ª, à frente de Xangai, Madrid, Berlim ou Singapura .
Esta ideia é sedutora, ao arrumar na mesma gaveta as minhas viagens semanais de comboio entre o Porto e Lisboa e as deslocações pendulares diárias entre S. João do Estoril e a avenida da Liberdade (suburbano mais metro).
Suplementarmente, a ideia de Florida tem o condão de fornecer a solução para um problema que ele próprio me tinha criado com o enunciado de uma outra tese sua: “O trabalho desloca-se até as pessoas e não o contrário”.
Uma pessoa tem de ter formatos preparados para responder às FAQ da nossa vida. Por isso, quando amigos e conhecidos me comentavam, em tom levemente interrogativo, “Então, de volta a Lisboa…?!?” eu respondia: ”É! A vida é assim. O pescador vai pescar onde há peixe”.
Ora este meu “sound byte” contraria aparentemente o edifício teórico de Florida, já que se trata de um desdobramento do ditado do Maomé (ou seja o pescador, isto é eu) a ir ter com a montanha (ou seja a pesca, i.e. o trabalho) e não o contrário, como pretende o guru de Sócrates.
Mas a contradição é apenas aparenea já que à luz da geografia de Florida eu não mudei de região. Ele jura que a rua Júlio Dinis, 4050-327 Porto e a para a avenida da Liberdade 1250-149 Lisboa são apenas códigos postais diferentes no interior da mesma mega-região.
Mas agora que estou iluminado pelas ideias avançadas de Richard Florida, poderei brindar os amigos que mais prezo com uma resposta mais bem elaborada. Preparem-se. A próxima vez que me disserem “Então de volta a Lisboa…!?!” vão levar na volta do correio com um resumo das teorias de Florida, que não se esgotam na tese das mega-regiões.
Florida brilhou ainda a grande altura ao reformular a velha tese de que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem (na sua versão “Portugal é formado por dois países; Portugal e Lisboa”). E garante que o desenvolvimento das cidades é directamente proporcional à quantidade de gays e lésbicas que alberga (Berlim e Paris, governadas por gays, estão no bom caminho).
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada no Diário de Notícias