Os iogurtes da Fnac e a migração para Luanda
Alexandre Alves, capa da Exame com o cognome “o empresário vermelho” (dupla piscadela de olho às suas ligações ao PCP e SLB), era o líder da Fábrica Nacional de Ar Condicionado (FNAC), a cabeça de um grupo que estendeu os seus tentáculos à área da distribuição em Moçambique.
Em meados dos anos 80, faltava de tudo nas jovens nações africanas nascidas do desmoronamento final do nosso Império colonial e a FNAC espreitou essa oportunidade. Em Moçambique, geria as Lojas Francas, onde era possível comprar tudo, contanto se levasse no bolso moeda forte: rands ou dólares. Lá dentro, os meticais valiam tanto como as notas do Monopólio.
Conheci Alexandre Alves em Maputo, em 1987, estava lá ele a tentar desatar um nó dado pelo gerente das lojas, que a braços com um carregamento de iogurtes no final do prazo de validade, resolveu pô-los em promoção, explicando que a data indicada nas embalagens era uma mera cautela formal e que o produto se mantinha bom para consumir.
Eu até era capaz de aproveitar a promoção, pois concordo com a argumentação e não raro como iogurtes fora de prazo de validade. Mas o Samora Machel não achou graça ao assunto e mandou fechar as lojas francas.
Nos dias seguintes, o desbloqueador de conversa favorito em Maputo era a adivinha: “Sabes o que quer dizer FNAC? Fomos Novamente Aldrabados pelos Colonialistas”.
Já se passaram 20 anos sobre este episódio. Mas apesar do tempo ser o grande curandeiro das feridas abertas por seis séculos de colonização e 13 de guerra colonial, ainda são visíveis as cicatrizes, como o provam as desculpas frouxas apresentadas pelos presidentes de Angola e Moçambique para não virem a Lisboa participar na última cimeira da CPLP.
Provavelmente só quando desaparecerem do poder, em Lisboa, Luanda e Maputo, os membros da geração que esteve em guerra será possível as relações entre Portugal e os Palop seja tão descomplexada e de igual para igual como a que existe com o Brasil.
No entretanto, a coincidência entre a crise portuguesa e o trepidante crescimento angolano (rebocado pela extracção diária de 1,7 milhões de barris de petróleo e anual de dez milhões de quilates de diamantes) desencadeou um movimento de emigração de Lisboa para Luanda.
Angola não tem quadros em quantidade e qualidade suficientes para sustentar o formidável período de expansão que atravessa. A opção natural, por afinidade de língua e cultura, é pescar no reservatório de mão de obra qualificada libertada pela nossa crise.
Mas para o bem dos dois países, e do seu relacionamento futuro, é essencial que os quadros portugueses emigrados tenham um comportamento profissional inatacável – e não se esqueçam do episódio dos iogurtes da Fnac.
Jorge Fiel
Esta crónica foi (ou será) publicada no Diário de Notícias