O garfo em que Sócrates foi apanhado
No xadrez, diz-se que ocorre um garfo quando um dos jogadores consegue colocar uma das suas peças a ameaçar duas peças do adversário.
Nesta situação, como só pode livrar de perigo uma das suas peças, o adversário é obrigado a sacrificar a outra.
No conflito entre os professores e Maria de Lurdes Rodrigues, José Sócrates deixou-se apanhar num garfo. O seu adversário, a Plataforma Sindical dos Professores, está a ameaçar um simultâneo o lugar da ministra da Educação e o ambiente de paz e trabalho nas escolas, que compete ao primeiro ministro garantir que exista.
Na sociedade do conhecimento em que vivemos, a mais importante riqueza das nações não reside nas reservas de ouro e divisas do banco central - ou até em jazidas de petróleo ou diamantes - mas sim no cérebro e formação dos seus cidadãos.
A radicalização do confronto entre professores e Governo não serve os interesses de um país em que há 120 mil alunos a chumbarem, todos os anos, no ensino básico, 17% dos estudantes do secundário são repetentes e 46% abandonam a escola no 12º ano.
Por isso, o primeiro ministro faz mal em deixar que o conflito entre professores e ministra da Educação esteja prestes a atingir (se é que já não atingiu) o ponto de não retorno.
Sócrates está coberto de razão quando diz que os professores têm de ser avaliados e que há muito oportunismo político (até tu, Manuela Ferreira Leite!?!) a tentar capitalizar a revolta liderada pela Plataforma Sindical.
Mas tem de reconhecer que a faúlha que incendiou toda a planície foi acendida pelos génios incompetentes do Ministério da Educação que acharam razoável tentar impor um sistema de avaliação que, no caso de um professor com nove turmas e 193 alunos, implica introduzir 17.377 registos no computador, fazer 1456 fotocópias e participar em 91 reuniões suplementares.
Ao ver 120 mil professores (80% da classe!) na rua, o primeiro ministro tinha a obrigação de tirar três conclusões.
A primeira, é que a estratégia de virar a população contra a corporação , com tão boas provas dadas noutros casos, não funcionou no caso dos professores.
A segunda é que, como se viu na novela nascida a propósito da sua licenciatura, a táctica de ficar quieto à espera que inche, desinche e passe não é uma solução que dê resultado em todos os casos .
A terceira é que é impossível fazer a urgente reforma do ensino contra a vontade dos professores.
No xadrez, quando apanhado num garfo, o jogador sensato protege a mais forte das duas peças que estão em perigo. Depois, é imperativo que o jogador apanhado num garfo recupere a iniciativa – senão é certo que vai perder o jogo.
O país ganhará se Sócrates seguir o conselho sábio dos grandes mestres do xadrez.
José Sócrates é um bom primeiro ministro, que se agiganta nos momentos de crise e não se deixa abater pelas contrariedades.
José Sócrates será um excelente primeiro ministro quando for capaz de distinguir a ténue barreira que separa a persistência (louvável) da teimosia (perniciosa).
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias