O cágado em cima da árvore
Um velho provérbio umbundo avisa-nos que se virmos um cágado em cima de uma árvore é porque alguém o pôs lá.
A chave para a compreensão do Mundo está em complementar este pedaço de sabedoria milenar africana com o ensinamento do estupendo diálogo de “O Peso da Prova”, um thriller de Scott Turow: “Sabes por que é que os cães lambem os tomates?... Porque podem!”.
Estas duas lições de vida vieram-me logo à cabeça quando a Via Verde me tomou de ponta e expulsou.
O caso conta-se rapidamente. Eu tenho dois carros (uma carrinha Fiat Marea cinzenta de 2001 e um Mini Clubman branco de 1974) ambos equipados com identificadores comprados à Via Verde e validados pelo mesmo cartão Multibanco do Santander.
O meu amigo Luís Mergulhão, um dos gurus da publicidade em Portugal, não usa a Via Verde, argumentando que o identificador deveria ser oferecido pelos concessionários, que são quem mais lucra com o sistema, pois poupam a despesa com portageiros.
O argumento é bom, mas o conforto de não ter de parar nas portagens (acrescentado da dispensa da busca a máquina de pagamento em muitos parques de estacionamento) pesou mais na minha balança e comprei os identificadores.
A nossa relação foi feliz até que, no mês passado, a Via Verde abriu as hostilidades, sem prévia declaração de guerra, sob a forma de um telefonema e duas cartas.
Senti-me como os americanos a seguir a Pearl Harbour. Pelo telefone, alegaram que o cartão Multibanco associado aos identificadores tinha deixado de funcionar. Eu respondi que ele está vivíssimo da Silva, funciona às mil maravilhas (apesar de preso com fita-cola) e está dentro da validade.
Não acreditaram em mim e vieram as cartas. Na primeira, a advogada Maria Antonieta Ribeiro ameaça sentar-me em tribunal, acusando-me de dever 2,15 euros à Via Verde. Na segunda, o director Carlos Tavares de Carvalho gasta duas páginas A4 a comunicar que está tudo acabado entre nós, fundamentando a ruptura no facto do meu cartão Multibanco estar “em situação de inibição” – o que, repito, não é verdade.
Pensei em retaliar, imitando as famílias que despejam cimento nos esgotos antes de abandonarem as casas de que foram desalojadas pelos bancos. Abandonei a ideia, porque o pior que posso fazer à Via Verde é não comprar mais identificadores.
Pensei em imitar o Paulo Branco, que se queixou à Autoridade da Concorrência da Zon estar a dar borlas para as salas da sua concorrente Lusomundo. Ainda não abandonei esta ideia, pois a Via Verde é monopolista e abusa da posição dominante – tal como as concessionárias das auto-estradas que nos obrigam a pagar a portagem por inteiro quando há longos troços em obras.
Decidi perguntar no meu banco se eles conseguem resolver o assunto. O Santander trata bem os clientes, porque sabe que eu se me sentir mal tratado posso mudar para outro banco. A Via Verde trata-me mal porque pode - sabe que a única alternativa que eu tenho é fazer fila para pagar a portagem. A Via Verde é um cágado que o Estado pôs em cima da árvore.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias