O caso do banco bom e do leão que era surdo
Eram muitas mais as vezes que falhava do que as que acertava no alvo. Atrapalhava-se no momento de suspender a respiração e premir o gatilho - essa é que era essa!
O caçador sentia que perdera o dom da caça e preparava-se para acabar com a carreira, quando partilhou o seu drama com um amigo, que o aconselhou a consultar um feiticeiro, que ouvira dizer ser capaz de milagres.
O feiticeiro deu ao caçador uma flauta. Quando estivesse na presença de uma peça que quisesse abater, o que tinha a fazer era tocar a flauta mágica que encantaria e paralisaria o animal. Com a presa imobilizada, seria fácil acertar-lhe.
Foi a medo que o caçador experimentou a flauta do feiticeiro. Mas logo constatou que o remédio tinha tanto de simples como de eficaz.
Prosseguiu a sua auspiciosa carreira, até que um trágico dia avistou um leão, trocaram um olhar e, debalde, começou a tocar na flauta. O leão não parou. Tocou com mais energia - mas nada. O caçador morreu estraçalhado pelo rei da selva.
O triste fim do velho caçador foi presenciado em silêncio por um bando de macacos, prudentemente resguardados nos galhos de uma alta árvore. O silêncio foi quebrado pelo sábio comentário do macaco velho: “Eu não vos disse que ele se ia ver aflito quando encontrasse um leão surdo?”.
Desde que a 15 de Setembro de 2008, as autoridades americanas deixaram cair o Lehman Brothers (permitindo assim que evoluísse para um enfarte no sistema financeiro a crise da hipertensão provocada pelo subprime), que vivemos um ponto de viragem no processo de expansão do crédito iniciado após a II Guerra Mundial, que se tornou explosivo a partir dos anos 80.
A economia mundial vive, em pânico, uma situação nova e perigosa, marcada pela contracção do crédito, liquidação de activos e destruição de riqueza, em dimensões nunca enfrentados por qualquer governante, político, banqueiro ou empresário em funções.
As velhas receitas, que tão bom resultado deram em crises passadas, não servem para atacar esta crise nova. Não vale a pena tocar a flauta, porque a economia ensurdeceu.
O doente (a economia) está nos Cuidados Intensivos. Não é preciso ser um dr. House para perceber que é urgente que o sangue (dinheiro) chegue ao coração (as empresas) do moribundo.
O problema é que as veias (bancos) estão entupidas e o sangue que injectamos perde-se pelo caminho - não chega às empresas.
O melhor é fazer um bypass. Parar a aposta na banca velha – não vale a pena tentar aliviá-la arrumando num banco mau as toneladas de lixo que ela acumulou.
O que há a fazer é canalizar todos os recursos disponíveis para uma injecção de sangue no coração, administrada através de um banco novo – e bom!
PS. Agradeço ao meu amigo Antas Teles ter-me contado esta magnífica história do leão surdo
Jorge Fiel
Esta crónica foi publicada hoje no Diário de Notícias