Ao ver o amigo muito entretido com uma carraça, Tom Sawyer ficou invejoso e perguntou-lhe quanto queria por ela. Recebeu um não como resposta. Huckleberry Finn declarou solenemente não estar interessado em vendê-la.
"Não faz mal, de qualquer maneira é uma carraça muito pequena", desdenhou Tom. "Ora, qualquer um é capaz de dizer mal de uma carraça que não lhe pertence. Eu estou satisfeito com ela. Para mim é uma boa carraça", retorqui Huck.
"O que não falta são carraças! Se quisesse, podia ter mil!", replicou Tom, num esforço de banalização do produto, logo demonstrado pelo amigo: "Então por que é que não tens? Porque sabes perfeitissimamente que não podes! Esta carraça é muito nova, foi a primeira que vi este ano".
O negócio acabou por ser fechado. Concluída a primeira fase da negociação, passaram aos finalmente. Tom ofereceu um dente (cuja autenticidade estabeleceu levantando o lábio superior e mostrando a falha) pela cobiçada carraça, Huck não resistiu à tentação, a transação fez-se e os dois rapazes separaram-se, sentindo-se mais ricos e felizes do que eram antes.
O episódio da troca da carraça pelo dente, constante das Aventuras de Tom Swayer, de Mark Twain, resume os princípios basilares da arte de negociar e é ainda um bom ponto de partida para a redação de um manual de vendas. Um bom negócio é como o celebrado entre Tom e Huck - um negócio em que no final todas as partes ficam satisfeitas.
Pressionado pela troika a vender a ANA à pressa e em tempos de crise, o Governo dificilmente conseguirá fazer um bom negócio, pelo menos do nosso ponto de vista - o dos vendedores.
Da nebulosa de interesses diversos que formam o interesse nacional na privatização da ANA, o único que até agora foi acautelado foi da Câmara de Lisboa, que abichou 286 milhões de euros, por conta dos terrenos na Portela, de propriedade duvidosa, enquanto a Câmara do Porto continua a chuchar no dedo, apesar de ser comprovadamente proprietária de uma parcela dos terrenos do aeroporto Sá Carneiro.
Embora não seja ainda conhecido o caderno de encargos da privatização da ANA, tudo aponta para que o Governo se prepara para ter o comportamento irresponsável de ignorar os mais básicos princípios da negociação enunciados por Mark Twain e fazer ouvidos de mercador não só às pretensões dos empresários e autarcas do Norte mas também à recomendação da OCDE, que para evitar os malefícios de uma posição de monopólio privado aconselhou a divisão dos ativos, antes da venda, como forma de garantir a concorrência.
O aeroporto Sá Carneiro é demasiado importante para a economia do Porto e do Noroeste Peninsular. Seria criminoso abandonar incondicionalmente o seu futuro ao livre arbítrio de um monopólio privado - principalmente quando os empresários do Norte já se disponibilizaram para o comprar.
Por um daqueles acasos em que a vida é fértil, as minhas primeiras quatro namoradas chamavam-se Ana - presumo ninguém leva a mal que esteja a simplificar, pois na verdade as duas primeiras foram inglesas e por isso Ann e não Ana.
Serve esta evocação dos risonhos primórdios da minha vida sentimental e sexual para estabelecer que nada me move contra as Anas - muito antes pelo contrário.
Já o mesmo não poderei dizer o mesmo sobre a ANA (escrita assim, tudo em maiúsculas, por ser a sigla da empresa que gere os aeroportos de Portugal), e da TAP, por achar que estas duas empresas públicas sempre subalternizaram o Norte, privilegiaram os interesses de Lisboa.
O aeroporto Sá Carneiro e o porto de Leixões são infra-estruturas estratégicas para afirmação do Porto como capital do Noroeste Peninsular e têm-se comportado à altura da sua missão, apesar das manobras lisboetas para os estrangular.
O lóbi feito pelos empresários do Norte salvou, no ano passado, o rentável porto de Leixões a uma tentativa de centralizar a sua gestão em Lisboa, numa espécie de ANA dos portos, onde diluiria no prejuízo dos outros portos o lucro alcançado com uma gestão competente.
E está bem viva na nossa memória a tentativa de assassinato a sangue frio do Sá Carneiro, perpretada pela TAP ao retirar-lhe a esmagadora maioria das ligações directas, diligentemente centralizadas em Lisboa.
O nosso aeroporto apenas sobreviveu porque a a Lufthansa e Ryanair identificaram na deserção da TAP uma oportunidadede que rapidamente tiraram partido. Os alemães reforçaram logo o número de voos diários do Porto a Frankfurt, usados pelos homens de negócios nortenhos que preferem escalar um aeroporto nas margens do Meno do que do Tejo.
Muito provavelmente, a TAP deve a sua sobrevivência à estratégia de Fernando Pinto em apostar nas rotas de Luanda e Brasil. Mas, no essencial, o Sá Carneiro deve a sua sobrevivência a um irlandês chamado Michael O'Leary, que anunciou o início da operação portuense da Ryanair vestido com uma camisola do FCPorto, no ano em que Mourinho se transferiu para o Chelsea após ter levado os dragões à conquista da Champions.
Eleito o melhor aeroporto do mundo da sua categoria, na sequência de um inquérito a 300 mil utilizadores, o Sá Carneiro prospera, com o número de voos, passageiros e carga a cresceram em percentagens superiores à dos seus concorrentes nacionais. Mas para continuar a crescer, precisa de separar o seu destino do do aeroporto de Lisboa e ter uma gestão privada.
Como não desagrega as contas de cada um dos aeroportos que gere, a ANA não consegue desmentir a suspeita, levantada pelo presidente da AEP, de que o bem sucedido Sá Carneiro está a subsidiar outros aeroportos
A questão não é nova mas continua pertinente. Se o aeroporto do Porto não é bom negócio, por que é que não o entregam aos empresários que o utilizam e disseram presente quando Sócrates os desafiou nesse sentido?
As dormidas de estrangeiros no destino Porto e Norte de Portugal cresceram 4,1% face a 2007, que já tinha sido considerado “um ano excepcional”.
Este aumento nas dormidas reflectiu-se positivamente nas receitas turísticas, que subiram 3,8%.
A revitalização do Sá Carneiro é a mãe e o pai destas boas notícias. Abandonado pela TAP, o aerporto do Porto recebeu uma fantástica injecção de adrenalina administrada pelas low cost.
Entre 2003 e 2008, ao número de comapanhias aéreas a voar para o Porto mais do que duplicou (passou de sete a 16, enquanto que as rotas cresceram 140% (passaram a ser 56).
Mas o novo fôlego a dar ao turismo no destino Porto e Norte exige diplomacia e implica agir no mercado interno.
Para continuar a crescer sustentadamente, temos de fazer um esforço de marketing, concentrado na Área Metropolitana de Lisboa, para atrair turismo interno.
Temos também de ter a coragem descomplexada de integrar o produto turístico Lisboa que é vendido por essa Europa fora. Sugerir aos “short breakers” que visitam a capital que é uma excelente ideia tirarem um dia para darem uma saltada até ao Porto.
Há quatro anos, quando a TAP deitou as mãos ao pescoço do Sá Carneiro, desviando para Lisboa os voos directos do Porto, foi a Ryanair quem forneceu o essencial do oxigénio que evitou o nosso aeroporto de morrer asfixiado.
A Lufthansa também deu uma ajuda, ao aumentar a frequência de voos diários para Frankfurt. Os alemães foram rápidos a identificar a oportunidade de negócio aberta pela deserção da TAP – e a agir.
A companhia alemã não demorou a obter o retorno deste investimento. «Hub» por «hub», turistas e homens de negócios nortenhos preferem fazer escala em Frankfurt do que em Lisboa.
Mas foi a Ryanair quem salvou o nosso aeroporto da condenação à morte proferida pela TAP (nacionalizada nossa …?!), com a cumplicidade da ANA (nacionalizada nossa…?! ) a entidade gestora dos aeroportos.
Por muitos anos que viva, nunca esquecerei da conferência de imprensa que Michael O’Leary, presidente da Ryanair, deu no Porto, paramentado com a camisola azul e branca do FC Porto, que tinha acabado de conquistar a Liga dos Campeões em Gelsenkirchen.
A combinação entre o prestígio, no Reino Unido, do vinho do Porto e do FC Porto (que acabara de exportar José Mourinho para o Chelsea) convenceu o irlandês de que a sua aposta numa ligação «low cost» entre as cidades do Porto e Londres ia ser ganhadora - e que os seus aviões andariam cheios nos dois trajectos.
Os dois milhões de passageiros transportados, em menos de quatro anos, de e para Portugal, provam que O’Leary tinha razão. A sua Ryanair é a principal contribuinte para as taxas de crescimento da ordem dos 17% ao ano registadas pelo Sá Carneiro, de que já é a sua segunda principal cliente.
O ano passado, três milhões de passageiros usaram o aeroporto do Porto. Este ano, prevê-se que sejam quatro milhões. Mais um milhão.
Mas a monopolista e estatal ANA está a cortar as pernas à continuação deste espectacular crescimento ao boicotar, há quase um ano, um investimento de 220 milhões de euros no Sá Carneiro da Ryanair, que quer instalar no nosso aeroporto uma base de operações.
Entre outras coisas, esta base permitira que, no espaço de um ano, a Ryanair triplicasse o número de passageiros que transporta no Sá Carneiro.
É inadmissível que numa economia que se pretende de mercado, a TAP continue estatal e que através dela o Governo tenha nacionalizado uma companhia privada (a Portugália).
É inadmissível que numa economia que se pretende de mercado, haja uma entidade estatal a monopolizar a gestão dos nossos principais aeroportos, impedindo a concorrência entre eles e prejudicando o Sá Carneiro.
Não há uma entidade única a gerir os portos nacionais e os resultados transparentes deste saudável estado de concorrência estão à vista: o porto de Leixões é o único que dá lucros. Os outros todos, sem excepção, acumulam prejuízos.
A AEP e a Associação Comercial do Porto já se disponibilizaram por criar uma entidade que substitua a ANA na gestão do Sá Carneiro, onde reuniriam empresas exportadoras e operadores turísticos.
É urgente que a ANA tire as patas do Sá Carneiro para que o nosso aeroporto seja gerido pela sociedade civil e, assim, possa continuar a prosperar - e ser a porta de entrada e saída, por via aérea, do Noroeste Peninsular.
No dia 6 de Agosto, o comandante do voo TP 653 tomou uma decisão cujos danos para TAP ainda não são totalmente conhecidos, mas que espero sejam muito elevados.
Como partiu de Amesterdão com duas horas de atraso, o comandante achou por bem agir como um pirata do ar fardado e desviou do Porto para Lisboa o destino do voo TP 653, argumentando que assim evitaria à companhia o prejuízo da anulação de um voo Lisboa-Paris.
Como contribuinte, acho preocupante que a estatal TAP se tenha dado ao luxo de fazer ao GES o jeito de lhe comprar, por 140 milhões de euros, a Portugália, que não fosse nacionalizada teria de fechar as portas.
Como cidadão, acho ultrajante a cultura de falta de respeito pelos passageiros que leva um comandante da TAP a mudar uma rota para poupar uns cobres à companhia.
Como portuense, sinto-me insultado porque sei (sabemos todos), que nem sequer passaria pela cabeça do infeliz comandante desviar, por razões económicas, um voo de Lisboa para o Porto.
A suprema infelicidade do comandante residiu no facto da equipa do FC Porto seguir a bordo do TP 653 e de os dirigentes portistas não serem gente para se acanhar quando suspeitam que há motivo para protestos.
O voo TP 653, que era suposto aterrar no Sá Carneiro às 16h10, aterrou em Lisboa às 18h30, e os passageiros com destino ao Porto, deficientemente informados e muito justamente mal dispostos, acabaram transferidos para um avião com mais passageiros do que lugares.
E como se o caldo ainda não estivesse suficientemente entornado, o comandante caprichou aom mandar prender o chefe da comitiva portista, por este, no seu entender, se ter excedido nos protestos.
Este episódio é revelador da falta de respeito da companhia pelos seus clientes, em particular pelos nortenhos. O menosprezo da TAP pelo Porto já é antigo e manifestou-se por anos a fio de desinvestimento, acabando com voos directos a partir do Sá Caneiro para concentrar na Portela (o tal aeroporto que está saturado) o essencial das suas operações.
A TAP já começou a pagar por esta sua arrogância centralista. Quando não há voo directo para o seu destino, nove em cada dez homens de negócio do Norte preferem fazer a escala em Frankfurt (os alemães aproveitaram o espaço deixado livre pela TAP para aumentarem as suas ligações diárias ao Porto) do que em Lisboa.
Penalizada pelos lugares de destaque que alcançou nos rankings internacionais da perda de malas e atrasos, a TAP iniciou uma campanha de lavagem da sua imagem. Da cartola, ainda só conseguiu tirar dois coelhos, ambos anémicos.
Anunciou com foros de notícia de primeira página, a inauguração de ligações directas do Porto a Bruxelas e Roma. Esqueceu-se de acrescentar que estas rotas se destinam a aproveitar os Fokkers que herdou da Portugália.
Para se calibrar a importância destas duas novas, basta ver que só a Ryanair vai abrir até ao fim do ano cinco novo voos directos do Porto para Pisa, Estocolmo, Valência, Bristol e Milão.
As migalhas dos voos para Bruxelas e Roma não me comovem. Por isso apoio o boicote portista. Voar na TAP, só mesmo quando não tiver alternativa.