Por um daqueles acasos em que a vida é fértil, as minhas primeiras quatro namoradas chamavam-se Ana - presumo ninguém leva a mal que esteja a simplificar, pois na verdade as duas primeiras foram inglesas e por isso Ann e não Ana.
Serve esta evocação dos risonhos primórdios da minha vida sentimental e sexual para estabelecer que nada me move contra as Anas - muito antes pelo contrário.
Já o mesmo não poderei dizer o mesmo sobre a ANA (escrita assim, tudo em maiúsculas, por ser a sigla da empresa que gere os aeroportos de Portugal), e da TAP, por achar que estas duas empresas públicas sempre subalternizaram o Norte, privilegiaram os interesses de Lisboa.
O aeroporto Sá Carneiro e o porto de Leixões são infra-estruturas estratégicas para afirmação do Porto como capital do Noroeste Peninsular e têm-se comportado à altura da sua missão, apesar das manobras lisboetas para os estrangular.
O lóbi feito pelos empresários do Norte salvou, no ano passado, o rentável porto de Leixões a uma tentativa de centralizar a sua gestão em Lisboa, numa espécie de ANA dos portos, onde diluiria no prejuízo dos outros portos o lucro alcançado com uma gestão competente.
E está bem viva na nossa memória a tentativa de assassinato a sangue frio do Sá Carneiro, perpretada pela TAP ao retirar-lhe a esmagadora maioria das ligações directas, diligentemente centralizadas em Lisboa.
O nosso aeroporto apenas sobreviveu porque a a Lufthansa e Ryanair identificaram na deserção da TAP uma oportunidadede que rapidamente tiraram partido. Os alemães reforçaram logo o número de voos diários do Porto a Frankfurt, usados pelos homens de negócios nortenhos que preferem escalar um aeroporto nas margens do Meno do que do Tejo.
Muito provavelmente, a TAP deve a sua sobrevivência à estratégia de Fernando Pinto em apostar nas rotas de Luanda e Brasil. Mas, no essencial, o Sá Carneiro deve a sua sobrevivência a um irlandês chamado Michael O'Leary, que anunciou o início da operação portuense da Ryanair vestido com uma camisola do FCPorto, no ano em que Mourinho se transferiu para o Chelsea após ter levado os dragões à conquista da Champions.
Eleito o melhor aeroporto do mundo da sua categoria, na sequência de um inquérito a 300 mil utilizadores, o Sá Carneiro prospera, com o número de voos, passageiros e carga a cresceram em percentagens superiores à dos seus concorrentes nacionais. Mas para continuar a crescer, precisa de separar o seu destino do do aeroporto de Lisboa e ter uma gestão privada.
Como não desagrega as contas de cada um dos aeroportos que gere, a ANA não consegue desmentir a suspeita, levantada pelo presidente da AEP, de que o bem sucedido Sá Carneiro está a subsidiar outros aeroportos
A questão não é nova mas continua pertinente. Se o aeroporto do Porto não é bom negócio, por que é que não o entregam aos empresários que o utilizam e disseram presente quando Sócrates os desafiou nesse sentido?
Há quatro anos, quando a TAP deitou as mãos ao pescoço do Sá Carneiro, desviando para Lisboa os voos directos do Porto, foi a Ryanair quem forneceu o essencial do oxigénio que evitou o nosso aeroporto de morrer asfixiado.
A Lufthansa também deu uma ajuda, ao aumentar a frequência de voos diários para Frankfurt. Os alemães foram rápidos a identificar a oportunidade de negócio aberta pela deserção da TAP – e a agir.
A companhia alemã não demorou a obter o retorno deste investimento. «Hub» por «hub», turistas e homens de negócios nortenhos preferem fazer escala em Frankfurt do que em Lisboa.
Mas foi a Ryanair quem salvou o nosso aeroporto da condenação à morte proferida pela TAP (nacionalizada nossa …?!), com a cumplicidade da ANA (nacionalizada nossa…?! ) a entidade gestora dos aeroportos.
Por muitos anos que viva, nunca esquecerei da conferência de imprensa que Michael O’Leary, presidente da Ryanair, deu no Porto, paramentado com a camisola azul e branca do FC Porto, que tinha acabado de conquistar a Liga dos Campeões em Gelsenkirchen.
A combinação entre o prestígio, no Reino Unido, do vinho do Porto e do FC Porto (que acabara de exportar José Mourinho para o Chelsea) convenceu o irlandês de que a sua aposta numa ligação «low cost» entre as cidades do Porto e Londres ia ser ganhadora - e que os seus aviões andariam cheios nos dois trajectos.
Os dois milhões de passageiros transportados, em menos de quatro anos, de e para Portugal, provam que O’Leary tinha razão. A sua Ryanair é a principal contribuinte para as taxas de crescimento da ordem dos 17% ao ano registadas pelo Sá Carneiro, de que já é a sua segunda principal cliente.
O ano passado, três milhões de passageiros usaram o aeroporto do Porto. Este ano, prevê-se que sejam quatro milhões. Mais um milhão.
Mas a monopolista e estatal ANA está a cortar as pernas à continuação deste espectacular crescimento ao boicotar, há quase um ano, um investimento de 220 milhões de euros no Sá Carneiro da Ryanair, que quer instalar no nosso aeroporto uma base de operações.
Entre outras coisas, esta base permitira que, no espaço de um ano, a Ryanair triplicasse o número de passageiros que transporta no Sá Carneiro.
É inadmissível que numa economia que se pretende de mercado, a TAP continue estatal e que através dela o Governo tenha nacionalizado uma companhia privada (a Portugália).
É inadmissível que numa economia que se pretende de mercado, haja uma entidade estatal a monopolizar a gestão dos nossos principais aeroportos, impedindo a concorrência entre eles e prejudicando o Sá Carneiro.
Não há uma entidade única a gerir os portos nacionais e os resultados transparentes deste saudável estado de concorrência estão à vista: o porto de Leixões é o único que dá lucros. Os outros todos, sem excepção, acumulam prejuízos.
A AEP e a Associação Comercial do Porto já se disponibilizaram por criar uma entidade que substitua a ANA na gestão do Sá Carneiro, onde reuniriam empresas exportadoras e operadores turísticos.
É urgente que a ANA tire as patas do Sá Carneiro para que o nosso aeroporto seja gerido pela sociedade civil e, assim, possa continuar a prosperar - e ser a porta de entrada e saída, por via aérea, do Noroeste Peninsular.