António Balha e Melo
Falhar não é uma opção para António Balha e Melo, 56 anos, que há oito anos dirige a Servilusa, que, sem falsas modéstias, considera ser “a melhor empresa de serviço funerário da Europa”.
“Na nossa carta de valores estamos proibidos de falhar. Ninguém morre duas vezes. Qualquer coisa desagradável que possa acontecer durante o serviço ficará para sempre na memória dos familiares”, explica este gestor formado no ISCEF (1976), que após o primeiro emprego numa auditora (BDO) passou pelos negócios de ferramentas (Wurth), máquinas agrícolas (Galucho), bebidas (Martini Rossi), catering (Catermar) e revistas (Impala) até que, aos 49 anos, aceitou o desafio de um caçador de cabeças (Rafael Mora) para tentar salvar da morte a Servilusa.
Na viragem do século, a calma, paz e sossego que caracterizam o sector funerário foram perturbadas pela febre aquisitiva das duas maiores companhias norte-americanas do sector, que desataram a comprar agências na Península Ibérica. Foi uma passagem de cometa. Ao cabo de dois anos, venderam a uma companhia espanhola (agora controlada pela 3i, um gigante britânico do capital de risco) o que tinham concentrado.
Assim nasceu a Servilusa, que tinha um ano e estava moribunda quando, impregnado do pragmatismo pombalino (cuidar dos vivos, enterrar os mortos) António tomou conta desta companhia resultante da fusão de 26 agências e dotou-a de identidade e cultura próprias, fazendo o funeral das respectivas marcas (Magno, Barata, Salgado) e tiques.
Oito anos volvidos, sentado à mesa do Sabores do Atlântico, no Parque das Nações (onde ele mora), nota-se que está satisfeito. A Servilusa factura 25 milhões de euros e lidera um sector cada vez mais fragmentado – nos últimos cinco anos o número de agências cresceu de 986 para 1400.
Em Portugal, morrem anualmente cerca de 100 mil pessoas (óbitos e nascimentos equivalem-se), um número em regressão devido ao aumento da esperança de vida. A Servilusa é líder, com os 5 500 funerais/ano (média de 15 por dia), sobrando uma média de 1,3 funerais/semana para as outras agências, o que pressupõe uma disputa titânica pelos restantes mortos.
Dignidade, respeito e humanismo são o mantra do director geral da Servilusa, que apesar do peculiar sector em que actue acaba de ser eleita a quarta melhor empresa para trabalhar em Portugal. Enquanto comia o cherne, cozinhado no papelote com amêijoas e camarão, que empurrou com água (deixou no copo metade do vinho), António deu as pistas para compreender esta escolha.
António Ramos, o director operacional, começou como motorista e fez o 9º ano nas Novas Oportunidades. Vítor Sebastião, o director dos Recursos Humanos, trabalhava no call center. “Quem entra não sai. O nosso grande valor são as pessoas. Pagamos as propinas a quem anda na universidade – não podem é chumbar”, diz.
A forma como encaramos a morte tem evoluído desde que ele trocou a Nova Gente e a Maria (os navios almirantes do grupo Impala) pelo sector funerário. Para começar os funerais ecológicos, com urnas de madeira, revestidas a verniz aquoso (“com o sintético os bichinhos têm de trabalhar mais para conseguirem entrar, o que atrasa o processo de decomposição”), rendas de pano (e não em nylon), nada de plásticos, tudo materiais biodegradáveis.
A opção pela cremação está a subir de uma forma exponencial. Mais que duplicou em dois anos, passando de 4% para 9% do total nacional (em Lisboa já são mais que 50%), que ainda são o valor mais baixo de toda a Europa, muito longe dos 36% espanhóis.
E há mais pompa nos funerais. O mercado está a acolher bem os novos produtos lançados pela Servilusa, como usar as cinzas para ajudar a crescer uma árvore, que eterniza a presença do ente falecido, ou transformar em diamante de uma madeixa do cabelo do morto. E há a música, um extra que pode ser fornecido. Harpa ou violino durante o velório, ou um coro quando o caixão baixa à terra. “É uma coisa muito linda, com toda gente a chorar”, conclui António Balha e Melo, que, como é cada vez mais corrente, já contratou em vida o serviço funerário que quer (optou por ser cremado).
Jorge Fiel
Esta matéria foi hoje publicada no Diário de Notícias
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Sabores do Atlântico
Rua da Pimenta 47, Parque das Nações, Lisboa
2 cherne em papelote … 30,00
Água 0,5 l … 1,50
Azeitonas … 2,50
Cesto de pão … 2,00
½ vinho da casa branco … 3,00
1 café … 1,00
1 descafeinado … 1,00
Total … 41,00
Curiosidades
O protocolo é muito rigoroso. Logo após a recepção da chamada no call center, que funciona 24horas por dia nos sete dias da semana, é mobilizado um dos 36 técnicos comerciais que fardados com de fato cinzento, pin da Servilusa na lapela, camisa branca, gravata verde alface, se desloca ao local do óbito num Ford Focus castanho. Mostra à família o catálogo que leva no portátil e aconselha nas opções. Assinado o contrato, é logo digitalizado e enviado por email para o coordenador do serviço, que imediatamente destaca uma assistente, uma rapariga jovem com formação em Humanísticas, vestida com calças e casaco cinzentos, camisa branca e lenço azul, que toma conta da operação até ao seu final
Malangatana, Saramago e Ernâni Lopes saíram deste mundo pela mão da Servilusa, que apesar de ser a preferida da elite se orgulha de também oferecer os funerais mais baratos do mercado. Para a Misericórdia faz uns 400 a 500 todos os anos, a um preço especial (270 euros cada). Para o mercado, o mais barato é de 328 euros, com um só transporte (ou seja o morto vai directamente para o cemitério, sem velório). Se for cremado, a despesa pode subir para cerca de 1200 euros. O serviço médio ronda os 3500/4000 euros. Como a Segurança Social contribui com uma verba até 2460 euros, António observa que “na maior parte dos serviços é o morto que paga o funeral”. O mais caro jamais feito pela empresa custou 50 mil euros.
“Em média, há um óbito de oito em oito anos em cada família”, conta António. A fidelização da clientela é uma das preocupações da Servilusa, que todos os anos promove missas em memória dos defuntos de cujo serviço funerário se encarregou. Em Lisboa, a missa enche sempre os Jerónimos