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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

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Como lidar com arrumadores

Tenho o hábito de não dar uma moedinha aos arrumadores. Acho que eles são uns parasitas e pequenos chantagistas, que adotaram e adaptaram o engenhoso modelo de negócio inventado pela Máfia que consiste em cobrar aos comerciantes dinheiro para se protegerem deles próprios, os mafiosos.

Não é por o arrumador esbracejar a sinalizar um lugar vago que está à vista de toda a gente (pelo menos de quem tenha menos de 20 dioptrias em cada olho) que um condutor dá a moedinha. Está sim a proteger-se da ameaça velada, apesar de não verbalizada, de, na volta, encontrar o carro riscado.

Um risco no carro é o risco que corre quem não contribui para a felicidade dos arrumadores.

Eu corro esse risco na boa, pois até acho que os riscos no carro são como as rugas na nossa cara. Temos de nos habituar a viver com eles (os riscos) e elas (as rugas).

Claro que há honrosas exceções. Quando trabalhava no escritório do Porto do "Expresso", em Júlio Dinis, um colega meu mantinha sob contrato um arrumador que atuava na zona do Bom Sucesso.

Era uma espécie de serviço de valet parking, como está na moda ser disponibilizado à porta dos restaurantes de grandes metrópoles, como São Paulo ou Los Angeles, nas zonas onde lugares vagos de estacionamento são um fator escasso.

O Paulino chegava com o carro e não tinha de se preocupar em arranjar lugar. Deixava-o em segunda fila e confiava a chave ao arrumador, que o estacionava corretamente logo que surgisse uma vaga - e, mal detetava a presença de fiscalização, corria a meter diligentemente uma moedinha no parquímetro e o respetivo papelinho junto ao para-brisas.

O arrumador do Paulino não era um chantagista, mas sim um prestador de serviços, um empreendedor que sabia criar valor e um exemplo a elogiar e seguir - apesar de desenvolver a sua atividade no âmbito da economia paralela (estará muito longe de ser o único a fugir aos impostos).

Em junho, estava sentado numa esplanada, em Boston, em frente ao Macy, a preparar um passeio pelo North End, quando ouvi uma simpática voz feminina a disponibilizar-se para me ajudar.

Do you need some help? Não, não precisava, mas até parecia que sim, pois estava debruçado sobre um mapa e três guias (DK, Time Out e Gallimard).

Mal ouviu a minha resposta, a senhora simpática pegou numa vassoura e começou a varrer a rua e eu fiquei a saber, pelos dizeres estampados (Ambassador Boston Downtown) na sua sweater verde (a cor de Boston) que era uma embaixadora da cidade, destacada para prestar serviço na Baixa.

Qualificar os arrumadores, transformando-os em prestadores de serviços de valet parking, e reconverter desempregados de longa duração e beneficiários do RSI em embaixadores multitarefas (que tanto limpam a rua como usam o walkie talkie para reportar problemas ou ocorrências e disponibilizam ajuda a quem passa) seriam boas ideias para melhorar o ambiente nas nossas cidades e garantir um trabalho digno e útil aos nossos concidadãos que atravessam uma fase menos boa das suas vidas.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no JN

 

Os arrumadores e a corrupção do tipo B

Eu não dou uma moedinha aos arrumadores.

Os meus amigos, que se deslocam em vistosos Mercedes, BMWs e Audis dizem que me posso dar a esse luxo porque a chapa cinza rato da minha carrinha Fiat Marea (matrícula de 2001) está tão crivada de amolgadelas e riscos que eu nem repararia se ela fosse vandalizada por um arrumador vingativo.

Eles devem ter razão. A minha atitude blasé face aos arrumadores  fundamenta-se no facto de ter muito pouco a perder se incorrer na ira deste modernos parasitas, que substituíram na paisagem urbana os cães vadios e os doidos (que andam disfarçados – compensados, como se diz agora).

O modelo de negócio dos arrumadores é decalcado da Mafia. Em troca da moedinha, protegem-nos deles próprios.

Há, no entanto, uma pequena maioria de arrumadores que não se limitam à venda ilegal de protecção, e fornecem serviços de valor acrescentado.

Há uns bons dez anos, quando o fenómeno dos arrumadores desabrochava e o Expresso no Porto ficava na Boavista, um colega meu (António Paulino) avençou um arrumador que não só lhe punha o carro a lavar, como fazia valet parking (se não havia lugar, estacionava em segunda e deixava-lhe a chave) e metia moedas no parquímetro se os fiscais aparecessem.

Eu próprio teria recorrido a este arrumador se o dr Balsemão não me pagasse, à época, um lugar de garagem.

A praga dos arrumadores revela um pernicioso traço do nosso carácter nacional e permite estabelecer um paralelo com a corrupção.

É grave receber sem dar nada em troca, e isso é tão válido para arrumadores como para funcionários e políticos corruptos.

Há dois tipos de corrupção. A do tipo A, maioritária no pais e entre os arrumadores, é praticada por pessoas a quem pagamos só para não nos lixarem.

A corrupção do tipo B é mais benigna e positiva, pois é produtiva e faz PIB. Estes corruptos abusam da sua posição e recebem uns dinheiros por fora, mas propiciam-nos serviços (facilitam a vitória num concurso, vendem-nos, à razão de 500 euros cada, anos de descontos para a Segurança Social ou garantem que o nosso processo vai ficar no fundo do monte até prescrever), tal como o arrumador do Paulino.

Os corruptores do tipo B prejudicam o Estado, mas, como diz o povo, “ladrão que rouba ladrão em cem anos de perdão”.  Um estudo do Centro de Estudos de Sociologia revela que a maioria dos portugueses partilha deste ponto de vista.

Perguntados sobre o que mais apreciam num político, a competência (34%) vem em primeiro lugar, seguida da responsabilidade e eficácia. Só 0,7% dos inquiridos refere a honestidade. É o elogio do “rouba mas faz”

Nós não nos importamos que roubem, contanto que sejam competentes, eficazes e empenhados.

Jorge Fiel

www.lavandaria.blogs.sapo.pt

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

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