As miúdas da minha geração sonhavam ser hospedeiras da TAP e os rapazes aspiravam a ser pilotos de avião. Eu sempre sonhei ser banqueiro. Nunca fiz segredo disso.
Sempre que passava pela esquina da Sampaio Bruno com a Sá da Bandeira e olhava de baixo para a imponência da sede do Banco Pinto de Magalhães sonhava acordado com a hipótese de um dia ser dono de um banco e ter os bolsos fundos para comprar não um mas dois ou três Cubillas e assim habilitar o meu Porto a interromper o longo jejum e voltar a ser campeão.
Sem falsas modéstias, acho que tenho o apelido ideal para ser banqueiro. Banco Fiel é uma marca seguramente melhor que Banco Mello ou Banco Pinto de Magalhães. E pelo menos tão boa como Banco Espírito Santo.
Crescer não me tirou o sonho da cabeça. Antes pelo contrário. Qualquer adulto destro a fazer contas de cabeça fica excitado pela desarmante simplicidade de um negócio como o bancário, que ainda é mais sexy que a Scarlett Johansson e a Charlize Theron juntas.
Ter as pessoas a fazerem fila para nos emprestarem dinheiro barato e depois emprestar esse dinheiro a um preço bem mais caro é um negócio de sonho.
Espertalhões, os banqueiros inventaram uma língua própria (vendas a descoberto, imparidades, carência de capital...), recheada de vocábulos em inglês (spread, warrant, yeld...), para nos convencer que a profissão de banqueiro só é acessível a um punhado de eleitos.
O negócio é tão bom e tão simples, que para abrir um banco e ser banqueiro é preciso uma autorização do Banco de Portugal, que foi concedida a João Rendeiro (Banco Privado) e a Oliveira Costa (BPN), mas está obviamente fora do alcance de alguém como eu que não sou imensamente rico, não milito num partido do arco governativo, não faço parte da Maçonaria ou da Opus Dei, nem sequer sou sócio do Benfica.
Pragmático como me orgulho de ser, há muito interiorizei que nunca serei banqueiro - nem sequer bancário, profissão bastante jeitosa, pois é a que menos sente os efeitos da crise, já que os que estão no activo continuam a ter 25 dias de férias e os reformados são os únicos a receberem 13º mês e subsídio de férias.
Depois de durante anos a fio terem apresentado lucros gordos e recordes, os bancos vão revelar resultados modestos na próxima 6.ª (com excepção do BPI, que os divulga na 5.ª), um dia judiciosamente escolhido para diluir o impacto negativo das notícias durante um fim-de-semana em que não há bolsa e os jornais económicos não saem.
Os banqueiros são os espertalhões, como está demonstrado pelo BCP, que fez uma chicotada psicológica e foi ao Santander contratar o André Villas-Boas da banca (o Mourinho está no Lloyd's) para anestesiar a dor dos prejuízos (fala-se em 600 milhões) que vai anunciar.
Os banqueiros são uns espertalhões, por isso não tenha pena deles. Faça antes como eu, que tenho inveja deles. E tenha pena de mim por não ter conseguido fundar o Banco Fiel.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias
Um banco é um sítio onde te emprestam dinheiro se conseguires provar que não precisas dele. Bob Hope é o improvável autor da definição mais adequada ao comportamento actual dos bancos portugueses.
Como toda a gente sabe, fomos metidos nesta estrangeirinha pelos desmandos e disparates do sistema financeiro. Não deixa de ser um curioso (e penoso) exercício de humor negro que o Governo esteja a usar o nosso dinheiro para impedir o colapso dos responsáveis pela violenta recessão em que vivemos.
Os bancos estão a aproveitar os apoios estatais para se recapitalizarem. A água que o Governo bomba através do sistema financeiro não chega em quantidade suficiente à economia real, sequiosa de liquidez, porque a canalização está rota – e a ganância dos banqueiros continua lá, não mudou.
Como toda a gente sabe, seria mais fácil transformar água em vinho do que extrair a ganância da alma de um financeiro, o que só seria possível com um transplante de carácter.
As empresas queixam-se de estar a morrer por falta de dinheiro e que os plafonds de apoio à tesouraria caíram para metade, mas os balanços trimestrais dos bancos mascaram esta triste realidade com tinta cor de rosa. A Caixa, por exemplo, declara que aumentou em 16,4% o crédito às empresas e em 12% a captação de poupanças e aplicações.
Este divórcio entre as queixas das empresas e os balanços dos bancos tem origem na estratégia de pescadinha de rabo na boca, afinada e posta em prática pelas luminárias em engenharia financeira.
As linhas de crédito com spread baixo são esgotadas em empresas que não precisam de dinheiro e por isso o aplicam logo a uma taxa superior. Ou seja, o dinheiro não chega a sair do banco, não entra na economia real mas tem um impacto positivo duplamente positivo na percentagem de crédito concedido e recursos captados.
O esquema é tão simples quanto pernicioso e deixa-me cheio de vontade de chamar aos banqueiros os nomes que um adepto de futebol costuma dedicar ao árbitro que marcou um penalti injusto contra o seu clube.
Até finais de Setembro, quando cair a folha, o Governo tem de inventar uma maneira mais eficaz de fazer chegar o dinheiro às PME da indústria transformadora, com um bypass ao sistema financeiro.
Senão, as empresas, com a tesouraria exaurida pelo pagamento do subsídio de férias e pelo Agosto sem facturar, vão começar a cair como tordos na falência e teremos milhares de famílias atiradas para o desemprego, a imitarem desesperadas O Grito de Munch.
Vai ser tão mau que até os banqueiros deviam estar preocupados, porque quando o parasitado está em perigo o parasita devia defendê-lo – pois assim defende o seu bife.
Tenho uma pequena carteira de acções: 7300 Sonae SGPS, 912 Sonae Capital, 466 Impresa, 310 EDP Renováveis e 250 Santander. Valia 7 673 euros a 31 de Janeiro.
Este dinheiro dava-me agora jeito para ajudar a pagar as obras num andar que comprei. Mas custa-me liquidar, a cotações de saldo, uma carteira que a 31 de Janeiro de 2008 valia 13 881 euros (sem as 310 EDP R!).
Não há drama. Posso financiar as obras sem tocar nas acções. Mas me deixassem, fazia com a Caixa um negócio tipo Fino. Vendia a carteira à Caixa por 14 mil euros, salvaguardando o direito de a recomprar nos próximos três anos. O problema é que tenho tantas hipóteses de ser bem sucedido neste negócio como uma bailarina com uma perna de pau.
Estou a ver a cena. Chegado ao balcão, dizia ao que ia e a cara da bancária (preferia que fosse uma mulher) abria-se num largo sorriso e dizia-me: “O senhor está a querer-se armar em Fino!”. Depois explicava-me que o negócio era impossível porque não devo dinheiro à Caixa e a verba em causa é ridícula – para o caso poder mudar de figura, teríamos de acrescentar-lhe dois zeros à direita.
Fino pode vender 10% da Cimpor à Caixa por mais 62 milhões do que valem, porque a astronómica quantidade de dinheiro que deve provocaria rombos enormes nas contas de uma data de bancos, se eles tivessem de assumir que ele não pode pagar.
A explicação de Teixeira dos Santos para esta operação até nem é má – evitou uma perda de 80 milhões pela Caixa, em 2008. Só pecou por não ter usado o verbo adequado: em vez do evitar, deveria ter utilizado os verbos mascarar, camuflar ou esconder.
Os bancos sabem que ninguém está falido enquanto as pessoas não souberem que está falido. Por isso, usam as garantias do Estado e o dinheiro dos contribuintes para maquilharem os erros do passado e manterem créditos zombies artificialmente vivos.
Berardo deve mil milhões de euros a três bancos (CGD, BCP e BES), que usou para comprar 6,2% de um deles (BCP), onde acumulou perdas potenciais de 800 milhões de euros – superiores à contribuição dos EUA para a reconstrução da Faixa de Gaza. Esta notável performance foi premiada com o congelamento do pagamento de juros durante quatro anos e o prolongamento do prazo dos empréstimos.
O BCP tem 10% da Teixeira Duarte (TD), que tem 7,5% do BCP, cujo fundo de pensões tem 10% da Cimpor, onde a TD tem 23,3% (dos quais 5% dados como colateral à Caixa, que está em força nos cimentos). Em face desta teia, é mais provável o Estado português abrir falência do que a TD, que deve dois mil milhões de euros.
É por estas e por outras que o crédito está a ser negado a empresas viáveis, que a banca está a estrangular ao não lhes acudir aos problemas de tesouraria.
É por estas e por outras que dói no coração assistir à falência de grupos exportadores, como o corticeiro Suberus, que a banca asfixiou ao retirar-lhe o crédito operacional.
Os banqueiros que se cuidem. Se não arrepiam caminho, qualquer dia o Bonnie & Clyde volta a ser um filme de culto - e o El Solitário e o gangue das Perucas são os novos Robin dos Bosques.
A ampla e sábia comunidade de comentadores e analistas da coisa política convergiria num inédito momento de consenso escandalizado se José Sócrates perdesse o juízo e viesse comunicar-nos que dera instruções severas a todos os ministros para observarem a Constituição da República e deixarem de roubar os contribuintes – e que proibira os polícias de infringirem as leis e os juízes de desrespeitarem o Código Penal.
Mas, que eu tenha reparado, ninguém na curta mas influente comunidade de comentadores a analistas da coisa económica achou digno de nota que Miguel Cadilhe tenha usado o mais importante jornal do país para nos comunicar que proibira expressamente os seus empregados do BPN de cometerem qualquer ilegalidade. Pequena ou grande. Ponto final.
Fiquei arrepiado quando li esta comunicação do novel e austero presidente do BPN. Mas o silêncio dos meus ilustres e avisados colegas, bem como a revelação de pormenores escabrosos da ida ao tapete do Lehman, obrigou-me a pensar melhor neste assunto, antes de abrir a minha bocarra.
Após uma semana de aturada ponderação, concluí que o meu arrepio espontâneo e solitário se filia nas minhas pueril ingenuidade e triste ignorância.
Devemos todos aplaudir, com entusiasmo e ambas as mãos, a eloquente decisão de Cadilhe de proibir o pessoal do BPN de continuar a fazer malabarismos com a leis, a marimbar-se para as regras do Banco de Portugal e a violar alegremente o disposto nas rigorosas alíneas do Código de Valores Mobiliários. Foi uma pedrada no charco. Uma atitude corajosa que deveria ter sido prontamente secundada pelos seus pares.
Confesso que tenho estranhado a demora dos doutores Faria de Oliveira, Santos Ferreira, Fernando Ulrich e Ricardo Salgado em nos informarem que já decretaram internamente a proibição dos funcionários da Caixa, Millennium BCP, BPI e BES de atropelarem a legislação em vigor.
Nesta semana em que os olhos da comunidade financeira estiveram grudados em Bush e na América, tal com o girassóis se voltam para o Sol, terá passado despercebido o atestado de bom comportamento passado à nossa banca por Ricardo Salgado.
“Os bancos portugueses portaram-se bem, não investiam nos produtos tóxicos que estão por trás da crise”, garantiu o presidente do BES.
Longe de mim duvidar da sageza e veracidade da declaração de Ricardo Salgado. Mas nestes tempos em que prudência e sensatez se tornaram palavras arcaicas, não fico sossegado quando vejo grandes bancos portugueses a produzirem espumante (por sinal muito bom, adoro o Vértice!) , serem accionistas de referência de uma multinacional cimenteira e a terem uma presença activa no mercado da construção civil e obras públicas, em vez de concentrarem a sua atenção e esforços na gestão cuidada das poupanças que os clientes lhes confiaram.
Suspeito que há muito lixo escondido debaixo do tapete, que deve ser urgentemente varrido das contas dos bancos, para evitar que o sistema financeiro português perca o seu principal activo: a credibilidade.
Horácio Roque não hesitou quando lhe perguntei qual o melhor negócio da sua vida. Foi a venda de uma casa, que não era dele, em Luanda, em 1962.
Após ter vendido a casa, foi comprá-la mais barata, para honrar o compromisso. A beleza desta operação consiste em feito um negócio lucrativo sem dinheiro.
Neste negócio, o jovem Horácio, com 20 anos ainda por fazer, evidenciou um refinado raciocínio financeiro e uma vocação para banqueiro que cumpriria mais tarde (é o dono do Banif).
Na gramática financeira, vender um activo que não é nosso não é uma vigarice idêntica à de, por exemplo, vender a Torre Eiffel ao xeique Sulaiman Al-Fahim. Nada disso. Trata-se de uma operação respeitável que responde pelo nome de “short selling” e consta do menu básico de qualquer aprendiz de financeiro.
“Alavancar” é o santo e a senha da acelerada sofisticação da oferta de produtos financeiros. Os gurus da finança copiaram do Euromilhões, o princípio básico da “alavancagem”, que consiste na tentadora oferta de nos habilitarmos a ganhar uma fortuna (pequena, média ou grande), mobilizando apenas um pequeno pecúlio.
A única diferença, é que no Euromilhões arriscamos apenas os dois euros da aposta básica, e quando fazemos “short selling” ou jogamos com derivados corremos o risco de ficar depenados.
A crise financeira em curso há um ano, que conheceu esta semana desenvolvimentos dramáticos com a ida ao tapete da Lehman, é filha da sofisticação da “alavancagem” e a sua essência resume em 177 palavras.
No virar do século, o dinheiro estava em saldo e as famílias aproveitaram a oportunidade para se endividarem muito para além das suas possibilidades, para comprar não só casa, mas também plasmas, móveis novos, portáteis, BMWs e férias nas Caraíbas. O mercado imobiliário respondeu a esta pressão de acordo com a lei da oferta e da procura: entre 2000 e 2006, o preço das casas duplicou nos EUA.
Para estar apto continuar a alimentar a fornalha, a banca inventou um produto conveniente. Titularizou os créditos hipotecários e vendeu-os a fundos de pensões, bancos centrais, “hedge fundos”, etc.
Os mais atentos viram que a coisa ia dar para o torto no final de 2006, quando começou a subir o preço do dinheiro e a descer o valor das casas que sustentavam este engenhoso castelo de cartas, assente em activos tóxicos, de pouca qualidade. As famílias deixaram de pagar as hipotecas e não demorou muito até ficarmos a saber que vivíamos uma crise baptizada com o enigmático nome de “subprime”, que torrou um bilião de euros à banca mundial.
Esta crise marca o fim da época dos eufóricos desvarios financeiros e prova que a auto-regulação é insuficiente. Entregues a si próprios, os mercados têm uma alarmante tendência suicida. Com a sua intervenção, a Reserva Federal norte-americana reconheceu que Keynes estava certo. Agora é urgente que o sistema financeiro recupere a credibilidade e não continue a dar razão a Marx, que teorizou que o capitalismo encerra em si o germe da sua destruição.