Um panfleto contra a «cidade museu» a propósito do barulho sobre o Bolhão
Num dos agitados jantares que pautaram o parto da Bússola, estava em cima da mesa a escolha do local para o anúncio, «urbi et orbi», da boa nova do nascimento deste blogue.
Três hipóteses foram aventadas:
a) Durante uma viagem do Metro do Porto até à Póvoa, numa carruagem alugada para o efeito;
b) Num pequeno almoço no «trendy» bar de alterne Calor da Noite;
c) No interior do Mercado do Bolhão.
A maioria escolheu o Bolhão. Assim se fez.
Apresentamo-nos ao Mundo tendo como cenário a fonte central do mercado e como banda sonora o desbocamento das vendedeiras que cravaram beijos ao Juca (acharam-no ainda mais bonito do que na televisão!) e se encostaram, dengosas, aconchegando-se na enorme solidez do Manel Serrão.
Foi um número. Um número já um bocado gasto, mas de sucesso (mediano) garantido. Não é por acaso que os líderes políticos em campanha eleitoral não dispensam a visita ao Bolhão.
O mercado é colorido e cinematográfico o que, aliado às bocas javardas das vendedeiras (que tratam o vernáculo por tu), garante automaticamente preciosos minutos de televisão nos telejornais. A receita tem-se revelado infalível.
Vem isto a propósito da histeria que se apoderou da cidade a propósito da sábia decisão da Câmara de concessionar o mercado a privados, matando vários coelhos com uma só cajadada – evita que ele venha abaixo e moderniza-o sem ter de nos ir aos bolsos.
A «overdose» de notícias sobre o Bolhão, que infesta as colunas dos jornais e inunda os noticiários televisivos, provocou-me uma alergia ao assunto e impediu-me de me documentar com detalhe sobre o projecto da holandesa TCN.
Mas acompanhei a abertura do dossiê, que já leva alguns anos de existência.
O lançamento concurso público de ideias e projectos para a modernização do Bolhão não mereceu, à época, o mínimo reparo aos «suspeitos do costume», uma manada onde se distingue a «dramaturga Regina Guimarães» - só falta mesmo lá a infatigável Dona Laura da Associação de Comerciantes para o folclore ficar completo.
Dois candidatos (a Amorim Imobiliária e a TCN) apresentaram as suas propostas e ninguém tugiu nem mugiu.
Agora que o processo está concluído e pronto a ir para o terreno, é que os contestatários de aviário despertaram para o assunto e armaram este banzé, um triste «remake» da «rivolização», que os Media, na sua doce incompetência, aceitaram transformar num lamentável Watergate à moda do Porto - num eco regional do massacre mediático proporcionado pelo desaparecimento da pequena Maddie. Um inferno.
Não conheço em pormenor o projecto da TCN para o Bolhão, mas sei que da demolição das velhas Halles, no coração de Paris, só sobreviveu o típico restaurante «Pied de Cochon», aberto 24 horas por dia.
Sei também que o Covent Garden, um velho mercado transformado em galeria comercial, se tornou umas das principais atracções turísticas londrinas, onde se pode beber um Merlot enquanto se ouve um quarteto de cordas a interpretar ao vivo peças clássicas populares – ou presenciar espectáculos de rua de habilidosos malabaristas.
As cidades não são museus. Não podem ser conservadas em formol. Os tempos mudam. Seria uma tolice enorme e um vão esforço tentar transportar intacto até ao século XXI o Porto do passado, dos barcos rabelos, do Aniki Bobó, das casas sem esgotos, das donas de casa a gritarem água vai antes de despejaram os penicos para a rua.
Só os conservadores e reaccionários não compreendem a urgência e inevitabilidade da mudança.
Por norma, as pessoas resistem à mudança. Mário Soares considerou criminosa a decisão de construir o Centro Cultural de Belém, qualificando-a como um atentado ao Mosteiro dos Jerónimos . Está aí alguém que me contesta se eu disser que o CCB valorizou e enquadrou os Jerónimos?
Os pregadores do imobilismo armaram um enorme pé de vento contra o Cubo que José Rodrigues instalou na Praça da Ribeira, recolheram assinatura contra os molhes que protegem a barra do Douro, maldisseram a arquitectura inovadora e arrojada de Koolhas na Casa da Música e agora protestam contra a largura projectada para a Via Nun’Álvares que ligará a praça do Império à avenida da Boavista.
Os conservadores contestatários não se incomodaram enquanto o belíssimo Palácio do Freixo fenecia. Só despertaram para o destino desta jóia de Nicolau Nasoni quando a Câmara negociou com o grupo Pestana a instalação de uma Pousada de Portugal neste palácio, o que não só permite a sua recuperação e alindamento como dota a cidade de mais um importante trunfo para a atracção de turistas.
Quer-me parecer que se as cassandras catastrofistas mandassem, haveria uma feira de gado na praça D. João I, um mercado de cavalos nos Poveiros, a feira do pão na Praça de Lisboa – e a árvore da forca na Cordoaria.
Acordem! Os centros comerciais e os hipermercados são as novas feiras. Aceitem a mudança. Não sejam ridículos a tentar fazer frente aos ventos dos novos tempos que sopram.
Rui Rio está certo ao recorrer aos privados para tentar recuperar espaços e equipamentos importantes para a cidade e que estão degradados, como o Bolhão, a praça de Lisboa, o Ferreira Borges, o Rosa Mota ou o Bom Sucesso.
Compete aos cidadãos do Porto participar activamente na discussão pública dos projectos apresentados pelos privados, uma atitude de vigilância para garantir a qualidade destas intervenções e a transparência dos contratos de concessão.
Jorge Fiel
PS. Foi minha a proposta vencida que sugeria que a Bússola fosse anunciada durante uma vigem do Metro. Gosto de olhar para a frente. Adoro a História - mas o passado só me interessa para me ajudar a perceber o presente e melhor me preparar para o futuro.