A história não é nova, mas é exemplar. O Teatro Art’Imagem perdeu o direito a receber um subsídio camarário de 20 mil euros por se ter recusado a assinar um contrato que tinha uma cláusula que inibia o grupo de produzir a mínima crítica à acção de Rui Rio.
O episódio diz tudo sobre a coragem e independência do grupo de teatro e sobre o autoritarismo que marca o pensamento e a acção de uma gestão autárquica que julgava poder comprar com um pequeno monte de notas a dignidade e silêncio alheios.
Não foi para isto que se fez o 25 de Abril.
O Provedor de Justiça deu o primeiro passo ao declarar inconstitucional a cláusula que impõe a mordaça em troca do subsídio.
Compete agora ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (para onde o Teatro Art’Imagem recorreu, exigindo da Câmara uma indemnização de 20 mil euros pelos danos causados) confirmar que a democracia portuguesa está equipada com mecanismos legais capazes de rejeitar a prepotência de quem não sabe conviver com a crítica.
PS. Terça feira à noite, encontrei Rui Moreira na Marisqueira do Miguel, em Matosinhos. No intervalo do Manchester-FC Porto, ele esclareceu-me que a empresa que vendeu não era a da família (a fábrica de colchões Molaflex), mas antes um negócio que tinha sido criado por ele próprio. Aqui fica a rectificação acompanhada das minhas desculpas pelo erro - e da minha satisfação por ele ter recusado encabeçar a lista do CDS/PP para as europeias.
No próximo dia 25 de Abril, o presidente da Câmara do Porto vai pôr umamedalha no peito de Belmiro de Azevedo.
Não é preciso ser engenheiro de foguetões para perceber porquê. Lá mais para o Outono há eleições autárquicas e o ex-número dois de Pedro Santana Lopes e de Manuela Ferreira Leite (1) sabe que, com as suas sucessivas hesitações, desperdiçou para Passos Coelho a hipótese de ter um retrato na escadaria da sede laranja na rua de São Caetano à Lapa.
Por outras palavras. Se o Pinto da Costa aceitasse, não tenho a menor das dúvidas de que no próximo dia 25 de Abril estaria ao lado de Belmiro nos Paços do Concelho.
E não me espantaria nada se o Rui Rio pusesse a varanda da Câmara à disposição dos festejos pela conquista de mais um título pelo FC Porto.
………….
(1)Juro que não há ponta de sarcasmo embutida neste alinhamento. Ao fim e ao cabo, toda a gente sabe que a capacidade de contorcionismo é muito elogiada e uma vantagem comparativa nos tempos que correm.
Vai amanhã a enterrar o dr. Fernando Cabral, ilustre portuense e portista. Há quem diga que foi o pior presidente da Câmara do Porto depois do 25 de Abril, o que humildemente me parece uma coisa sem sentido. Até porque quem o diz defende que ele não gastou o dinheiro que tinha. Mas foi ele, por exemplo, que começou a Via de Cintura Interna e foi, é verdade, responsável por ter deixado algum dinheiro que permitiu alguns brilharetes de Fernando Gomes, que lhe sucedeu no cargo.
Fernando Cabral foi jornalista, foi advogado, foi vice-presidente do FC Porto, foi militante e dirigente do PSD e foi presidente da Câmara - diz o JN de hoje, pela pena do Jorge Vilas, e eu nem me lembrava, que foi ele que comprou o Teatro Rivoli para a CM Porto. Além disso foi um homem simples e bom, amigo do seu amigo, sempre pronto para uma cavaqueira sobre o Porto de que ele tanto gostava. Cheguei a conhecê-lo nas minhas vidas jornalísticas e fiquei sem dúvidas de que se tratava de um portuense dos sete costados e de um homem com visão.
Na Câmara teve também um período de grandes lutas com a EDP.que pretendia aumentar as tarifas e reaver créditos sem olhas às condições que o fazia. E Cabral foi duro, chegou mesmo à ruptura com o seu partido.
Creio que, profissionalmente, Fernando Cabral começou por ser jornalista, no extinto Diário do Norte. Essa era outra faceta que gostava de relembrar e que, acho eu, lhe permitia facilmente perceber o fluir do mundo com facilidade, estando atento a pormenores que ditam as mudanças. É indiscutivelmente, uma perda para a cidade e o Bússola faz bem, acho eu, em marcar também o passamento dos seus ilustres.
Acabo de saber, horrorizado, que Rui Rio prevê que o Orçamento da Câmara do Porto para 2008 se conclua com um «superavit»de 5,2 milhões de euros!
Esta notícia confirma as minhas piores expectativas. A Câmara do Porto está pessimamente governada. Aquilo que um munícipe exige da sua Câmara não é que é que ela dê dinheiro .
Uma Câmara não é uma empresa cotada e os munícipes não são accionistas sequiosos de pingues dividendos.
O que eu espero e reivindico é que a Câmara se endivide e dê prejuízo de modo a poder fazer fortes investimentos na melhoria da qualidade de vida dos habitantes da nossa cidade.
O espírito salazarista de «pobretes mas alegretes» contaminou o bom do nosso presidente da Câmara.
Rui Rio é aquele estilo de pessoa que não se importa de usar sapatos com as solas esburacadas, colarinhos puídos, calças remendadas, gravata com nódoas e casaco no fio, contanto que possa andar na rua de cabeça erguida porque não deve nada a ninguém. Ora isso já não se usa.
Este estilo salazarista, que se deve elogiar num contabilista e se admite num director financeiro, é absolutamente rançoso e inapropriado num presidente de Câmara.
Eu e todos os munícipes do Porto com dois dedos de testa olhamos com indisfarçável inveja para o enorme endividamento da Câmara de Gaia que possibilitou que o concelho vizinho desse um enorme salto em frente.
Eu e todos os munícipes do Porto com dois dedos de testa olhamos gulosos para o mega endividamento da Madeira, que lhe permitiu passar a ser a segunda região mais rica de Portugal, com o Funchal a ostentar um rendimento «per capita» bastante superior à média comunitária.
Eu e todos os munícipes do Porto com dois dedos de testa só olhamos de lado para o gigantesco endividamento da Câmara de Lisboa porque ele não foi acumulado de uma forma virtuosa no desenvolvimento da cidade mas sim a garantir bons empregos para os «boys» dos partidos.
A História recente está aí a provar esta verdade de sangue. Fernando Cabral foi o pior presidente da Câmara do Porto depois do 25 de Abril e deixou os cofres da autarquia cheios de dinheiro. Fernando Gomes foi o melhor autarca do Porto democrático e gastou o dinheiro todo que recebeu em herança de Cabral.
Eu e todos os habitantes do Porto com dois dedos de testa exigimos a Rui Rio uma Câmara endividada e que dê prejuízo.
A abrir uma declaração de interesses. Sou amigo de Rui Rio, a quem admiro a integridade, rigor, coragem e persistência.
Mas esta amizade, nascida a partir de um amigo comum (João Queirós, de cujo talento fomos prematuramente privados pela Grande Ceifeira), não turva o meu discernimento.
Da mesma maneira que a visão critica que tenho dos seis anos que o Rui leva como presidente da Câmara não abala uma amizade adulta, tecida nos tempos agitados que se seguiram ao 25 de Abril, quando todos os que o conhecíamos nos espantamos por vê-lo a ele, senhor de um generoso ideário de esquerda, alistar-se no PSD.
Usando a memória como único filtro e auxiliar, elaborei a seguinte lista dos presidentes da Câmara do Porto que se seguiram à Revolução e das suas mais importantes realizações.
Esta lista vale o que vale . Se me esqueci de algum presidente ou de alguma grande obra, aceito uma parte das culpas. Sendo que a outra parte da responsabilidade a endosso, direitinha, para cima dos ombros de quem não soube ou conseguiu impressionar-me.
Aureliano Veloso
O primeiro depois de Abril. O seu filho Rui, cantor do Porto Sentido, foi provavelmente a obra maior que nos deixou.
Coelho de Magalhães
Muito curriculum oposicionista, pouca uva democrática.
Paulo Valada
Um homem bom do Porto. Refrescou o discurso da cidade. Recuperou o Mercado Ferreira Borges. Reinstalou na Praça do Império o Monumento ao Esforço Colonizador que estava armazenado no Palácio de Cristal.
Fernando Cabral
Estava destinado a ser presidente da Câmara de Paredes (ou seria Penafiel?), mas sem ninguém ter percebido como (nem ele próprio, creio…) acabou instalado no gabinete maior dos Paços do Concelho do Porto. Ele há mistérios.
O arranjo do piso da rua Pedro Escobar, à Pasteleira, onde ele vivia e eu ainda resido, foi, no meu entender (que não é modesto, como acho que já repararam…), o seu mais importante legado à cidade.
Notabilizou-se ainda ao deixar os cofres camarários cheios de dinheiro, permitindo ao seu sucessor Fernando Gomes começar o mandato logo a fazer flores.
Fernando Gomes
Devolveu-nos o orgulho de sermos portuenses. Ficamos a dever-lhe uma data de coisas, obras maiores e marcantes como o Metro, o Parque da Cidade, o Porto 2001 e a proclamação pela Unesco do Centro Histórico como património da Humanidade.
Borrou a escrita ao trocar o Porto por Lisboa, atraído por um lugar de ministro num Governo de onde saiu pela esquerda baixa, coberto de cicatrizes e nódoas negras.
Ensaiou um regresso ao Porto, à Napoleão, que fracassou com estrondo – tal como o de Napoleão.
Nuno Cardoso
Culpou um interruptor anónimo pela falhanço do fogo de artificio na passagem de século. Mas não pode culpar ninguém, além dele próprio, pela maneira canhota como lidou, na hora da saída, com «dossiers» tão escaldantes como o plano de pormenor das Antas e um empreendimento imobiliário numa das esquinas do Parque da Cidade. A um presidente da Câmara não basta ser sério – é também preciso parecê-lo.
No «Ensaio sobre a Cegueira», José Saramago deixa-nos um precioso ensinamento: «Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara».
Ora eu olho para trás, para os 2198 dias do consulado de Rui Rio, esforço-me por ver, vejo, mas reparo em muito pouco.
Vejo o seguinte:
+ O Grande Prémio da Boavista;
+ Uma trapalhada tendo o epicentro como o Rivoli;
+ Uma tentativa abortada de acabar com os arrumadores, enroupada num nome infeliz (o falecido programa Porto Feliz que ele tenta desesperadamente ressuscitar) ;
+ A polémica requalificação da avenida dos Aliados (de que eu gosto!);
+ A Red Bull Air Race (promovida a meias com o seu arqui-inimigo Menezes);
+ A identificação das ruas, praças e avenidas com novas, bonitas e informativas placas.
Não guardo rancor a Rui Rio por ter escolhido abrir o seu primeiro mandato com uma guerra contra o FC Porto. É um procedimento clássico, desde os tempos do faroeste. O novo xerife quando chega a uma cidade arranja um incidente para tentar demonstrar «urbi et orbi» que a partir de agora quem manda é ele.
Mas não estou disposto a perdoar-lhe se as eficazes placas toponímicas forem a sua melhor e maior realização ao fim de dois mandatos como presidente da Câmara.
O esforço de reabilitação urbana da Baixa (que sobrevive num estado comatoso), cometido à SRU, é uma bela cruzada, que faz todo o sentido e todos devemos apoiar com entusiasmo. O problema é está a andar a passo de caracol.
Ou o projecto de recuperação de um Baixa mete o turbo e ganha asas nos dois anos que faltam para terminar o segundo mandato, ou Rio terá muito pouca obra feita para apresentar a quem o elegeu na hora das próximas autárquicas.
Eu olho para Rui Rio na presidência da Câmara do Porto e vejo o homem certo no lugar errado – ou, se preferirem, o homem errado no lugar certo.
Eu vejo Rui Rio na presidência da Câmara do Porto e reparo no erro tremendo que é meter mais um defesa (mesmo que seja o melhor defesa do Mundo) numa equipa que está perder e precisa desesperadamente de fazer golos.
No futebol, o Porto domina esmagadoramente. Mas no campeonato da prosperidade, o Porto está ser goleado. Precisa, por isso, de um ponta de lança. Como de pão para a boca. Para podermos voltar a ser felizes.