É preferível ter um filho picheleiro
Primeiro foi o autoclismo da casa de banho que começou a verter. Não era sempre. Tinha os seus humores. Se pressionado de determinado jeito, enchia normalmente o depósito, depois da descarga. Mas se o ativássemos de forma descuidada era capaz de ficar para ali a verter, a desperdiçar água e engrossar a conta do SMAS.
Depois foi a vez da canalização da banca da cozinha que começou a pingar e nos fez ganhar a consciência que tínhamos um problema cuja resolução não podíamos adiar mais. Pedimos ao Hélder, o vizinho arquiteto que não se importa de tratar da gestão do condomínio, se fazia o favor de nos arranjar um picheleiro.
O diagnóstico foi rápido e exigente em material. O sifão do autoclismo já dera o que tinha a dar e precisava de ser substituído, tal como a torneira e a canalização da banca. A obra afigurava-se dispendiosa, o que se confirmou: a soma de todas as parcelas da conta tinha três dígitos. De mão de obra foram 60 euros, o que dá cerca de 20 euros à hora, ou seja mais ou menos quatro vezes mais que o SNS se propõe a pagar a enfermeiros tarefeiros.
Como o meu filho mais novo, o João, que nasceu no ano 2000, está a revelar-se pouco interessado nos estudos fiquei muito seriamente a pensar que se calhar o melhor é começar a encaminhá-lo para o ensino profissional, onde pode aprender uma arte que lhe permita desembrulhar-se na vida.
É preferível ter um filho picheleiro a ganhar 20 euros à hora do que um filho advogado desempregado - ou a ganhar cinco euros à hora na caixa de um supermercado. Além de tudo, dá mais jeito.
Nem de propósito, no dia a seguir à visita do picheleiro, o nosso JN vinha confirmar a justeza das minhas ideias sobre o futuro profissional do João, ao noticiar que nas ofertas de emprego existentes no IEFP, há, em Lisboa, vagas para mecânicos a ganhar 1500 euros e para engenheiros civis com um salário de 700 euros - igual ao oferecido a um serralheiro no Marco de Canaveses.
Os dados do IEFP confirmam o enorme desajustamento entre as profissões procuradas e os profissionais que o sistema de ensino forma.
O mercado pede mecânicos, serralheiros, picheleiros, montadores de tubos e torneiros. A escola dá-lhe professores, especialistas em relações internacionais, gestores de empresas e jornalistas.
Um ano depois do bastonário dos Advogados ter apelado aos estudantes do Secundário para fugirem dos cursos de Direito, por o mercado estar saturado, não deixa de ser curioso que os dois cursos públicos com mais vagas no próximo ano letivo serem Direito de Lisboa (450 vagas) de Coimbra (330).
O que se espera do Governo, em matéria de Educação, é que, no quadro do esforço de qualificação da mão de obra nacional, use o poder que tem para conciliar a oferta e a procura. O que exige uma maior e mais séria aposta no ensino profissional.
No futuro, posso garantir, continuará a haver canos rotos, torneiras a pingar e autoclismos a verter.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias