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Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Bússola

A Bússola nunca se engana, aponta sempre para o Norte.

Cavaco fez-se ao penalti

 

Tenho para mim que, no futebol, num lance de penálti, a única verdade objetiva e incontestável é a paixão subjetiva de quem emite um juízo. Tal como o reformado algarvio que preside à nossa nação, nestes casos eu raramente me engano e nunca tenho dúvidas. Sempre que o árbitro assinala um penálti a favor do Porto está carregadinho de razão.

E todos os penáltis marcados a favor do Benfica são, no mínimo, duvidosos, para não dizer escandalosos ou até verdadeiros "roubos de igreja", como diria o saudoso Pedroto, opinião que creio ser partilhada pela reformada transmontana que é a segunda figura do Estado e portista encartada.

Tenho uma enorme admiração e algum respeito pelos árbitros. Entre tangíveis (dinheiro) e intangíveis (fama) ganham uma ínfima parte do que é pago aos futebolistas. Sabem que a sua honestidade, bem como a honorabilidade das suas mães, será questionada. E, como agravante, ainda são obrigados a ajuizar logo, no momento, se num determinado lance há ou não lugar à marcação de grande penalidade.

Mesmo depois das imagens terem sido revistas vezes sem conta, em câmara lenta e a partir de diferentes ângulos, é raro gerar-se o consenso entre os peritos na matéria. Deu primeiro na bola ou nas pernas? Tinha intenção de fazer falta? Foi dentro ou fora da grande área? Qual a intensidade do encosto? Bola no braço ou braço na bola? O árbitro estava bem posicionado?

As dúvidas, atenuantes e perguntas sem resposta que a tecnologia potencia são tantas que um penálti deixou de ser o castigo máximo assinalado de acordo com as regras do jogo para se tornar num estado de espírito do árbitro, que tem de ajuizar na hora e incorpora na decisão não só a sua visão do lance mas também o resultado, o peso relativo das duas equipas, e mais uma data de coisas, entre as quais o cadastro do jogador que pede a falta, pois todos sabemos que o que mais abunda são avançados especialistas em simular grandes penalidades.

No caso do pedido ao Tribunal Constitucional para que verifique se três artigos do OE 13 violam a Constituição, parece-me nítido que o reformado Cavaco se está a fazer ao penálti. Trata-se de matéria que o afeta pessoalmente (optou por receber as reformas da Caixa Geral de Aposentações e do Banco de Portugal, por a soma ser muito superior ao salário de 6523 euros que compete ao PR) e de que há um ano se queixou, quando disse temer que o dinheiro não lhe chegasse para as despesas.

Como se isso não bastasse, os juízes do Constitucional vão decidir numa matéria que também lhes interessa pessoalmente. Assunção Esteves reformou-se aos 42 anos, com uma pensão de 7255 euros (por que optou por ser superior ao salário de 5219 euros que compete ao presidente da AR) após dez anos de extenuante trabalho no Tribunal Constitucional. Atendendo a estes óbvios conflitos de interesse, estou curioso de saber a decisão. Será marcado penálti contra Passos?

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no JN

Mais cm2, menos cm2

Um pequeno incidente marcou a chegada desta primavera chuvosa. A 20 de março, fiz uma pergunta retórica: "Para que serve o presidente da República?", a que dei uma resposta disfarçada de conselho: "Não vale responder: para torrar 17 milhões de euros/ano, que é quanto custa manter a Presidência da República, cujos gastos subiram 31% nos cinco anos do primeiro mandato de Cavaco".

Esta frase, que gastou 10 cm2 do nosso JN (e usou números publicados e nunca antes desmentidos), não caiu bem em Belém, que enviou uma clarificação logo publicada, ocupando 248 cm2 da edição de 21 de março, o que coloca duas questões.

Faz sentido dar à clarificação de uma frase um espaço 24,8 vezes superior ao ocupado pela frase que clarifica?

Apesar de um não ser muito tentador, eu respondo que sim. Sim, porque o respeito que a Presidência da República (PR) nos deve merecer exige que lhe seja concedida toda a latitude para esclarecer a maneira como ela gasta os dinheiros públicos.

Quem tem razão? Eu ou Cavaco?
Aqui a resposta certa é os dois. Belém diz que em 2006, no ano em que Cavaco assumiu funções, o Orçamento da PR foi de 17 milhões de euros. É verdade. Eu digo, em 2006, a verba inscrita no Orçamento para o funcionamento da PR foi de 14,1 milhões. Também é verdade. Uma coisa é verba inscrita outra é verba gasta. Belém diz que tem vindo a diminuir as despesas e compara os 17 milhões, gastos em 2006, com os 15,1 milhões inscritos no Orçamento 2012. É verdade. Eu digo que comparando o último ano completo de Sampaio com o primeiro de Cavaco, as despesas de funcionamento da PR subiram 2,53 milhões, ou seja 19%.

Podia estar aqui a gastar cm2 de jornal a fazer comparações, dispondo os números à luz da perspetiva que melhor ilustra o meu ponto de vista, mas sinto que não só não posso (o espaço desta crónica é finito: 220 cm2) como também não devo fazê-lo.

Não sei se deva comparar os 16 milhões de euros que PR portuguesa gastou em 2011 com os 8 milhões de euros gastos nesse ano pela Casa Real espanhola.

Sei que corro o risco de passar por monárquico ao comparar os 1, 6 euros que Belém custa, em média, a cada português, com os 0,93 euros que a Coroa britânica custa aos seus súbditos, ou os 55 cêntimos per capita que os suecos pagam para manter o Carlos XVI Gustavo, rainha Sílvia e respetiva família.

E não quero parecer demagógico ao comparar os 500 funcionários dependentes do Palácio de Belém com os 400 ao serviço do Palácio de Buckingham.

Se calhar vou abster-me de criticar o que me parece serem os gastos excessivos de Belém, porque, como bem sublinhou a PR na sua clarificação de 248 cm2, os 16 milhões de euros cobrem também as despesas do Museu da Presidência, o Conselho de Estado e os conselhos das ordens honoríficas, bem como os gabinetes dos anteriores chefes de Estado - e se Eanes é austero (no seu tempo a PR gastava 163 vezes menos que agora), já não ponho as mãos no fogo por Soares, que noutro dia até queria pôr-nos a pagar os 300 euros de multa que apanhou por ser apanhado a 200 à hora.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Para que serve o Presidente?

Sou um escritor, um desempregado de longa duração. Era assim, com esta frase caraterística do seu peculiar sentido de humor (adjetivado de "desmanchado" por Maria João Seixas), que Alface se via ao espelho.

Autor de um imperdível quinteto de curtas histórias juvenis, que me fazem escangalhar a rir logo a começar pelos títulos - "Um pai porreiro ganha muito dinheiro", "Uma mãe porreira é para a vida inteira", "Avó não pises o cocó", "Filhos assim dão cabo de mim" e "A prima fica em cima" - Alface atravessou a vida a desafiar as convenções e morreu em conformidade, aos 58 anos, de AVC, na Culturgest, a meio de uma leitura do livro "O fim das bichas".

Adoro o Alface, mas também gosto de Chopin, prodigioso pianista e compositor polaco que se perdeu de amores pela George Sand e acabou nacionalizado pelos franceses e sepultado no Père Lachaise.

Saber que Santana Lopes está disponível para deixar de andar por aí e que passou a incluir o anafado lote de presidenciáveis desencadeou na minha cabeça uma associação de ideias aos falecidos Alface e Chopin.

Em 1995, quando presidia ao Sporting, Santana foi à televisão queixar--se de que andava a ser ameaçado, presumivelmente pelos Super Dragões, e exibiu como prova uma carta anónima que recebera e que continha o aviso: Cuidado com os rapazes!

Veio a saber-se que "Cuidado com os rapazes" é o título de um livro de Alface e a carta anónima, com a frase ameaçadora, era tão-só um convite para a apresentação da obra.

Ex-secretário de Estado da Cultura de Cavaco, Santana não brilhou quando respondeu "os concertos para violino de Chopin" à pergunta sobre as obras do repertório erudito que mais lhe agradavam.

Entre as 264 peças que nos deixou o versátil polaco contam-se sonatas, noturnos, mazurcas, valsas, estudos, improvisos, polonesas, etc., mas, lamentavelmente, nenhum concerto para violino.

A proto-candidatura de Santana engrossa uma lista já bem composta de presidenciáveis (Marcelo, Durão, Guterres, Costa, Carvalho da Silva) apesar de estarmos a quatro anos do ato e de antes ainda termos autárquicas e legislativas.

Intriga-me este entusiasmo precoce, que contrasta vivamente com a maçada e desinteresse da última campanha presidencial e o facto de, em Portugal, o PR ter muitos votos mas poucos poderes. A queixa de Cavaco de que o que ganha não lhe dá para as despesas (e ele optou por receber a pensão, maior que o salário presidencial!) não afugentou a freguesia.

Como estou intrigado com este entusiasmo, deixo à vossa consideração duas perguntinhas apenas, uma retórica (a primeira) e outra nem tanto:

Para que serve o PR?

(Não vale responder: Para torrar 17 milhões de euros/ano, que é quanto custa manter a Presidência, cujos gastos subiram 31% nos cinco
anos do 1º mandato de Cavaco)

Por que raio continuamos nas meias tintas e não optamos por um regime parlamentarista, como o alemão, ou presidencial como o francês, e poupamos uma eleição e uma data de intrigas de baixo coturno?

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Queremos mentiras novas

Antigamente, os bófias usavam bigode e farda cinzenta, eram gordos, velhos, broncos e partilhavam o patamar social das sopeiras, nome depreciativo atribuído às criadas internas que desaguavam nas cidades para servir nas casas de quase todas as classes, até mesmo as da mais pobre pequena burguesia.

Ser casada ou filha de um polícia não era motivo de orgulho. A democracia e a europeização do país beneficiaram muito a classe, que ganhou prestígio e subiu na escala social à medida que se alargava a mulheres e era fornecida com gente mais formada, educada - e vestida com fardas azuis de bom corte.

Começar a ser frequente tratar com polícias mais jovens foi o primeiro sinal de que eu estava a envelhecer. O segundo e mais alarmante, que me fez perceber que já tinha mais passado do que futuro, foi a chegada de Obama à Casa Branca, histórica pois pela primeira vez os EUA elegiam um presidente mais novo do que eu.

Nunca mais parou de crescer o meu respeito pelas 23 109 mulheres e homens que integram a PSP e que apesar de não terem um salário por aí além (em média ganham por mês apenas 1458 euros brutos, menos 884 euros que os colegas da GNR) garantem a segurança nos 6% do território habitado por 50% da população.

É por isso que fiquei incomodado com a manchete de ontem do "Expresso", um ataque baixo à capacidade e brio profissional da PSP, acusada de ser incapaz de proteger o PR de um bando alegre de adolescentes de uma escola artística.

Apesar de Cavaco ter ao seu dispor 30 elementos do Corpo de Segurança Pessoal da PSP, segundo o "Expresso" apurou, "junto de três fontes distintas", os quatro agentes da equipa de segurança avançada deste corpo, presentes no local da manifestação juvenil, declararam-se incapazes de evitar que o presidente fosse agredido "mal saísse do carro" e como "não estavam reunidas as condições mínimas para fazer a visita" recomendaram que ela fosse anulada.

A ser verdade que a PSP não consegue garantir a segurança do PR durante o dia, num bairro sossegado e de classe média de Lisboa, está achada a serventia para os seis blindados encomendados para Cimeira da Nato mas só entregues bem depois dela ter terminado. Cavaco vai deslocar-se no interior de um desses blindados de sete toneladas quando tiver de passar perto de Chelas e da Damaia ou de outros bairros problemáticos, como o Lagarteiro e a Bela Vista (Setúbal).

Mas, aqui cá para nós, desconfio que atribuir à Polícia a responsabilidade pelo impedimento de Cavaco não passa de uma história inventada à pressa e colada com cuspe para proteger a depauperada imagem do PR - à custa da da PSP.

Sei que a vida é mesmo assim, mas não me conformo. Queremos mentiras novas e mais bem contadas. Contratem um guionista bom. Ou então mudem de agência de comunicação.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Imbecilmente sublime, disse Marx

Como é hábito na nossa terra, ao mínimo descuido recorro ao calão e tenho especial apreço pelo insulto, uma disciplina elevada à categoria de arte pelo capitão Haddock. Da fabulosa colecção de insultos do velho marinheiro, destaco aqui alguns avulso, como analfabeto diplomado, astronauta de água doce, apache, cataplasma, flibusteiro, protozoário (acho delicioso insinuar que alguém é um ser unicelular, sem funções diferenciadas) e troglodita - um insulto que o professor Marcelo adora usar.

"Sua badalhoca! Não te lavas por baixo", foi o mais espectacular insulto que ouvi, algures nos anos 80, numa briga entre mulheres na Ribeira.

A arte do insulto não é um exclusivo de personagens de banda desenhada ou mulheres arreliadas. Também é declinada por políticos ilustres.

"Vadio grotesco, desajeitadamente manhoso, velhacamente ingénuo, imbecilmente sublime, superstição premeditada, paródia patética, anacronismo inteligentemente estúpido, palhaçada histórico-mundial, hieróglifo indecifrável" foi o comentário escrito por Karl Marx a propósito da esmagadora vitória de Luís Napoleão nas presidenciais francesas de 1848.

Entre nós, o "vá para a puta que o pariu", cuspido a Francisco Sousa Tavares por Raul Rego, e registado no Diário da Assembleia da República de 19 Março 1980, soa cru e brutal, mas a altercação valeu pela resposta do marido de Sophia: "O senhor é um escarro moral".

Um insulto pode ser voluntário e Scut (ou seja, sem consequências), como foi o caso do cabo da GNR que mandou "pró caralho" o sargento que lhe recusou uma troca de turno e foi absolvido pela Relação de Lisboa, que lhe perdoou a virilidade verbal.

Um insulto pode ser involuntário e portajado (ou seja, ter consequências), como está a ser o caso do presidente da República que faltou ao respeito de 9,9 milhões de portugueses ao queixar-se que os dez mil euros que recebe por mês não lhe vão chegar para as despesas.

Cavaco arrependeu-se e ficou desorientado, como se vê pelo facto de ter tentado emendar a mão através de um circunspecto comunicado à Lusa, em vez dos habituais e modernaços posts no Facebook.

Compreende-se que ele queira controlar os danos e virar as atenções para outro lado. Mas, caramba, ele e a sua rapaziada deviam ter aprendido alguma coisa com aquela barraca das escutas a Belém inventadas no Verão de 2010 em benefício do "Público".

Pior que o insulto involuntário é tentar encobri-lo pondo "fontes da Presidência" a jorrar uma intriga de meia-tigela que no fim-de-semana fez as primeiras páginas do "Expresso" ("Cavaco contra Estado mínimo de Passos Coelho") e do "Público" ("Cavaquistas querem que Vítor Gaspar saia"), baseadas naquilo que Marcelo apelidou, com graça, "cavaquistas anónimos".

A um PR exige-se mais profissionalismo e competência. Em tudo. Até nas manobras de intoxicação e contra-informação.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

 

Para evitar correntes de ar

Comer devagar foi a minha mais relevante decisão de Ano Novo, tomada após ter sabido que a investigação de uma cientista portuguesa provou que quanto mais depressa ingerirmos os alimentos mais engordamos.

Usando como base o trabalho de um ano com 500 jovens obesos acompanhados pelo Hospital Pediátrico de Bristol, Júlia Galhardo ganhou um prémio internacional ao demonstrar que mais importante do que o que se come é o tempo que demoramos a mastigar os alimentos

O nó da questão está em saborear lentamente a comida gastando assim o lapso de tempo que demora entre a ingestão dos alimentos e a mensagem de saciedade ser transmitida a quem de direito. Na máquina complicada (mas quase perfeita) que é o nosso organismo, há uma data de coisas importantes relacionadas com as hormonas.

Comecei a aplicar a minha resolução de Ano Novo no almoço de ontem, comprado por 8,70 euros (atenuados por um vale de desconto de um euro usável a partir de hoje) no Wok to Walk do Via Catarina.

Correu bem. Demorei 35 minutos a esvaziar o prato de noodles de arroz com carne de vaca, cebola frita, mistura de pimentos, molho picante Hot Asia, acompanhado por limonada. Quando cheguei ao fim, já estava frio, mas soube-me pela vida. E só comi tudo porque o meu carácter judaico-cristão impede-me de desperdiçar comida.

Tenho de reconhecer que o uso de pauzinhos ajuda a comer mais devagar - e a levar à boca quantidades de alimento mais reduzidas que o binómio garfo/faca. Os orientais sabem-na toda.

Fiquei tão satisfeito que logo a seguir, já saciado e a título de sobremesa, permiti-me um pequeno luxo (a que já não me dava há um bom par de anos) e sentei-me na cadeira do senhor Araújo, o engraxador residente do Via Catarina, que a troco de dois euros (a que eu acrescentei 35 cêntimos de gorja) me deixou os meus City Walker a brilhar e ainda mais macios.

Enquanto mastigava devagar, matutei nos equívocos gerados pelos atrasos na transmissão de mensagens nestes tempos em que o fantástico desenvolvimento tecnológico nos convenceu erradamente de que tudo é instantâneo, desde a transmissão de um email, até às imagens de um jogo de futebol, passando pela capacidade de todo o nosso corpo perceber que já não precisa de mais comida.

Por muito micro que sejam, há sempre atrasos, sendo que um dos mais clássicos - a velocidade de propagação da luz ser superior à do som - leva a que algumas pessoas nos parecem inteligentes até as ouvirmos.

Enquanto o sr. Araújo me engraxava os sapatos, saltei desta primeira conclusão para uma outra, inspirada por alguns momentos de reflexão sobre a mensagem de Ano Novo de Cavaco.

Era bom se optassem por ficar caladas todas as pessoas que têm dificuldades em comunicar e/ou não sabem muito bem o que hão-de dizer. E tomei logo ali a minha segunda decisão de Ano Novo: pensar duas vezes antes de abrir a boca. Para evitar correntes de ar.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Cavaco não sabe escolher gravatas

A coisa parece difícil - mas não vai ser fácil. Esta frase de humor marxista, tendência Groucho, assenta como uma luva ao paciente trabalho de criação do primeiro banco privado após o 25 de Abril, desenvolvido, há 30 anos, por Artur Santos Silva.

Sozinho, de pasta na mão e sem remuneração, andou dois anos a reunir a centena de accionistas privados da SPI (antecessora do BPI) que subscreverem o capital inicial de 1,5 milhões de contos - e a tentar receber luz verde governamental.

Apesar de a AD de Sá Carneiro ter ganho as legislativas, foi mais fácil convencer TMG, RAR, Sogrape, Riopele & C.ª a abrirem os cordões à bolsa do que obter o sim do ministro das Finanças, Cavaco Silva, que por duas vezes torceu o nariz ao pedido, alegando que a abertura da banca a privados era "um dossiê muito sensível". Persistente, Artur não desistiu e acabou por conseguir a autorização em 1981, assinada por João Morais Leitão, o ministro das Finanças de Balsemão.

O banqueiro é não só persistente ao ponto da teimosia, como também paciente, como fica demonstrado pelo facto de ter adiado um ano a abertura do escritório em Lisboa da SPI - durante esse tempo esteve à espera que Fernando Ulrich, a pessoa que ele desejava para dirigir a operação da sociedade na capital, se libertasse das funções de chefe de gabinete de João Salgueiro.

Para explicar esta espera, Santos Silva cita Segismundo Warburg (fundador da SG Warburg), que recrutava pessoas da mesma maneira que comprava gravatas: não as contratava por necessidade (ninguém compra uma gravata porque precisa) mas porque gostava delas. Por necessidade, compramos líquido amarelo para a louça, papel higiénico, leite ou meias pretas - não gravatas.

A escolha da pessoa certa para o lugar certo é uma das mais difíceis tarefas de um gestor, em que mesmo os mais pintados já meteram água. Que atire a primeira pedra quem nunca se enganou na avaliação das capacidades e carácter de um ser humano.

A mesma dificuldade se sente na selecção dos amigos com que mais privamos. Que atire a primeira pedra quem nunca foi desiludido por um amigo em que confiava.

Olhando para o rol de patifarias de que são suspeitos vários ex--amigos do peito e da política do PR - Oliveira e Costa (seu companheiro no Banco de Portugal, secretário de Estado e conselheiro de investimentos), Dias Loureiro (seu ex-braço direito no PSD e Governo), Isaltino Morais (seu ministro e autarca laranja modelo) e Duarte Lima (seu vice-presidente no partido e líder parlamentar) - sou forçado a concluir que ele falha na escolha das pessoas.

A alternativa à conclusão de que Cavaco não sabe escolher gravatas é muita má. Atendendo à péssima qualidade das companhias de que se rodeou, seria terrível sujeitar o presidente à prova do provérbio popular "diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és".

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

Não preciso de nascer duas vezes

Experiências com ratos demonstram que é possível estar acordado e ter o cérebro parcialmente a dormir. Essa é a explicação mais bondosa para o facto de o governador do Banco de Portugal ter demorado sete anos a perceber que algo de muito errado e ilegal se passava no BPN.

Podem aventar-se outras explicações para o facto de Vítor Constâncio ter ignorado as reservas que os auditores da Deloitte levantavam às contas do banco e os alertas constantes do trabalho publicado em 2001 na capa da "Exame", denunciando irregularidades e levantando bem fundamentadas dúvidas sobre a gestão de Oliveira e Costa.

Falar na desadequada graduação das lentes dos óculos de Constâncio pode ser uma piada de gosto duvidoso. Considerar que se tratou de uma letal combinação de negligência e incompetência é uma hipótese mais plausível, mas também muito dolorosa, pois ele não só não está arrolado como cúmplice involuntário desta gigantesca burla como, ainda por cima, acabou recompensado com uma vice-presidência do Banco Central Europeu.

Enquanto Portugal dormia sossegado, na doce ignorância, uma data de gente conhecida arruinava o BPN, como está documentado nos 70 volumes e 700 apensos que constituem o processo legal de uma catástrofe financeira, que apesar de ainda não ter conhecido o seu epílogo já nos custou, grosso modo, o equivalente a um 13.º mês para todos os contribuintes.

Da longa lista dos beneficiários da catástrofe consta o clássico Vale e Azevedo, que urdiu um ardiloso esquema para sacar dois milhões de euros ao BPN.

Dias Loureiro não poderá devolver um dólar sequer dos 71 milhões USD que gastou a comprar duas tecnológicas em Porto Rico (que faliram logo de seguida...) porque não tem nada em seu nome, nem mesmo o famoso taco de golfe que mandou fazer no Japão e ele garante ser o melhor do Mundo.

Duarte Lima, outro nome do Gotha cavaquista, comprou uma off-shore ao BPN e sacou um empréstimo de dois milhões de euros ao Insular, o banco fantasma de Cabo Verde do grupo.

Cavaco e a sua filha Patrícia lucraram, em menos de dois anos, 375 mil euros (mais ou menos o que ganha numa vida um português médio), num negócio com acções da SLN (a holding que controlava o BPN), vertiginosamente valorizadas em 140%.

Tenho a certeza de que Cavaco e Vale e Azevedo não são madeira da mesma árvore. Sei que o PR deve estar arrependido da amizade e protecção que deu a Dias Loureiro e Duarte Lima. E acredito que se soubesse o que sabe hoje não aceitaria o negócio de favor que lhe foi proporcionado pelo seu ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

Mas estamos a viver aqueles tempos em que "já não é possível dizer mais, mas também não é possível ficar calado" (cito Manuel António Pina). Por isso declaro que não sinto a necessidade de nascer duas vezes para ser tão honesto como Cavaco.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias

 

Os novos ladrões de bancos

Até para roubar bancos é preciso ter estudos, estar bem relacionado (a palavra chave é networking) e familiarizado com as novas tecnologias. Olhem bem para o desgraçado destino dos dois brasileiros que no Verão de 2008 tentaram assaltar o balcão do BES de Campolide. Um acabou no cemitério e outro paraplégico. Uma tristeza!

Onde já lá vão os tempos de John Dillinger ou do romântico par Bonnie & Clyde. Agora, para roubar um banco não basta ter o cérebro povoado por uma pequena aglomeração de neurónios apenas habituados a orientarem actividades básicas como comer, dormir e disparar armas.

Hoje em dia, um bom ladrão de bancos precisa de uma licenciatura em Economia (ou Gestão), de ostentar no curriculum uma passagem pelo Governo ou pelo Banco de Portugal (as duas acumuladas ainda é melhor) e ser senhor de um cérebro habituado ao raciocínio indutivo e aos altos mistérios da especulação.

Excepção feita aos dois infelizes do assalto ao BES de Campolide, toda a gente sabe que já não há nas agências bancárias dinheiro vivo que se veja  – e que as poucas notas que existem estão guardadas em cofres de abertura retardada.

Careca de saber isto, o gang da retroescavadora optou, inteligentemente, por ir buscar as notas ao local onde os bancos as depositam para as fazer chegar aos clientes – as caixas multibanco. Em 2010, esta quadrilha roubou 16 ATM, entre o Alentejo e Algarve, em golpes minuciosamente preparados, concretizados de madrugada após pedirem previamente emprestada uma retroescavadora com pá traseira, o modelo adequado ao fim em vista.

Na minha opinião, foi muito trabalho, bastante competência e uma enorme dose de risco de ser preso para um lucro relativamente modesto. Os 16 roubos terão rendido cerca de meio milhão de euros (a estimativa é 30 mil euros por multibanco). Ou seja cada um dos quatro membros do gang terá encaixado uns 125 mil euros.

Não é mau, mas é menos que os 148 mil euros de lucro que Cavaco obteve em 2003 com a venda de 105.378 acções da SLN (valorização de 140%), a holding que controlava a 100% o BPN e era gerida por Oliveira e Costa (seu antigo secretário de Estado e ex-colega no Banco de Portugal) e por Dias Loureiro (seu ex-ministro e conselheiro de Estado).

Hoje em dia para roubar um banco é preciso estar lá dentro. No sentido literal, como no meu filme preferido sobre assaltos a bancos (Inside man, de Spike Lee, com Clive Owen, Denzel Washington e Jodie Foster). Ou no sentido figurado, como é demonstrado em Inside Job, de Charles Ferguson, ou na dramática tragédia do BPN, que nos vai custar cinco mil milhões de euros, uma realização de Oliveira e Costa com Dias Loureiro num dos principais papéis.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

Será que anda tudo lelé da cuca?

Este ano, a Maria não vai dar prenda de Natal ao Aníbal. Fiquei tão intrigado com isto que até me passaram duas explicações pela cabeça enquanto viajava do título de 1ª página do JN até à pág. 20 da Notícias Magazine, onde estava a notícia.  

Será que ela ainda está chateada por o homem ter promulgado o casamento gay? A este primeiro pensamento sucedeu um outro. Na campanha para as presidenciais, em que tem a reeleição garantida mesmo que repita a graçola de encher a boca de bolo rei, Cavaco respondeu que até tinha ficha na Pide, quando Alegre puxou dos galões de antifascista .

Vai-se a ver e a ficha da Pide não passa de respostas anódinas a um questionário de rotina, em que a única curiosidade reside em saber que ele achou por bem  acautelar que não privava com Maria Mendes Vieira, com quem o sogro se casara em segundas núpcias.

Mas não. Não é por causa do casamento gay, nem por o marido não ter engraçado com a madrasta dela, que Maria não lhe dá prenda. O motivo é a contenção. Este ano, no Possolo, os adultos ficam a seco e são aconselhados a mandar o dinheiro das prendas para uma instituição de solidariedade social.

Fiquei horrorizado com esta atitude miserabilista. Aníbal e Maria têm uma vida bonita, os filhos estão criados, não devem ao banco, já não têm aplicações nem acções do BPN, e entre reformas e vencimento ganham uns bons 15 mil euros limpos todos os meses. Chega para prendas e sobra para ser solidário. E, já agora, permitam-me um reparo a Maria: o bem deve praticar-se em silêncio e é preciso ter muito cuidado a distinguir a filantropia da responsabilidade social da bolorenta caridade do bodo aos pobres.

Dias depois, reparei que Passos Coelho foi contaminado pelo miserabilismo natalício da primeira dama e anunciou que só a mais nova das suas quatro filhas vai ter prenda no Natal. Já começo a acreditar no estudo da OMS que diz que um em cada cinco portugueses sofre de perturbações mentais – só estou preocupado pelos lugares ocupados pelos lelés da cuca …

“Um dos riscos da actual crise é que as pessoas deixem de gastar e isso seria muito mau”. Peço a Maria e Pedro para que, antes de abrirem mais a boca, reflictam nesta frase sábia dita por Vítor Bento, o economista que Aníbal nomeou para o Conselho de Estado, em substituição do seu antigo amigo Dias Loureiro.

No entretanto, fico a pensar se perco o amor a uns 40 euros e ainda hoje vou à Fnac comprar prendas para Cavaco (Utopia, de Thomas Moore, ou Morte em Veneza, de Tomas Mann) e a Passos Coelho  - talvez o Ser e o Nada, de Sartre, porque aquele que ele gosta muito (A Fenomenologia do Ser)  e até leu antes de Kafka vai ser muito difícil de encontrar, porque não existe.

Jorge Fiel

Esta crónica foi hoje publicada no Diário de Notícias

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