Ser batoteiro não pode compensar
No treino para as consultas a sério, os alunos de Medicina da Universidade do Minho têm ao dispor cerca de 70 doentes standard, atores formados durante um ano até se tornarem especialistas numa doença, pericardite, infeção renal, insuficiência respiratória, diabetes, etc.
Os atores que fazem de doentes foi uma das muitas coisas que deixou muito bem impressionado quando o Nuno Sousa me proporcionou uma visita guiada às instalações da escola que dirige.
Parte dos exames são feitos num consultório equipado com uma câmara de vídeo, que permite aos professores, que estão no gabinete ao lado, seguirem o diálogo entre aluno e ator, a quem previamente entregaram o guião - o falso doente pode começar a consulta a dizer ao futuro médico que só precisa que ele lhe passe uma receita...
Nenhum aspeto da relação médico/doente é deixado ao acaso nas avaliações. E conta para a nota se o aspirante a médico, quando for chamar, à sala de espera, a atriz/doente, que está carregada com sacos, desperdiçar a oportunidade de estabelecer empatia com ela ajudando-a a transportar os sacos.
A escolaridade obrigatória e a Universidade são apenas uma primeira e decisiva fase da aprendizagem. Para sermos competitivos nestes tempos exigentes é indispensável um esforço permanente de atualização e sermos capazes de viver com a mudança efervescente.
No século XXI, o período de formação não se esgota quando saímos da faculdade, mas apenas quando saimos do mercado de trabalho.
A minha confiança no futuro fica seriamente abalada quando me lembro do episódio, ocorrido há um ano, em que dezenas de candidatos a juízes foram apanhados a copiar num teste e da direção do Centro de Estudos Judiciários queria pactuar com este ato vergonhoso, correndo a dez valores toda a gente, ou seja nivelando batoteiros e honestos.
O meu otimismo também fica abalado ao saber que 55% dos universitários já copiaram num exame, de acordo com as conclusões de estudo feito por uma investigadora da Faculdade de Economia do Porto num um universo de 5403 estudantes de 400 cursos e cem diferentes escolas de ensino superior.
Não será sendo bom a copiar que um recém licenciado vai conseguir arranjar um emprego. Não será recorrendo a truques como o de entregar o mesmo trabalho em mais de uma disciplina (prática confessada por quase metade dos inquiridos) que um jovem vai preservar o emprego e subir na vida.
A culpa deste lamentável estado de coisas não pode ser atirada apenas para as costas de estudantes. Neste banco dos réus também se sentam a escola e família que não lhes ensinaram a ter um comportamento ético, os professores que preparam exames onde copiar compensa pois a trafulhice não é detetada - bem como um ensino baseado na acumulação e débito de conhecimentos, em que exemplos luminosos como do curso de Medicina não são a regra. Infelizmente.
Jorge Fiel
Esta crónica foi hoje publicada no Jornal de Notícias